21 maio 2021

Venham ao Teatro do Bairro


Olá a todos... 

Aqui estão os dias intensivos na VOARTE e todos os seus PROJETOS 

numa curta distância dois mundos opostos...

RICARDO ESTEVES RIBEIRO
ricardo@fumaca.pt
Olá.

Quinze minutos separam a casa onde vivi até aos 18 anos e o bairro em que cresceu Vítor Sanches, fundador da loja de roupa ética e sustentável e livraria Bazofo. São pouco mais de 1000 metros entre a casa da minha mãe, na Quinta Grande, e a de Vítor, na Cova da Moura. Mas este quilómetro carrega muito mais do que um quilómetro — é uma linha de demarcação do privilégio.

Se a Quinta Grande é um bairro da classe média-alta da Amadora, com vivendas bonitas ladeadas por muros altos, ou prédios gigantes com vista para a cidade — eu vivia num 16.º andar —, a Cova da Moura é um enclave separado do mundo por uma estrada alcatroada. Vítor Sanches apercebeu-se desde miúdo de que quando atravessava essa estrada “estava num espaço que já não era dele". E este bairro, de auto-construção, pobre, maioritariamente habitado por pessoas não-brancas, imigrantes ou descendentes de imigrantes das ex-colónias, foi-se definindo na minha mente, enquanto crescia, como “o sítio onde não se podia ir” — um “bairro problemático”, como se costuma ouvir em vários órgãos de comunicação social, ou pela voz de políticos e jornalistas, ou pelos comunicados da polícia.

Durante os quase 20 anos em que vivi e estudei na Amadora, talvez tenha entrado na Cova da Moura não mais do que três vezes. De todas elas, protegido e guardado por colegas negros talvez residentes no bairro, e, claro, nunca informando os meus pais. A cabeça de um miúdo de 14 anos (ou, pelo menos, a minha cabeça adolescente) ao entrar n’”o sítio onde não se podia ir” estava cheia de preconceitos baseados em notícias de violência e criminalidade que a televisão fazia entrar em minha casa, normalizando o que já na escola nos ensinavam nos livros de História: que o negro é perigoso e que lhe falta o civismo que nós, brancos, com certeza temos. E ao ir lá, eu tive medo, sim. Ao entrar num enclave de auto-construção, onde as estradas não são lisas de alcatrão brilhante; onde há pobreza generalizada; onde não entram autocarros e não há espaços verdes nem parques infantis, como no meu bairro, 15 minutos ao lado; onde não há escolas grandes e arranjadas; onde a luz pública é parca; e não há sucursais de bancos e farmácias e supermercados e restaurantes a cada poucas portas; e onde as pessoas têm uma cor diferente da minha. Sim, eu tive medo. 

Mas o que entendi ao ter voltado à Cova da Moura, anos mais tarde, já como jornalista do Fumaça, foi que a história que me contaram era mentira. Não foram os negros perigosos não-civilizados que criaram a Cova da Moura. Fomos nós. Os privilegiados. Foram décadas de políticas destruidoras de guetização que empurraram “os outros” para longe da nossa vista, para que os brancos ricos e de classe média-alta pudessem resguardar-se em vivendas bonitas ladeadas por muros altos, ou prédios gigantes com vista para a cidade, sem serem incomodados por quem não faz parte. 

Aprendi muito na Cova da Moura. Sobre racismo estrutural e desigualdade, sobre o nosso passado colonial, sobre Frantz Fanon e James Baldwin e Amílcar Cabral e Malcolm X, sobre amor radical, sobre solidariedade, e sobre o meu privilégio. 

Escrevo este texto desde a casa da minha mãe. Da sala do 16.º andar consigo ver a esquadra de Alfragide, onde seis residentes da Cova da Moura foram sequestrados e espancados repetidamente em 2015 — dois deles, Flávio Almada (ou LBC) e Celso Lopes, foram entrevistados pelo Fumaça, tal como um dos seus advogados, José Semedo Fernandes. Nunca durante a minha vida imaginei que tal coisa se pudesse passar comigo. Nunca tive medo da polícia em Portugal. Mas é também isso que distingue o meu privilégio de quem nasceu noutro bairro ou quem nasceu com mais melanina na pele do que eu.

