Há um ano, resolvi realizar um documentário e, por consequência, arrumar a minha barraca em Lisboa (sábia decisão), fiz alguns amigos, conversei com o SR. João da pastelaria do Poço dos Pretos, com a Dona Lurdes da frutaria da Gomes Freire, com o Nuno taxista de São Jorge de Arroios, com primos, tios, etc. e ficou-me a sensação que o grande problema de Portugal é justamente na escolha do que se deve falar para si e para os outros.
Venho de um país sul americano de terceiro mundo, que viveu crise atrás de crise: cruzeiro, cruzeiro, novo, cruzado e por aí vai. Mesmo hoje sendo a sexta economia do mundo, posso lhe garantir que tem gente em Ipanema que ainda hoje passa fome, sem falar em amigos músicos que tocam com a fina flor da MPB, e que por muitas vezes mal conseguem pagar a conta da luz.
No entanto, o brasileiro tem orgulho no seu país e a auto estima anda sempre em alta, com frases que dizem: 'o meu time é o melhor do mundo (mesmo que ele seja o Bangu)', 'deus é brasileiro', 'baiano não nasce, estreia!', 'moro num país tropical abençoado por deus e bonito por natureza'...
Mas, afinal, e o SUS (Sistema Único de Saúde) que mata milhares de brasileiros em milhares em 'hospitais' espalhados pelo Brasil? E quem passa fome do vale de Jetinhonha ao Leblon? e o desvio da verba pública? (na cultura então nem se fala). No entanto, o brasileiro vai à praia do mar (de mar ou de beira de rio), bate no peito e grita (muitas vezes sem um dente na boca) e diz: 'EU sou brasileiro!'
"E Portugal!?
Portugal é aquele país que descobriu o mundo pelo mar em caravelas que mais pareciam casquinhas de ovo?
O português é aquele 'cabra macho' que se jogava ao mar (da Nazaré a Sagres) para trazer a Amazónia numa mala para a Europa?
E hoje tem medo de ganhar ao Atlético Bilbao no futebol?
Mas o que aconteceu com aquele português que era o 'cara'?
Qual seria a solução para a crise!? Dar um chute no traseiro da troika? Derrubar Passos de Coelho e Cavaco? Demonizar Sócrates? Colocar uma árvore
de natal maior do que a da lagoa no Marquês de Pombal? …
Sinceramente,
Portugal tem que falar do que é bom: não apenas do pastel de Belém e do
vinho do Porto, ou do azeite, tem que se orgulhar de ser um país lindo,
de estar no centro do globo, cheio de cultura, que tem escritores de mão
cheia como: Fernando Pessoa, José Régio, Valter Hugo Mãe, José Luís
Peixoto, Florbela, que tem uma música maravilhosa (de Zeca Afonso
passando por Sérgio Godinho, Jorge Palma?, Ary dos Santos, Alain Oulman,
Zambujo, Gisela João (Maria Aurora?), Mário Laginha? e Maria João,.
Que
tem um sistema de saúde melhor do que o dos Estados Unidos da América e
de todos os países da América do Sul, do clima maravilhoso, ter orgulho
em ser um dos últimos paraísos não globalizados do planeta, o segredo
mais bem guardado da terra, de sua beleza natural, dos socalcos do
Douro, as olarias do Alentejo, da jóia de Sintra aos castelos de
Monsaraz, Ourém, Óbidos... é o país do Cristiano Ronaldo, do Eusébio, da
Amália, mas também do Pedro, da Marta, da Sofia, da Ana, desse povo que
ainda vai à tasca e come por 5 euros, que tem empregado e empregador
como melhores amigos.
Portugal tem que falar do que é bom!
A solução é
essa!
A partir daí, tudo melhora, olhar para o mundo e depois perceber
que Portugal é o melhor lugar do mundo e a partir daí buscar soluções,
alternativas para levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima! :)
V I V A P O R T U G A L !!! Pierre Aderne, músico, cantor e compositor brasileiro
Melhor do que Falecer
Todos os dias, depois do Jornal das 8
Compacto ao sábado
TVI
Quando Melhor do que Falecer se estreou na
TVI, faz hoje duas semanas, todos os olhos estavam assestados no novo
apontamento humorístico de Ricardo Araújo Pereira. O problema das
expectativas é lixado, e não surpreende, por isso, que as primeiras
reacções, ao longo dessa semana, tenham sido de decepção: por ser um
simples apontamento de cinco minutos, pelo humorista estar a reciclar sketches que haviam sido apresentados na sua rubrica radiofónica Mixórdia de Temáticas,
pela sensação, enfim, de ser uma espécie de “requentado”. Que,
conjugado com a longa ausência do Gato Fedorento (excepto em campanhas
publicitárias) e com a “confusão” gerada pelo recente (e mal recebido)
“coiso” A Solução, não abonava grandemente em favor da emissão.
