30 julho 2018

pensamentos soltos



As (vidas das) pessoas são (como) uma estrada cheia de curvas, obstáculos, desvios e buracos que não vai dar a lugar nenhum. Talvez não seja novidade para vós. A mim deixa-me perplexo

O meu tio de Isabel Figueiredo

23 julho 2018

a já 'velha' discussão sobre o futuro museu das descobertas...

Descobrimentos e história nacionalista 

1. A expressão “descobrimentos” comporta um evidente enviesamento (1) euro-cêntrico. Porque, sendo descobridores, os portugueses (os europeus) foram também descobertos. O seu olhar sobre os outros não deve obliterar (2)  a forma como os outros nos olharam ou como eles se olhavam a si mesmos. A compreensão histórica do momento que comemoramos não deve ser amputada de qualquer das perspectivas deste confronto inter-cultural, até porque a acção dos portugueses - os seus projectos, as suas estratégias, as suas avaliações, os seus resultados - teve também em conta tanto as imagens por eles suscitadas nos outros como as imagens que os outros tinham de si mesmos. As comemorações [dos descobrimentos] devem ser portanto a ocasião de restaurar esse complexo jogo de imagens e de reverberações (3) provocado pela interação de várias culturas, por vezes radicalmente diferentes.

2. Fomos nós [Portugueses], há cerca de 500 anos, que mais contribuímos para modelar aqui [em Portugal e na Europa] a imagem do Oriente. Comerciantes, missionários, viajantes, capitães, homens de letras e homens de ciência, oriundos de Portugal ou levados pelos portugueses, descreveram o Oriente. Como sempre acontece, essa descrição foi unilateral. Foi-o pelo enviesamento próprio de quem vem e vê de fora. Mas foi-o também pelo carácter auto-apologético, “imperial” e “de cruzada” que caracterizou, fundamentalmente, a expansão portuguesa. Não falamos muitas vezes disso. Ou falamos menos disso do que de um alegado natural ecumenismo lusitano. O silêncio até se compreende, em termos dos chamados “respeitos humanos”. Também não temos, nós os portugueses de hoje, que pedir desculpas a ninguém pelo que se foi passando, desde há quinhentos anos, nas relações entre nós e os outros. Mas temos hoje o dever – que se cumpre com actos e não com piedosas (4) , anacrónicas e inúteis desculpas – de tentar revelar o Oriente inabsorvível, incompreensível, indomável, radical e escandalosamente outro que os nossos cronistas não descreveram, que os nossos santos não catequizaram, que os nossos heróis não conquistaram, que os nossos Reis não governaram, que os nossos mercadores nunca compraram, que os nossos sábios não entenderam, que os nosso salões não albergaram e que, finalmente, os nossos antropólogos exotizaram (5). Mas no qual alguns portugueses por amores vários se perderam, pelo qual alguns outros traíram ou apostasiaram (6)  e que talvez apenas alguns poucos dos nossos poetas tenham cantado ou, indivisíveis as palavras, tenham calado. 

António M. Hespanha, textos programáticos da Comissão dos Descobrimentos [1995] 



1 Deformação de perspetiva. 

2 Apagar, fazer esquecer. 

3 Reflexos, 

4 Aqui com o sentido de hipócritas, farisaicas. 

5 Tornaram exóticos. 

6 De «apostasia», isto é, ato consciente de abandono de uma religião.



Tradição oral sobre a chegada dos Portugueses à costa angolana, proveniente da tribo Pende:

← “Um dia os homens brancos chegaram em navios com asas, que brilhavam como facas ao sol. Travaram duras batalhas com o N’gola e bombardearam-no. Conquistaram as suas salinas e o N’gola fugiu para o interior, para o rio Lucala. Alguns dos seus súbditos mais corajosos ficaram junto do mar e, quando os homens brancos vieram, trocaram ovos e galinhas por tecidos e contas. Os homens brancos vieram outra vez ainda. Trouxeram-nos milho e mandioca, facas e enxadas, amendoim e tabaco. Desde então até aos nossos dias, os Brancos não nos trouxeram nada senão guerras e misérias” 

[cit. por Boxer, O Império Colonial Português, ed. port. 1977, p. 125) 


19 julho 2018

é de Amigo!!!