Para Vítor Sanches, que fez da loja Bazofo um espaço cultural de resistência na Cova da Moura, nada do que aconteceu em 2015 é anormal ou surpreendente: "a Cova da Moura sempre foi um lugar de exceção para a polícia", conta. Lembro-me de uma frase que me disse LBC há uns anos: “Antes, batiam-nos porque não sabíamos os nossos direitos. Agora, batem-nos porque sabemos os nossos direitos”. Talvez seja por isso que Vítor Sanches diz que “como negro, basta olhar para a polícia e é suficiente para estar a faltar-lhe ao respeito". As suas duas filhas, diz, irão aprender o mesmo que ele aprendeu desde miúdo: não se olha um agente nos olhos.

Hoje assinalam-se dois anos desde que foi lida uma sentença histórica. A 20 de maio de 2019, oito agentes da PSP foram condenados na primeira instância por sequestro agravado, ofensa à integridade física qualificada, injúria, denúncia caluniosa e falso testemunho, devido aos acontecimentos de 2015. A sentença foi confirmada, meses mais tarde, com prisão efetiva para um dos agentes da PSP. 

As opiniões sobre se foi ou não feita justiça dividem-se, mas isto parece-me óbvio: hoje, a resistência anti-racista está viva.

A conversa que gravamos com Vítor Sanches e que hoje publicamos faz parte de uma investigação que o Fumaça está a fazer, em parceria com a revista digital de jornalismo narrativo Divergente, sobre violência policial, racismo judicial e também o que significa ser polícia em Portugal. Teremos mais novidades em breve.

Até já,
Ricardo Esteves Ribeiro
ENTREVISTA
Vítor Sanches: "Acredito num mundo sem polícia"

Vítor Sanches, fundador da Bazofo e residente da Cova da Moura, fala sobre violência policial e a relação da comunidade com a polícia.

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SUGESTÕES DA SEMANA
Palestine
Joe Sacco
(Sugestão de Maria Almeida)
Quando eu e o Ricardo Esteves Ribeiro fomos à Palestina, em 2017, para produzir a série "Palestina: histórias de um país ocupado", estivemos na Educational Bookshop, uma livraria gerida por uma família palestiniana em Jerusalém conhecida por ter uma enorme coleção de livros sobre a Palestina. Quando pedimos recomendações, Mahmoud Muna, um dos donos, disse-nos: "se só puderem levar um livro de toda a nossa coleção, levem este." Era o Palestine de Joe Sacco, um livro de banda desenhada que reúne histórias do tempo que o jornalista passou na Palestina, entre 1991 e 1992, curiosamente, durante a Primeira Intifada. Hoje, é a minha vez de o recomendar.
PARA LER
Chile: candidatos independientes y de la oposición dominan la asamblea que redactará la nueva Constitución
 BBC 
(Sugestão de Danilo Thomaz)
No último domingo, a população do Chile votou a composição da Assembleia Constituinte que redigirá a nova Carta Magna do país, substituindo a que se matinha em vigor desde a ditadura do general Augusto Pinochet, uma das mais sanguinárias da América do Sul. Os resultados surpreenderam: a maioria dos assentos será ocupada por candidatos independentes, em consonância com as demandas dos protestos de 2019, e de esquerda. A direita, por sua vez, viveu uma derrota histórica e ficará sem poder de veto sobre a redação da nova Constituição.
PARA LER
“Lynch Mobs”: Palestinians Face Brutal Attacks Inside Israel as Assault on Gaza Escalates
Democracy Now 
(Sugestão de Ricardo Esteves Ribeiro)
A escritora palestiniana e investigadora da Jerusalem Center for Legal Aid and Human Rights, Budor Hassan, explica o que se passa em Jerusalém e como a linguagem sobre a ocupação da Palestina importa.
PARA VER/OUVIR
Zeca Afonso: As suas aulas eram absolutamente revolucionárias
Hélida Carvalho, Esquerda.net 
(Sugestão de Bernardo Afonso)
'Venho aqui dar Organização Política porque isto é uma provocação. Não percebo nada de Organização Política. Sou contra esta situação. O Salazar é um bandido, um fascista. Não vos vou dar Organização Política, isto é tudo mentira'. Foi desta forma que o professor Zeca Afonso se apresentou à turma numa primeira aula no Liceu Nacional de Setúbal, em 1967. Hélida Carvalho era sua aluna e registou em diário, "tipo ditado", tudo o que ouvia. "Que fenómeno é este que aterrou em Setúbal?". A PIDE prenderia o professor dois meses depois. Uma história invulgar sobre a resistência.
PARA LER