Entretanto,
meteu-se a Páscoa, o campeonato do Benfica, os 40 anos do 25 de Abril, e
– como é de rigor nestes tempos de “chapa ganha, chapa gasta” – Melhor do que Falecer passou
para segundo plano. Enquanto estava tudo distraído, o programa foi
acertando rumos e revelou a sua verdadeira postura: sempre dentro do
olhar mais ou menos ácido sobre o Portugal que somos que sempre marcou
os melhores momentos de Ricardo Araújo Pereira, mas levando essa acidez e
esse nonsense para um subtexto de sátira contundente, muito mais “violenta” do que no Gato Fedorento Esmiuça os Sufrágios, onde a gargalhada ou mesmo o sorriso se interrompe a meio. Exemplares, a esse nível, foram os sketches do Conselho de Ministros em directo com a troika,
do telefonema de Nossa Senhora de Fátima a Christine Lagarde, e,
sobretudo, essa absoluta obra-prima que é o discurso resignado de Maria
do Céu Guerra enquanto descasca cenouras (com aquele primor de síntese
que é “a democracia faz-me dores de cabeça”).
Aí, Melhor do que Falecer
revela que, mais do que a fazer um simples momento de humor, Ricardo
Araújo Pereira está a escalpelizar o “ar dos tempos” em que vivemos, e a
fazê-lo como bem lhe dá na real gana (e ainda bem). O sublime genérico
animado com a voz infinda de Camané já sugeria que este programa não ia
ser bem igual aos outros – foram precisas dez emissões para perceber a
fundo que há aqui um tom angustiado, ansioso, escarninho, a vir ao de
cima, de uma panela de pressão que explode por um humor com ressalvas. E
talvez seja importante explicar que, aqui, não vão ser as audiências
(que, ainda assim, têm sido significativas) a “perder” ou “ganhar” Melhor do que Falecer
– a emissão televisiva é apenas um dos lados de uma estratégia que tem
apostado no potencial “viral” pelas redes sociais, com cada episódio a
ser disponibilizado online (http://www.tvi.iol.pt/melhor-do-que-falecer/)
para dele se fazer o que bem se quiser. Afinal, não é por acaso que os
episódios têm a duração ideal para se descobrirem (e repetirem) na
Internet. E foi por esse “de boca em boca” viral que os Gato Fedorento
se tornaram no fenómeno que conhecemos.
No meio disto tudo, há
duas coisas que não devem ser esquecidas. Primeira: uma exposição diária
como esta para um programa de humor é muito difícil de aguentar a curto
prazo sem “queimar” – mesmo que estes cinco minutos diários sejam o
equivalente a uma emissão semanal, e mesmo que o humorista esteja a
fazer apelo a outros actores (com um extraordinário Miguel Guilherme à
cabeça), aqui Ricardo Araújo Pereira está sozinho na corda bamba, sem a
“rede de segurança” dos Gato Fedorento. Segunda, intimamente ligada à
anterior: Melhor do que Falecer apenas vem reforçar uma
percepção pública de que os Gato Fedorento são “o Ricardo Araújo Pereira
e os outros três de cujos nomes nunca nos lembramos”. Não é verdade,
mas depois deste programa mais difícil ainda será contrariar essa
percepção, o que irá complicar ainda mais qualquer futuro “coiso” do
grupo.
Para já, o saldo de Melhor do que Falecer é o de
um programa em crescimento, em movimento, em constante “ajuste”. E com
resultados suficientemente positivos para justificar a atenção regular.
Mi opinión sobre los ovnis es de
sentido común: creo que son naves procedentes de otros planetas, pero
cuyo destino no es la Tierra.
- ¿Cree en la posibilidad de la existencia de vida en otros planetas? -
Es conmovedora la soberbia de quienes
afirman que nuestro planeta es el único habitado. Creo más bien que
somos algo así como una aldea perdida en la provincia menos interesante
del Universo, y que los discos luminosos que vemos pasar en la noche de los siglos nos miran a nosotros como nosotros miramos a las gallinas.