José Manuel Pureza no Expresso diário de 17.07.2018;

«Há essa coisa meio misteriosa de, dos nossos mortos, recordarmos o sorriso. O João morreu-me. E o que eu mais recordo dele é o sorriso. Aquele sorriso de olhos semicerrados que exibia um gosto imenso pela vida. “Tive a vida que escolhi – disse ele - a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa no que foi importante. Sim, fui muito feliz (…)”. É isso: lembro o sorriso do João porque esse era o sorriso de um homem feliz.

Conheci o João Semedo pela mão do Miguel Portas (tinha que ser…). E rapidamente ele se tornou num camarada, depois num amigo, e depois no meu irmão mais velho. Fiz todos os diálogos com o João, pedi-lhe todos os conselhos, todas as opiniões. O João esteve sempre lá, nunca me faltou.

O meu vazio com a morte do João é, pois, pessoal antes de ser político. Um irmão não se substitui. Mas é também um imenso vazio político. Falta-me o camarada com quem fiz tantos e tão cúmplices anos de caminho. O João ensinou-me que um partido não se faz de frações que se fecham em ser frações. E que as mudanças que contam não se fazem de partidos que se fecham em ser partidos. O João tinha essa qualidade sábia de ser um homem de partido como conheci poucos e de, sem nunca perder essa lealdade sem sombra, ser um artífice de maiorias para mudar o que tinha que ser mudado. Foi como homem de partido, totalmente livre e totalmente comprometido, que o João construiu plataformas, conversas, redes, movimentos, maiorias. E foi isso que fez do João um nome certo de tantas mudanças essenciais.

Os homens e as mulheres das diversas esquerdas confiavam no João. Sabiam que ele não amolecia na defesa da firmeza de princípios e que ele não se escusava a nenhum esforço para juntar gente, vontades e saberes para dar força às causas da democracia avançada em Portugal. Foi por isso que foi com ele que António Arnaut quis trabalhar uma proposta para salvar o Serviço Nacional de Saúde.

Foi por isso que Laura Ferreira dos Santos e João Ribeiro Santos contaram com ele para a consagração em lei do direito a morrer com dignidade.

Mas havia uma outra razão para o João ser um tipo de toda a confiança. É que o João conhecia a realidade, estudava-a meticulosamente. Por isso as suas propostas de mudança nunca eram panfletárias e tinham sempre uma autoridade irrecusável. O João foi sempre um ativista da mudança das estruturas e das vidas. Sempre pelos de baixo. Juntando conhecimento, elegância e ambição de radicalidade da transformação.

Quando se fizer a História das conquistas de uma democracia avançada em Portugal, o nome do João Semedo estará lá, como referência maior. Sei disso. Mas a mim fica o vazio de ter perdido o meu maior amigo.»

14 julho 2018

dia de piquenique


palavras que soltas ao vento dançaram... 

juntos somos mais fortes!


Aviso importante: o seguinte texto que 

vos 

será lido não tem ideia, nem projeto; tem 


forma de uma interrogação e a liberdade 

de 

cada um fizer dele o que quiser, vai-se 

escrevendo/construindo em cada um de 

nós, 

enquanto o ouvirmos, e nele pensarmos.


Era uma vez um piquenique em que tudo era muito simples e exigente.

Nem se fariam piqueniques se assim não fosse, reuniam-se todos os anos entre

gente amiga a partilhar coisas boas:

alimentos,

bebidas,

cores,

imagens,

sons,

personalidades,

feitios,

olhares,

conversas,

desabafos,

descansares,

serenidades

sossegos, e outras tantas coisas mais.

Basicamente, se fosse mau aquele momento as pessoas não 

voltariam e era do interesse de todos que quisessem voltar para 

aumentar o número de partilhas.


Era uma vez uma vida, não se pode saber o que será dela no 

futuro: não se pode prever se vamos acordar bem ou mal dispostos, 

descansados ou após uma noite péssima.

E acordar é só o começo, e daqui tens a tua vida nas mãos para 

resolver, a estrada é nossa e dos companheiros que consegues 

seduzir e é connosco traçá-la bonita.

É tudo muito simples e exigente!


Se te vais cruzar na vida com pessoas de personalidade gorda, 

magra, velha, nova, alta, baixa, tantas coisas podes ser mas o teu 

caminho é feito de gente boa ou má, melhor ou pior, que mudam 

muito ou pouco, que serão estáveis ou nem por isso; podes ser, 

mais ou menos, sociável, gostar mais ou menos de pessoas.