18 maio 2021

Aqui vai um poema do António Barahona

Eu estava sentada na areia molhada era de noite, eu tirei a arma do bolso um homem veio por trás de mim, segurou me no braço levantou me no ar, fiquei com as marcas dos dedos dele durante oito dias e disse-me:


"- Todos os dias vou ao mar e não sei se volto e tenho mulher e oito filhos acha que também devo suicidar-me? "

 

A partir desse dia quis viver e jamais me hei de esquecer da cara daquele homem que estava descalço e eu tinha os lábios roxos de frio. 

13 maio 2021

DO SILÊNCIO!!!

Estar calado não significa estar em silêncio.

Pasme-se!

É estranho colocarem-te defronte a alguém com a regra do NÃO FALAR!

Não estás habituado... 

Mesmo nos transportes públicos ou no elevador falas 

Sobre a paisagem, sobre o tempo, sobre isto está cada vez pior...

És forçado a moveres-te.

Mexer os braços, as mãos, coçar as sobrancelhas, franzir o nariz.

Mexeres-te!

Estar parado e sem dizer nada pode ser barulhento numa cabeça a borbulhar em ideias;

Confusa em palavras e frases.

Às vezes, é ainda mais poluente.

Escrever pode multiplicar, modificar, preencher momentos calmos, apagados,

Aprende-se...

A não dizer nada; a não usar palavras, a não falar só por falar; a estar calado e sereno.

Ensina-se o silêncio?

Sim, claro!!!

Ensina-se a ouvir-se!

12 maio 2021

Somos todos diferentes e isso é ótimo!!!

Cuidado com as tentações para sair por aí a correr e fazer mortais depois de vermos este vídeo:vídeo (link)...


Jesus Vidal é comovente.



Conheçam o Steve descrito por esta criança!


Há um projeto lindíssimo que se chama 'Mãos que Cantam’ - grupo coral de língua portuguesa gestual Cantam com gestos

07 maio 2021

primeira oficina

Acesso (LINK) em 07 de Maio de 2021):

Circulação de carros, de pessoas; passagem: rua de difícil acesso. 
Capacidade ou aptidão para obter algo relativamente difícil; 
Ingresso na faculdade: acesso ao  ensino superior. 
Ação ou oportunidade de entrar ou de sair; chegada ou entrada; 
Porto de difícil acesso. 
Características comportamentais; 
Trato: professor de fácil/difícil acesso. 
Estado patológico transitório e repentino: acesso de tosse.  
[Informática] Capacidade para se conetar à Internet através de um computador. 
A palavra acesso deriva do latim "acessus,us", com o sentido de aproximação ou  
ataque de uma doença.

Inclusão (link)

Integração absoluta de pessoas que possuem necessidades especiais ou específicas numa 

sociedade: políticas de inclusão.

Introdução de algo em; ação de acrescentar, de adicionar algo no interior de; inserção.

Condição do que foi incluído: inclusão do artigo no jornal.

[Lógica] Relação entre dois termos em que um faz parte da compreensão ou da continuação 

do outro.

[Matemática] Característica do conjunto cujos elementos estão contidos em outro conjunto.

[Mineralogia] Corpo sólido de natureza distinta do conjunto em que faz parte ou está inserido.

[Biologia] Técnica de microscopia através da qual um tecido ou órgão ao ser manipulado está 

envolto por uma camada de parafina para ser seccionado em lâminas finas, após sua 

solidificação.


Diversidade (link):

Característica ou estado do que é diverso, diferente, diversificado; não semelhante: diversidade de argumentos no discurso.