- ¿De dónde creen que proceden o quién los dirige? -
Los ovnis deben esta tripulados por
seres cuyo ciclo biológico es desmesuradamente más amplio y fructífero
que el nuestro. No se ocupan de nosotros porque acabaron de estudiarnos
hace miles de años, cuando se hicieron las ultimas exploraciones del
Universo, y no sólo saben de nosotros mucho más que nosotros mismos,
sino que conocen inclusive nuestro destino. En realidad, la Tierra debe
ser para ellos una isla de emergencia en los azares de la navegación
espacial.
- ¿Cree que se informa debidamente al público sobre el tema? -
No creo que haya una conspiración de
las grandes potencias para ocultarnos la verdad de los ovnis. Eso seria
atribuirles a los dueños del mundo más inteligencia de la que tienen.
- ¿A qué atribuye esta persistencia de
algunos científicos en negar, no ya la posibilidad de que existan naves
extraterrestres, sino también el fenómeno en sí? -
Lo que pasa es que la humanidad no supo merecer la sabiduría de los
alquimistas, que consideraban el laboratorio como una simple cocina de
la clarividencia, y ahora estamos a merced de una ciencia reaccionaria
cuyo dogmatismo ramplón no admite las evidencias mientras no las tenga
dentro de un frasco. Son científicos regresivos que niegan la existencia
de los marcianos porque no los pueden ver, sin preguntarse siquiera si
los marcianos no serán los microbios que nos hacen la guerra dentro del
cuerpo. Mientras la ciencia sea experimental – y no clarividente, como
lo fue la alquimia y como sólo puede serlo la poesía en nuestros tiempos
– la humanidad seguirá formando parte del reino de los percebes.
Seguiremos viendo con la boca abierta esos discos luminosos que ya eran
familiares en las noches de la Biblia, y seguiremos negando su
existencia aunque sus tripulantes se sienten a almorzar con nosotros,
como ocurrió tantas veces en el pasado, porque somos los habitantes del
planeta más provinciano, reaccionario y atrasado del Universo.
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria
Cidade do homem
Nao do lobo mas irmao
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
E teu a ti o deves
lança o teu
desafio
Homem que olhas nos olhos
que nao negas
o sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa
Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?
O poder só interessa para fazer o mal. Para tudo o resto basta o Amor (Charlie Chaplin)
N é verdade q as pessoas param de cumprir os sonhos pq estão a ficar
velhas. Elas estão a ficar velhas pq deixam de perseguir os sonhos!
(Gabriel Garcia Marquez)
O Amor faz-nos sonhar e realizar... sempre!
O Sonho faz-nos amar...
A ideia desta páscoa de 2014 seja que tudo tem inicío com a beleza de ter o conhecimento aprendido com os mais antigos: preservando a boa terra onde vamos plantar novas flores bonitas com luz e calor.
'Pircibo lo secreto, lo oculto: Oh vosotros señores! Asi somos, somos mortales, de cuatro em cuatro nosotros los hombres,
TODOS habremos de irnos, TODOS habrernos de morir en la Tierra... Como una pintura nos iremos borrando. Como una flor, nos iremos secando aqui sobre la Tierra. Como vestidura de plumaje de ave zacuán, de la preciosa ave de cielo de hule, nos iremos acabando... Meditadlo señores, águias e tigres, aunque fuerais de jade, aunque fuerais de oro también allá ireis, ai lugar de nos descarnados Tendremos que desaparecer, nadie habrá de quedar.'
A vida é demasiado importante para poder ser levada a sério! (Oscar wilde)
meti no google a palavra 'brincadeiras' e é infindável o que apareceu.
não gosto de encher o blog de imagens, muitas imagens levam a pensar menos mas muitas mais queria pôr, bah!
há uma expressão que surge, por vezes (demasiadas vezes), e que é dito com tom de injúria: 'tu vês a vida como uma brincadeira, não pode ser...'!
no meu minuscúlo mundo a vida é uma brincadeira sim mas que levo a sério e pode ser, óbvio que pode ser.
uma grande Amiga minha tem uma expressão de que gosto e que a define: 'a vida é muito ótima, é o melhor que nós temos', vamos brincar a viver com tudo o que ela, a vida, tem!
