É preciso que alguém o diga, é preciso que alguém o diga nesta data e é preciso que
alguém o diga a partir deste lugar. Então não percamos tempo. Di-lo-ei a abrir o debate:
a nossa democracia não só não está garantida como vive o maior momento de risco à sua existência desde o período pós-revolucionário. Os 50 anos do 25 de Abril serão a ocasião de celebrar tudo o que conquistámos em conjunto. Estes 49 anos devem servir para alertar para tudo aquilo que podemos perder.
Não é inédito. Nenhuma democracia está completa ou é perfeita. Todos os regimes
democráticos têm os seus inimigos, mais ou menos competentes, mais ou menos
inteligentes, mais ou menos assumidos.
Dependendo das circunstâncias e da vontade de poder que nunca lhes falta, aviltar e esvaziar uma democracia não é sequer difícil.
Não procuremos coerência nos novos autoritários, a não ser a vontade desmedida de mandar, porque qualquer coerência seria um entrave a essa mesma vontade desmedida de mandar.
Eles dizem-se os mais conservadores de entre os conservadores, mas acabam a invadir o Capitólio e a defecar na Praça dos Três Poderes. Eles afirmam-se patriotas, mas não desdenham enxovalhar o seu país e os dos outros.
Eles demonstram ser incapazes de aceitar a mais mínima crítica, mas têm na rua cartazes nos quais misturam suspeitos de crimes e políticos comuns e nos quais insinuam mais ou menos veladamente, mais ou menos descaradamente, a eliminação de adversários. Se um dia houver uma mão mais ou menos transtornada que passe ao ato, eles negarão qualquer culpa.
Mas não nos deixemos encadear pelos casos mais espetaculares. Os mais discretos é que nos hão de preocupar. Conheci bem, por dever de ofício, um desses, dos mais competentes, dos mais inteligentes.
Hoje há rádios, jornais e televisões que foram fechados, universidades que foram expulsas, milhares de adversários estão fora do país, todos os tribunais e autoridades independentes foram capturadas, e apesar do discurso anticorrupção do início — ou se calhar por causa dele... — o genro, o irmão e o pai e até amigos de infância do primeiro-ministro tornaram-se dos homens mais ricos do país, à conta dos fundos europeus que todos pagamos.
A propósito: a Presidente que este primeiro-ministro escolheu, sem passar pelo voto popular, visitou este Parlamento ainda há poucas semanas.
Ninguém protestou e toda a gente soube respeitar, porque o sentido patriótico e de estado, para a grande maioria de nós, ainda não é opcional.
O principal risco para a democracia não está nos autoritários, que serão sempre uma minoria, mas naqueles que lhes derem a mão. O que é preciso é que todos aqui dentro saibamos é que uns e outros ficarão manchados na história do nosso país.
O principal risco para a nossa democracia é aceitarmos a intimidação e a dominação da agenda pelos autoritários. Por isso, tratemos de esconjurar esse risco, agora e hoje e sempre. Esta tarde estarão na Avenida da Liberdade — certamente com pouca atenção mediática — muitos mais milhares defensores da democracia e do 25 de Abril do que há seus inimigos. Haverá sempre mais portugueses a defender a liberdade do que o autoritarismo. Saibamos confiar nos democratas e dar-lhes confiança.
Tenho orgulho de pertencer a um povo que dirá sempre que for necessário: 25 de Abril Sempre!
Não voltarão.