Reunião do que contém vários e distintos aspetos, características ou tipos; pluralidade: a diversidade de comentários sobre o texto.

Conjunto diverso, múltiplo, composto por variadas coisas ou pessoas; multiplicidade: a diversidade das espécies.

Em que há ou demonstra oposição; sem concordância; divergência: a diversidade de seus argumentos invalidou a análise.

Expressão Diversidade Cultural.

Conjunto de características culturais que, observadas em pessoas circunscritas num mesmo espaço geográfico (país, cidade, região etc.), caracteriza costumes, hábitos sociais ou crenças que variam de uma pessoa para outra.


Significado de Arte (link)

Aptidão inata para aplicar conhecimentos, usando talento ou habilidade, na demonstração 

uma ideia, um pensamento; o resultado dessa demonstração: esta escultura representa a arte 

de Michelangelo.

Reunião das expressões artísticas de um povo, sociedade: museu de arte.

Talento; expressão particular de inteligência ou sensibilidade observada num artista: a arte de 

Picasso.

Cuidado; atenção excessiva usada na composição de: roupa feita com arte.

Jeito; aptidão natural para realizar algo: usava toda sua arte para mentir.

Perícia; excesso de talento ou habilidade para fazer algo: arte de compor.[Brasil]

Travessura; em que há traquinices: esse menino só faz arte!

Criatividade humana que, sem intenções práticas, representa as experiências individuais ou 

coletivas, por meio de uma interpretação ou impressão sensorial, emocional, afetiva, estética 

etc.; o resultado dessa criatividade: belas-artes; obras de arte.

Reunião das normas, princípios técnicos ou conceitos que são imprescindíveis na realização 

de alguma coisa: arte de cantar.

Cada seção ou âmbito particular que envolve a expressão de: arte da poesia.

Resultado ou obra que demonstra os princípios e/ou as normas de alguma expressão artística 

(literatura, música, arquitetura etc.): a Arte de Platão.

Grafismo. Original; qualquer trabalho em estágio inicial, leiaute ou arte-final, antes de ser 

impresso.

Publicidade.

Reunião das ações relacionadas com a apresentação gráfica ou visual de anúncios, cartazes, 

leiautes etc.

Pesca. Mecanismo ou técnica usada para pescar.


Criatividade (LINK)

Qualidade da pessoa criativa, de quem tem capacidade, inteligência e talento para criar,

 inventar ou fazer inovações na área em que atua; originalidade.

Essa capacidade de inventar, de criar, de compor a partir da imaginação.

[Linguística]

Capacidade inata que o falante possui para desenvolver e entender uma quantidade excessiva 

de enunciados, mesmo os que nunca havia ouvido ou falado antes.


Ir até á janela, olhar lá para fora e regressar para contar 

o que vimos; 

o que gostaríamos de ter visto;

e o que veremos futuramente.



Um aparte inicial: já repararam que  existe uma voz interior, 
que fala connosco/convosco? Também somos nós e é outra...
Imagina-se a organização que o Fernando Pessoa deveria ter dentro daquela 
cabeça: tantos heterónimos a funcionar diferentemente ao mesmo tempo.


Mas passemos ao pedido:

Tem defronte um Loureiro que a falecida em 2005 avó materna, 
Carolina plantou :)
Tem um amontoado de telhas, pinheiros bravos, canteiros, mulatas,
 cedros, caruma, e outras árvores que não sei o nome; dava uma 
pintura ou várias… respira abertura e dança ao vento.

Vivemos aqui perto e longe de Lisboa (a 30 km),em Colares, Sintra,
perto do mar, da praia das maçãs e da serra, agora já começa a 
ficar mais quente que a zona é húmida e tem um clima temperado 
não demasiado quente no verão. É um paraíso!


Nos últimos tempos, tenho ouvido um galo cantar a despertar e 
passarinhos a namorar; nunca gostei de gatos, gostava mais de cães,
os gatos pareciam-me muito independentes, em 2013 ofereceram-me 
o felino e feliz Félix, passou a dormir comigo e apaixonei-me por 
ele(s).