Alexandra Lucas Coelho recebeu nesta segunda-feira o prémio APE pelo romance E a Noite Roda. Este é o texto do discurso que fez, no qual critica o actual poder político:
Quero agradecer em primeiro lugar à equipa da Tinta
da China, minha casa, Bárbara Bulhosa, Inês Hugon, Vera Tavares,
Madalena Alfaia, Rute Dias, Pedro Serpa.
Agradeço em seguida ao
júri que atribuiu este prémio: Manuel Gusmão, Luís Mourão, Clara Rocha,
Ana Marques Gastão e Isabel Cristina Rodrigues, a quem coube hoje ser
porta-voz, com uma apresentação cuidada e surpreendente de E a Noite Roda.
Não conheço pessoalmente a maioria dos jurados. Ter-me- -ei cruzado um
par de vezes com Ana Marques Gastão e entrevistei há uns 13 anos Manuel
Gusmão. Sendo uma honra a decisão deste júri, a presença nele de um
poeta que tanto admiro, e trago comigo, é uma alegria. Isto,
para usar a palavra que mais associo a Manuel Gusmão, num daqueles
versos que se tornam língua geral, lugar-comum a todos, contra todas as evidências em contrário.
Não
chega dizer que foi uma surpresa a atribuição do prémio. Começou por
ser uma grande surpresa a nomeação, que aconteceu pouco depois de outra:
para o prémio do PEN. E a Noite Roda não tinha sido dos meus
livros mais bem recebidos pela crítica, nem mais vendidos. Passara um
ano e meio sobre a publicação, já nem se encontrava nas livrarias. Eu
estava ocupada com a saída de um novo livro, Vai Brasil, e a
organizar-me para retomar a escrita de um novo romance, situado no Rio
de Janeiro. Se a nomeação para o PEN já me espantara, a do APE
pareceu-me quase inverosímil. Para mais, o naipe de finalistas era não
menos que excelente: um dos grandes prosadores da língua portuguesa,
Mário de Carvalho; dois autores próximos da minha geração que sigo com
respeito, Patrícia Portela e Afonso Cruz; e um poeta, dramaturgo e
novelista que é dos meus mais queridos amigos, Jaime Rocha. Fico muito
contente por ele estar aqui hoje. Fosse eu a decidir, o prémio seria
dele, e da sua novela A Rapariga sem Carne. Foi isso que senti ao saber da nomeação.
Semanas
depois, estava eu sentada no carro da minha editora, Bárbara Bulhosa,
quando me ligam da APE a anunciar a decisão do júri. Pânico, seguido de
alerta: está a brincar comigo, certo?, perguntei ao cavalheiro do outro
lado da linha, que se apresentara como José Correia Tavares, presidente
do júri sem direito a voto. Ele assegurava que não e dava detalhes, que o
júri se reunira três vezes, que a decisão fora por unanimidade, e por
aí fora até que eu já não estava a ouvir, porque só pensava que aquilo
não podia ser a sério. E nos momentos em que acreditava que era, voltava
o pânico: aquilo não me podia estar a acontecer. Como assim o prémio
APE para este romance: um primeiro romance e este romance?
Antes
que eu começasse a explicar ao interlocutor que estava enganado, a
Bárbara decidiu intervir, dando-me ordens em surdina: que aceitasse, que
agradecesse, muito obrigada. E subimos para um consultório, que era ao
que íamos, acabando com a paz da recepcionista, porta-dentro,
porta-fora, mal começaram os telefonemas.
Recentemente, a Tinta da China fez uma edição de bolso de E a Noite Roda,
de que gosto mais do que a primeira, como objecto. Gosto do tamanho,
dos cantos redondos, da capa mole. É maneira, como dizem os brasileiros.
Mas nem a folheei, custa-me olhar para o texto. Na Tinta da China, a
Inês Hugon e a Madalena Alfaia, que com uma paciência oriental asseguram
as revisões, sabem como por mim ficava a cortar provas até à décima,
porque mal entrego o livro já não o posso ver, tudo me parece mal, as
bengalas, os tiques, o excesso.
Sendo a minha primeira experiência de romance, sinto essa distância de hoje em relação ao texto de E a Noite Roda
mais do que em relação a qualquer outro livro meu, talvez porque nos
outros a linguagem esteja mais estabilizada num território com regras.