Repito: É tudo muito simples e exigente!


Às vezes, acontece na vida algo que nos faz avançar, outras não e 

ficamos à espera desse momento e ele não vem mas tu tens 

esperança e esperas cauteloso, não vais à luta, tens medo de ser 

fintado e ultrapassado pela velocidade dos adversários.

Ou todo tu és confiança e resolves que se queres vencer tens que 

procurar e metes o pé duro e ganhas o teu lugar com a tua equipa e 

tudo flui lindo, lideras o desafio.

Pode sempre o jogo ser ganho por quem tem menos ansiedade mas 

pode ser perdido por ficares à espera dele vir ter contigo.

Digo de novo: É tudo muito simples e exigente!


A vida é bem mais que um jogo de futebol… ou são jogadas bem 

mais geniais inventadas por outras culturas.


Várias coisas a favor deste texto e para lá do que vai ser:

1) O tom pausado, sereno de quem me lê, desfruta de mim e como 

passa paz, soletra cada palavra, explora cada som, bebe, lê, solta e 

respira-me para todos nós;


2) A boa energia partilhada, das pessoas que aqui estão a 

receber/ouvir este texto, que tem sido apanágio destes piqueniques;


3) A diferença entre nós: de vidas, experiências, olhares, sabores,

 sons, cheiros e sentimentos que promove vários textos:


4) O espaço natural e humano, que bela dupla;


Quem somos? Como somos? Porque somos?

A verdade é que não é preciso tanta filosofia para sermos, é 

bastante mais fácil cá andar e só Ser já dá trabalho

É tudo muito simples e exigente!


Acordarmos, esticar-nos a espreguiçar, respirarmos, inspirarmos, 

expirarmos, caminharmos, passearmos, falarmos, conversarmos, 

ouvirmos, vermos, pensarmos, sentirmos, comermos e 

adormecermos até o dia seguinte.

Há quem faça desenhos, quem escreva, há quem faça música, há quem crie,

há quem cuide do outro, há sociólogos, há especialistas em 

leituras de horóscopo, há psicanalistas, há filósofos, historiadores, 

cientistas, há quem seja actor, jogue futebol, seja boss, fazemos 

vários papéis numa vida, há quem faça economia, seja senhor das 

leis, tenha uma pequena loja onde vende jornais, uma papelaria, há 

quem trabalhe num ginásio, há quem seja mãe do mundo, comente, 

estude, ensine, aprenda, seja bibliotecário, seja mãe, mana, prima, 

tia, sobrinha, neto, filho, avó, pai, avô, há quem seja amigo, quem 

tenha emigrado, seja cidadão do mundo, viva dentro de água, na 

sala, no quarto, na cozinha, faça mapling ao domingo, há 

terapeutas da fala, da audição, gente teórica e prática, 

trabalhadoras/es da 

Segurança Social, dos elevadores, professores, alunos, enfermeiros 

e médicos.

Há quem não faça nada e só brinque.

A interdependência é, apesar de tudo, norma e que seria de nós 

sem o outro!?

Falta-nos um projeto: vamos arranjar um projeto!

Sem projecto não vamos a lado nenhum e ficamos aqui!

Aqui onde?

No piquenique, neste jardim, a brincar a Ser, a olhar, a existir e a 

partilhar, a brincar descontraídos, distraídos, leves.

Boa, não foi difícil arranjar um belo projeto: brincar a ser!

Pequeno aparte: mania destes tempos modernos, temos de estar 

sempre a fazer qualquer coisa ou a projectar algo novo para fazer, 

não podemos estar sem fazer nada!?

Não é esse o habitual!?

Todo o hábito é enfadonho, todas as rotinas aborrecidas, repetir e 

repetir sempre igual; mau, sempre a pôr/arranjar defeitos.