Ora, o Félix  cresceu, enGatou a Blackinha, fizeram amor e nasceram
a Mel, a Mini mini, a Piada e a Fellini e tiveram mais filhos, já 
sem nome: passaram a ser nossos primos e aparecem todos, já 
castrados, à hora da refeição;  trazem boa energia!


O que gostaríamos de ter visto e o que veremos futuramente.

Sinceramente, gosto do que vivi, vi e não queria ser outra pessoa; 
gosto de ser EU e espero que se mantenha por muito tempo, é bom 
sinal.


Não costumo fazer isto: o pôr-me à janela, vou passar a fazer mais
 vezes.


Judith Butler e Stella Young

Há um orgulho em ser deficiente (vejam no link porquê)...


05 maio 2021

ORADOR na comemoração do Dia Europeu da Vida Independente pelo CAVI de Almaçã

Olá! Boa tarde! 

Espero que estejam todos bem!

O meu nome é Zé Maria!

Este é o Fernando, o meu Assistente Pessoal 
(link para este mesmo texto)
E esta senhora é a minha mãe, Teresa Passo a explicar o que vamos tentar fazer: a minha mãe vai ler o texto que eu, escrevi para
esta ocasião, para vocês; o Fernando ainda está há poucos meses em Portugal e o português 
escrito ainda é limitado, ele vai ajudar na tradução oral seguinte no debate e nisso ele é muito 
forte.

Quero agradecer, antes demais, este convite para participar nesta sessão ao CAVI de Almasã: 
Obrigado!

É incrível o cuidado e amor que trocamos uns com os outros numa qualquer sociedade 
moderna, por exemplo, as inúmeras pessoas que fazem parte de uma qualquer vida; neste 
texto enunciei um curto número que pessoas e já são imensas.

Foi-me pedido e passo a citar: para partilhar o meu testemunho enquanto destinatário a 
usufruir de Assistência Pessoal pelo CAVI da AlmaSã, tendo a possibilidade de abordar a sua 
experiência pessoal de maior independência, do que mudou com o serviço disponibilizado pelo 
CAVI: oportunidades e constrangimentos. 

Antes de tudo, acho o projeto da Vida Independente, um projeto de grande justiça! 

E funciona para exercer para quem, por percalços da vida, perdeu autonomia, mas acha-se 
capaz de exercer seus direitos e deveres como pleno cidadão.

É um elogio para os tempos modernos que haja uma sociedade em que existem cuidadores/as 
pagos para funcionar como substitutos das limitações, e funcionam como a voz, os braços e as 
pernas para quem não os tem ou funcionam pior. 

Muito se lutou para aqui chegar, não foi sempre um direito adquirido… é recente!

Se se deve elogiar muito desta vida, a invenção deste projeto-piloto se funcionar bem está na 
linha da frente: o monte de pessoas que ganham alguma atividade, saem de onde estavam 
escondidos/as, guardados/as, enclausurados/as.

Querer eliminá-lo é não perceber nada do cuidado que a vida nos pede a todos/as, é excluir, é 
criar cidadãos de primeira e cidadãos de terceira...

- PARABÉNS VIDA INDEPENDENTE! -



Passemos ao meu caso pessoal/particular:

A 18 de novembro de 2006 o Zé Maria teve um TCE (Traumatismo Crânio Encefálico) grave 
devido a um acidente de viação causado por sonolência ao volante.

Perdi mobilidade e ganhei uma fala mais personalizada. 

Foi a entrada num mundo novo de reaprendizagens constantes e novidades: um desafio maior!

Vou falando e andando melhor com subidas e descidas numa progressão algo inconstante mas 
sempre positiva num processo longo, qual maratona vitoriosa!

A assistência pessoal sempre sentira como um projeto muito à frente, muito arrojado, mas 
de que não precisava, não queria: era  genial mas como ir à lua.

O Assistente Pessoal Fernando tem sido fundamental, por exemplo, entre outras coisas, para a 
minha mãe Teresa;o Fernando tem sido fundamental para a nossa autonomia mútua.

Sempre achei que tornar-me mais dependente de outros era algo que não queria, (coisa de 
miúdo, como o vírus tem demonstrado): somos todos interdependentes; não fala e não anda 
mas não morri e estou cada vez mais vivo.