O
que me interessa no romance não é o género, mas a ausência de género.
Não é poesia e pode ser poesia, não é reportagem e pode ser reportagem,
não é viagem e pode ser viagem, não é teatro, cinema, música,
arquitectura, agricultura, cosmogonia, correspondência, folhetim, banda
desenhada, arquivo, e pode ser tudo isso. Um romance é a liberdade em
extensão. Um território de experimentação com um fôlego considerável,
que ninguém conseguiu ainda circunscrever além disto: prosa, criativa,
de extensão longa, escrita para ser lida.
Uso a palavra romance,
não uso a palavra ficção. Tenho dito e repetido — porque a um jornalista
que escreva romances pergunta-se isso continuamente — que o que
distingue o jornalismo e a literatura não é um ser real e a outra
ficção, mas sim um ser um campo sujeito a regras estabelecidas e a
outra, idealmente, inventar as suas próprias regras.
Por isso,
interessa-me pouco o debate sobre o que neste romance ainda é jornalismo
ou já é romance, ainda é real ou já é ficção, como se houvesse uma
espécie de grau de pureza, que é sempre o princípio de um pensamento
autoritário. Ninguém ainda se tornou dono do que é, ou não chega a ser,
um romance, e é por isso que continua a ser interessante fazer romances,
e que cada um faça o seu. Na verdade, neste campo, quanto à criação,
não há outro lema em que me reconheça tanto: que cada um faça a sua
coisa. Faça o que tem a fazer, contra tudo, contra todos: crime e
castigo, doença e cura, transmigração da alma ou biografia derradeira.
O
que me levou a fazer este romance? O que o distinguia dos livros
anteriores? A possibilidade de um território sem regras para o qual eu
transportasse vários materiais biográficos: amorosos, políticos,
sociais, profissionais. O texto agora entregue a si mesmo, inventando as
suas regras, é que estabeleceria a transição para o romance. Um
não-género fazendo uso de vários géneros, incluindo a reportagem.
Jerusalém
era uma coisa minha, Gaza era uma coisa minha, a experiência de cobrir o
conflito israelo-palestiniano era uma coisa minha, eu queria
transportá-los para o campo literário porque me interessa transportar
para o campo literário tudo o que a experiência tenha tornado coisa
minha. Dito de outra forma, aquilo que é a identidade em movimento.
Não
é diferente do que fará um médico que escreva romances (ou um
arquitecto, um historiador de arte, um diplomata, um advogado, um
professor, um burocrata), sempre com menos explicações do que as que são
cobradas a um jornalista. Nunca começarei a entender porque se estranha
que alguém cujo trabalho é escrever decida escrever outras coisas. E a Noite Roda
não é sequer o melhor romance que eu podia ter escrito entre 2010 e
2011, os meus últimos meses em Portugal e o meu primeiro ano no Brasil.
Não foi, certamente, o que muita gente achava que eu devia ter feito. É
apenas o que eu precisava de fazer naquele momento para sair do ponto em
que estava. O importante não será fazer o melhor que sabemos, mas o que
precisamos de fazer, mesmo não sabendo, para sair do nosso limite.
Aquilo que nos desloca se estamos fixos, que nos fixa se estamos
deslocados.
Recentemente, numa entrevista, perguntaram-me quem
gostaria eu que escrevesse a minha biografia. É uma daquelas perguntas a
que só podemos responder desabridamente. Respondi que esperava que as
personagens tratassem do assunto e não sobrasse nada. Penso nisso como
uma espécie de teia de Penélope em que o autor se vai construindo nos
livros, ao mesmo tempo que desaparece na vida.
Tudo o que faço é
biografia, idealmente cada vez mais real, independentemente de as
personagens tomarem as minhas circunstâncias, como acontece em E a Noite Roda,
ou não tomarem de todo, como acontece no romance que estou a escrever.
Ninguém pergunta a um poeta se o que está no poema é real ou ficção.
Aquilo é o que é, é dentro da cabeça dele.
O que cada um vive é
seu património inalienável, seu único real património, e é seu direito
fazer disso o que quiser, na intersecção com os outros e o mundo, tendo
como único limite, para mim, não devassar o património de um outro, de
forma reconhecível publicamente.
De resto, o criador não deve
conhecer limites e quanto mais escuro, mais difícil e mais indevassado
melhor. Aquilo que não se pode escrever é o que há a escrever, é o que
falta. Não estamos cá para nos repetirmos nem para nos pouparmos.