Dormir sempre à noite e fazer sestas, tantos sonhos, há quem 

sonhe acordado, deve ser maravilhoso;

Comer sempre às mesmas horas: pequeno almoço, almoço, lanche, 

jantar e ceia, receitas e mais receitas passadas de geração em 

geração, tanta coisa diferente, carne, peixe, vegetais, doces, 

cozinha salgada, crua, picante, cozida, frita, grelhada, assada, tanto 

sabor, culinária e tradições, imaginação, que apetite;

Fazer a higiene diária cima abaixo: tomar banho, lavar-mo-nos com 

esponja, sabões, shampoos, géis de tratamento e beleza, perfumes 

e saúde, saunas; maquilhar, desmaquilhar, depilar, fazer a barba, 

tranças, vestir, despir consoante épocas: inverno, verão; cortar o 

cabelo;

Lazer: o descanso é uma forma de ganhar energia, mudar imagens, 

para novo trabalho; como pôr gasolina antes ou a meio das 

viagens. 

Conversar, partilhar sabores, assistir a filmes e espetáculos, estar 

com amigos, de pelo também, ler, escrever, pensar, viajar, passear, 

dar beijos e abraços, ir a museus imaginar, festejar cá andar.

Tudo hábitos… E piqueniques, claro!



Retiro o que disse sobre todo o habito ser enfadonho, a vida sem 

hábitos e rotinas é assustadora, isso sim; sem estrutura, nem sei se 

existe…

Palavras que soltam sentimentos bons (inspira hummm...):

Mãe, ternura, jardim, festinhas, colo, sopro, surpresa, tranquilidade,

ouvido, escutar, lembrar, ajudar, comer com apetite, beber com

sede, aprender, ensinar, partilhar coisas de que gostamos, dar

alma, calma, vento, céu, ver estrelas, ouvir cantar para adormecer

companheiro, força, quente no inverno, frio no verão, carinho, brisa,

poesia, sabores, dança, descansar, movimentar, erguer, cores,

afeto, abraço, amizade, gesto, virtude, empenho, palavras, livros

segredos, esconderijos, voz, passo, andar, falar, jogos, desafios,

conversas sérias olhos nos olhos, ler, escrita, fotografias, memórias

agricultura, tudo o que é preciso para existir, amor, tempo, leveza

serenidade, silêncio, não dizer nada porque não é preciso, sorrisos

olhar, Ideias, aconchego, empurra para a frente, energia, projetos,

pessoa, chilrear, areia, rio, mar, água, outros, gostos, boa música,

ouvir, lembrar, imaginar, bela imagem, belo espaço, arrepios, vida,

felicidade, alegria, lágrima, tristeza, guarda, inspirar, vela, escuro,

raposa, cúmplice, esperanças, certezas, dúvidas, perguntas, pai


E projectamos fazer piqueniques até aos cem anos!?

04 julho 2018

Tudo bem?

Quando perguntas tudo bem? não queres, de facto, se está TUDO bem.

Perguntas por boa educação sem interesse pela resposta, não queremos saber:

-  Se toda a tua família dormiu bem (netos, filhos, tios, avós, tu);

- Se tens o cão doente e contas enormes no veterinário;

- Se não te imaginas viver num lar de idosos a morrer a jogar à sueca e ao Keipz;

- Se queres aprender mais jogos ou organizares uma caixa onde levas passatempos;

- Se pensas em ter filhos por causa disso;

- Se o teu corpo já esteve melhor quando eras adolescente do que agora que és idoso;

- Se tens dormido mal porque...

- Se tens comido mal porque...

Queres um simples SIM, hipoteticamente mentiroso mas também bem educado!

como seria teres um gémeo?, perguntou-me

A intenção é mostrares o que dizes sobre ti, mas sobre o Outro também,

Fantástico, ter uma pessoa da minha idade com quem partilhar vida., 

Acho que teríamos mundos bastante autónomos, não consigo conceber esta ficção,

Lidar com tamanha imaginação!

Ia existir sempre a dúvida: sigo o caminho dele ou não?

Ou tínhamos interesses distintos ou projectos conjuntos.

Vidas comuns ou paralelas.

Era um constante desafio a germinar caminhos.

Ou seríamos ambos lideres do mesmo grupo ou de dois grupos opostos.

Ou muito amigos ou rivais!

Seríamos bastante apegados um ao outro e aos pais, ciumentos...

Não sei se a ideia era olhar-me sempre, continuamente, ao espelho, despoletar o Narciso que há em mim mas não resultou porque seríamos necessariamente diferentes; nalgumas situações antagónicos, noutras complementares.

Gosto imenso de pessoas e de mim, logo, tinha tudo para ser um amor único!

Nunca pensei nisso mas acho que seríamos óptimos Amigos!