De facto, percebo agora que é dar dois passos atrás para dar um à frente, qualquer pessoa é 
um misto de órgãos, sensações, sentires, muita coisa; não se percebendo bem o que é o todo,
por vezes. 
E sendo eu um ser que precisa muito de pessoas, adapta-se a mim este projeto como uma 
mãe a um filho. 
Quando o primeiro passo foi dado ia receoso e confiante; 
receoso porque tinha medo de perder intimidade; 
confiante porque tinha visto como funcionava bem com um grande amigo meu (uma pessoa 
incrível, o Eduardo Jorge) e funcionava muito bem: dava-lhe vida, nem sabia o quanto isto 
iria ser importante para mim.

Como todas as novidades só sabes se é bom depois de experimentares e a uma reunião 
estranha via zoom com o Fernando, seguiu-se uma reunião presencial mais animadora; ficara 
acordado avançar com o projeto: o próximo passo seríamos só nós dois. 
Ele sorria muito, sorria bonito, fazia acreditar no momento!
O Fernando é brasileiro; fala mais vocálica, aberta, o que é bom para mim; digamos que vem 
doutro mundo, do outro lado do Oceano; era desconhecido; moreno, paulista, entroncado, 
mais novo que eu e bem disposto, sorriso fácil: começou bem, não roubava espaço, 
extremamente humilde, bastante recetivo e tão prestável que me deixava pouco à vontade, 
dizia ele: você vai ter que ter paciência para eu não o entender, 
pensava eu: já vou estando habituado. 

A Fala como é hábito tem-se desenvolvido bem pelo contacto no dia a dia e tem ganho 
expressões brazucas bacanas como tudo jóia, moleque e legal.

Os antecessores apoios a tempo inteiro tinham alto nível e exigência: 

- um pai também Fernando sorridente que só a morte nos separou;
- um tio ZÉ cúmplice, outro pai, que mora no alentejo (Vale de Milhaços) e vem cá a casa, 
todos os sábados, desde há 15 anos, marido de uma tia materna ;

O nível era alto e exigente e o moleque não se tem dado mal...

Várias indicações o Zé Maria tinha tido:

- de ser preciso manter alguma distância;

- não confundido afetos com o lado profissional;

- manter alguma formalidade;

- não devia criar amizades; quem me conhece sabe como é infrutífero este pedido;
Minha fonte de confiança neste projeto dizia-me: quero alertar-te para a necessidade de seres 
patrão à tua maneira em certas circunstancias.

O AP Fernando tem sido um rever, de novo a vida de privilégios por outros olhos (passeios, 
família e amigos), um constante falar de acabar o dia cansado, um rir até não conseguir falar, 
tem sido autonomia. 

O  Fernando melhorou a minha vida, é (exageradamente) calmo, da paz e dá gosto 
apresentar-lhe amigos de quem gosta e é gostado. 

Tenho ganho mobilidade na cadeira de rodas e treinado a fala acabando o dia cansado; a fala 
tem melhorado muito pelo constante uso; temos ganho um dialeto próprio.

Ganhei um personal trainer a ir ver o mar ao fim da tarde, a andar e querer fazer de mim um 
Cristiano Ronaldo.

Vamos, matinalmente, para começar bem o dia à praia, dar a volta e ver o mar; 

A principio, tinha que estar atento ao caminho, ativo ao trânsito para indicar e mostrar; agora, 
ele conduz muito bem e aprende super rápido, já voltei ao espírito desatento.

Era tudo perfeito se ele tivesse mais horas pagas semanais, todos sabemos, como a vida fora 
do seu país, longe dos seus, é mais difícil; qualquer dia, farta-se e vai-se embora para onde lhe
 paguem mais.

Não é estar mal agradecido este final, pelo contrário: é achar que temos que ser exigentes 
com as coisas que fazemos bem, melhorar: não basta ser um projeto da União Europeia para 
ser bom!

Parabéns vida independente, que vivas por muitos anos, sempre a melhorar!

E um obrigado final a quem mantém este projeto a pé no CAVI AlmaSã pela 
dedicação  que nos melhora a vida: bem hajam!

E um OBRIGADO ao FERNANDO!