Pouparmo-nos para quê? Não acredito na vida além da vida.
Sempre
quis escrever, desde que me lembro. Os livros tinham todas as vidas.
Passei a adolescência a ler romances. Lia os portugueses, os franceses,
os ingleses, os russos, os alemães, mais tarde os americanos, os
japoneses, os levantinos. O mundo não acabava, eu lia e queria sair pelo
mundo. O jornalismo era a possibilidade disso, uma bela possibilidade
quando eu tinha 17 anos e as rádios piratas explodiam, ainda nem havia
TSF, nem PÚBLICO, nem telemóveis, nem computadores pessoais. A minha
geração viveu essa promessa de aventura no trabalho, que hoje parece
arqueológica.
Só fui ler poesia compulsivamente depois dos 20. E a
poesia, como a rádio, mudou, moldou a minha relação com a escrita.
Questão de som, de ritmo, mas também de montagem, de elipse. Não que
escrever poemas fosse a minha coisa, tentei, não era. Ler poemas, sim,
seria parte do que eu tinha para escrever.
Sempre achei que seria
uma questão de tempo começar a fazer livros, e acabei por publicar o
primeiro aos 39 anos. Como seria uma questão de tempo o romance chegar.
Não há abandono de uma coisa por outra, não deixei de ter na cabeça
livros de viagem, reportagem ou crónica, entre os vários romances que
quero fazer. É o jardim dos caminhos que se bifurcam, para citar um
daqueles autores que sempre admirei à distância, porque Borges é de
outra galáxia, de um mundo, digamos, não-carnal. Sou mais do lado Moby
Dick, até ao trespassar da última carne, a do caçador. Moby Dick agora
sem género, ou transgénero. Moby Dick-Orlando, homem e mulher, humano e
animal, deus e demónio. Um Moby Dick antropofágico, depois de ter morado
no Brasil.
Não me interessa a fuga, interessa-me o confronto, o
embate, o arpão no corpo que sempre fugirá. Chamemos-lhe Moby Dick – ou
amor – ou real. A vida verdadeira que é estar aqui a desejar além. A
pulsão da guerra, qualquer espécie de guerra, é a sobrevida: vida
conquistada à morte.
Nenhuma arte é panfleto, se é panfleto, não
era arte. Ao mesmo tempo, toda a arte é política, no sentido em que não
existe sem um outro, que pode ser apenas um. O determinante não é que
sejam muitos, mas que exista uma relação. Que algo actue entre um e
outro.
Este livro é político, como todos os que fiz, como tudo o
que faço, pelo simples facto de me pôr em relação com outros. Estar aqui
hoje é político, falar em público é político. Onde há um colectivo há
política.
O meu feitio seria mais não estar, mas encaro isto como
parte de um trabalho que aceitei fazer desde que comecei a publicar, por
acreditar que podia, devia, contribuir para os livros chegarem a mais
alguém, respeitando eu tanto quem se recusa a fazer isso como quem o
faz, por razões que são de cada um e de mais ninguém.
A minha
opção é política, digamos. Uma forma de participação, de agir além da
militância partidária. A militância não é a minha coisa, ainda bem que é
a coisa de pessoas que admiro, entre as quais conto amigos. A minha
coisa é escrever, falar dos livros, conseguir fazer disso uma acção.
Estou
a voltar de três anos e meio a morar no Brasil. Um dia, a meio dessa
estadia brasileira, pediram-me que gravasse um excerto de um conto de
Clarice Lispector para o site do Instituto Moreira Salles. Era um conto
em que a protagonista era portuguesa, daí o pedido, que a voz
coincidisse com o sotaque. Como detestei aquela portuguesa do conto da
Clarice. Tudo na boca dela era inho e ito. Era o Portugal dos Pequenitos
com a nostalgia das grandezas. Aquele que diz “cá vamos andando com a
cabeça entre as orelhas”, mas sofre de ressentimento. O Portugal que
durante 40 anos Salazar achou que era seu, pobre mas
honesto-limpo-obediente, como agora o Governo no poder quer Portugal,
porque acha que Portugal é seu.
Estou a voltar a Portugal 40 anos
depois do 25 de Abril, do fim da guerra infame, do ridículo império. Já é
mau um governo achar que o país é seu, quanto mais que os países dos
outros são seus. Todos os impérios são ridículos na medida em que a
ilusão de dominar outro é sempre ridícula, antes de se tornar
progressivamente criminosa.
