A essência da vida são os outros. A
nossa época é-lhes contrária por várias estupidezes. As pessoas
vangloriam-se de ser independentes, individualistas, auto-suficientes,
egocêntricas, únicas, solitárias, livres. Dizem: “Quero lá saber o que
os outros pensam!” sem perceber a terrível vaidade que isso implica.
Para
ter a noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que
aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que
fica. Coisa pouca. Sózinho quase ninguém é quase nada. É somente
juntos que podemos ser alguma coisa. A verdade é que devemos tudo a
quem já deu, já morreu, já disse, já escreveu. E a nossa felicidade
devêmo-la, não a nós próprios, mas a quem vive ou viveu ao pé de nós.
Será isso o que custa tanto a aceitar.
(...) No pouco tempo em que
vivemos e trabalhamos, limitamo-nos a acrescentar um ponto ou outro à
soma que já existe. Um dia morremos. A morte é o preço que se paga
pelo facto de vivermos tão facilmente. Pelo facto de não termos de
inventar a língua que se fala de não escrevermos os livros que se lêem,
de não fazermos o pão que se come, de não sermos obrigados a estabelecer
e a negociar as regras com que se vive.
Os outros são a sorte que
nos cabe, são o azar que nos calha. São o nosso último recurso e a
nossa primeira obrigação. Esta é a essência da sociedade. Enriquecemos
quando os outros são ricos, empobrecemos quando eles são pobres.
Deixêmo-nos de betices. O sentimento mais importante de todos é a
solidariedade.
(...) Os outros são a nossa única justificação
possível. Segui-los e servi-los , por questões de sabedoria e
sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.
O essencial é
amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a
humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se
bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível mas uma pessoa
vai andando.
Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil.
Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar.
Philip
Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ía
sobreviver a nós era o amor. O amor, Vive-se sem paixão, sem
correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa,
sem uma cama. É verdade, sim senhores.
Sem um amor não vive ninguém.
Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de
ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem
de ser verdadeiro.
O amor é um abandono porque abdicamos, de quem
vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há
nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá
do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir,
tentar perceber, voltar atrás.
O amor é que fica quando o coração
está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam
adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai
contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do
trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É
a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a
vida por uma amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de
morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e
cuidar?
(...) A essência da vida está fora de nós. Está nos outros
todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que
temos é o amor.