Entre as razões por que quis morar no
Brasil houve isso: querer experimentar a herança do colonialismo
português depois de ter passado tantos anos a cobrir as heranças do
colonialismo dos outros, otomanos, ingleses, franceses, espanhóis ou
russos.
E volto para morar no Alentejo, com a alegria de daqui a
nada serem os 40 anos da mais bela revolução do meu século XX, e de o
Alentejo ter sido uma espécie de terra em transe dessa revolução,
impossível como todas.
Este prémio é tradicionalmente entregue
pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político,
Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao
salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos
obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem
ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este
Presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este
mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o
seu país. No país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as
orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.
Não sou crente,
portanto acho que depende de nós mais do que irmos indo, sempre acima
das nossas possibilidades para o tecto ficar mais alto em vez de mais
baixo. Para claustrofobia já nos basta estarmos vivos, sermos seres para
a morte, que somos, que somos.
Partimos então do zero, sabendo que chegaremos a zero, e pelo meio tudo é ganho, porque só a perda é certa.
O
meu país não é do orgulhosamente só. Não sei o que seja amar a pátria.
Sei que amar Portugal é voltar do mundo e descer ao Alentejo, com o
prazer de poder estar ali porque se quer. Amar Portugal é estar em
Portugal porque se quer. Poder estar em Portugal apesar de o Governo nos
mandar embora. Contrariar quem nos manda embora como se fosse senhor da
casa.
Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui
representado hoje, que este país não é seu, nem do Governo do seu
partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do
ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao
longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o Governo de
Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em
ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este Governo rebentou com tudo o
que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos,
falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas,
que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História
não confina a míseras notas de pé de página”.
Este país é dos
bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de
desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi
chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem
tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes
três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao
filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no
Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu
Governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores
emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não
ir para o mundo porque não temos alternativa.
Este país é de todos
esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem
a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo.
Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de
Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil do que qualquer discurso oco
dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do
português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento.
Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela
deixou, desde a colonização, da escravatura.
Este país é do
Changuito, que em 2008 fundou uma livraria de poesia em Lisboa, e depois
a levou para o Rio de Janeiro sem qualquer ajuda pública, e acartou
7000 livros, uma tonelada, para um 11.º andar, que era o que dava para
pagar de aluguer, e depois os acartou de volta para casa, por tudo ter
ficado demasiado caro. Este país é dele, que nunca se sentaria na mesma
sala que o actual Presidente da República.
E é de quem faz arte
apesar do mercado, de quem luta para que haja cinema, de quem não cruzou
os braços quando o Governo no poder estava a acabar com o cinema em
Portugal. Eu ouvi realizadores e produtores portugueses numa conferência
de imprensa no Festival do Rio de Janeiro contarem aos jornalistas
presentes como 2012 ia ser o ano sem cinema em Portugal. Eu fui vendo, à
distância, autores, escritores, artistas sem dinheiro para pagarem
dívidas à Segurança Social, luz, água, renda de casa. E tanta gente
esquecida. E, ainda assim, de cada vez que eu chegava, Lisboa parecia-me
pujante, as pessoas juntavam-se, inventavam, aos altos e baixos.
Não
devo nada ao Governo português no poder. Mas devo muito aos poetas, aos
agricultores, ao Rui Horta, que levou o mundo para Montemor-o-Novo, à
Bárbara Bulhosa, que fez a editora em que todos nós, seus autores,
queremos estar, em cumplicidade e entrega, num mercado cada vez mais
hostil, com margens canibais.
Os actuais governantes podem achar
que o trabalho deles não é ouvir isto, mas o trabalho deles não é outro
se não ouvir isto. Foi para ouvir isto, o que as pessoas têm a dizer,
que foram eleitos, embora não por mim. Cargo público não é prémio, é
compromisso.
Portugal talvez não viva 100 anos, talvez o planeta
não viva 100 anos, tudo corre para acabar, sabemos. Mas enquanto isso
estamos vivos, não somos sobreviventes.
Este romance também é
sobre Gaza. Quando me falam no terrorismo palestiniano confundindo tudo,
Al-Qaeda e Resistência pela nossa casa, pela terra dos nossos
antepassados, pelo direito a estarmos vivos, eu pergunto o que faria se
tivesse filhos e vivesse em 40km por seis a dez de largura, e antes de
mim os meus antecedentes, e depois mim os meus filhos, sem fim à vista.
Partilhei com os meus amigos em Gaza bombardeamentos, faltas de água, de
luz, de provisões, os pesadelos das meninas à noite. Depois de eu
partir a vida deles continuou. E continua enquanto aqui estamos. Mais um
dia roubado à morte.
O Bem e o Mal são para quem o faz (sabedoria popular)
Querida Azucena – disse-lhe ele – toda a acção que realizamos
repercute-se no Cosmos. Seria uma arrogância tremenda pensar que somos o todo e
que podemos fazer o que nos apetecer. Somos o todo mas somos um todo que vibra
o Sol, com a Lua, com o vento, com a água, com a terra, com tudo o que se vê e
o que não se vê. E tal como o que está fora determina o que somos, assim também
tudo o que pensamos e sentimos se repercute no exterior. Quando uma pessoa acumula
no seu interior ódio, ressentimento, inveja, raiva, a aura que o rodeia
torna-se negra, densa, pesada. Ao perder a possibilidade de captar a Luz
Divina, a sua energia pessoal diminui e, logicamente, a que a rodeia também.
Para aumentar o seu nível energético, e com ele o nível de vida, é necessário
libertar essa energia negativa. Como?
É muito simples. A energia do Universo é uma. Está em
constante movimento e transformação. O movimento de uma energia produz um
deslocamento de outra. Por exemplo, quando uma ideia sai da mente, a sua
passagem abre um caminho no Éter e deixa atrás de si um espaço vazio que será
necessariamente ocupado, segundo a lei da correspondência, por uma energia de
qualidade idêntica à que saiu, pois foi deslocada no mesmo nível. Isto é: se
uma pessoa lançar uma ideia de onda curta, receberá energia de onda curta,
porque foi nesse nível de vibração que se lançou a ideia original. Como nas
estações de rádio, a sintonia mantém-se. Se uma pessoa sintonizar a Charita del
Cuadrante, ouvirá a Charita del Cuadrante. Se uma pessoa quiser ouvir outra
estação terá de mudar de sintonia. Portanto, se uma pessoa enviar ondas de
energia negativa, receberá ondas negativas.
Ora bem, existe outra lei que diz que a energia que permanece
estática perde força e a energia que flui aumenta. O melhor exemplo é dado pela
força do rio e pela água do lago. A do lago está estática e, portanto, tem a
sua capacidade de crescimento restrita. A do rio circula e aumenta na medida em
que se nutre dos ribeiros que encontra no seu caminho. Vai crescendo e
crescendo até chegar ao mar. A água do lago nunca poderá tornar-se em mar. A do
rio sim. O mar nunca caberá num lago. Mas o lago no mar, sim. A água estagnada
apodrece, a que flui purifica-se. O mesmo acontece com uma ideia que sai da
nossa mente. Por isso se diz que, se uma pessoa fizer o bem, este voltará a ele
ampliado sete vezes. A razão é que no caminho ele vai nutrir-se de energia da
mesma afinidade. Por isso deve-se ter cuidado com os pensamentos negativos, pois
correm com a mesma sorte.
Se as pessoas soubessem como funciona esta lei, não estariam
tão interessadas em acumular pertences materiais. Vou-te dar um exemplo muito
grosseiro. Se uma senhora tiver o seu armário cheio de roupa e quiser mudar o
seu vestiário tem que deitar fora a roupa velha, pô-la em circulação para que a
nova venha. De outra forma é impossível, pois todos os cabides estão ocupados e
não há forma de aumentar dentro do armário. Tem um espaço limitado. O mesmo
acontece com o Universo. Não aumenta. A energia que se move dentro dele é a
mesma, mas está em constante movimento. De cada um depende o tipo de energia
que vai entrar dentro do corpo. Se mantivermos o ódio dentro do corpo, como a
roupa velha, não deixará espaço para o amor. Se se quiser que o amor chegue à
vida, será necessário libertarmo-nos do ódio seja como for. O problema é que,
segundo, a Lei da Afinidade, ao deslocar-se o ódio recebe-se ódio. A única
solução é transformar a energia do ódio em amor antes que saia do corpo. A encarregada
destas tarefas era a Pirâmide do Amor.