Esta carta tem Amor por todo o lado.
Do nosso, meu e teu, Pai, do que tens por mim e eu por ti,
Do que tens pela mãe Teresa e ela tem por ti.
Do que tenho por ela, e ela por mim.
Do que temos e vivemos com os outros,
Com cada um de vocês.
Com a palavra Obrigado começo.
E ela estende-se ao longo desta carta, estende-se na minha vida, ela está
subentendida:
um Obrigado que vem de antes do meu nascimento e vai até para lá, pelo
menos, até ao meu corpo falecer.
Carta aberta para ti pai,
Uma folha vazia espera por palavras e ideias ao acordar: na casa enorme, sem
ti, Pai Fernando, preenchida pelo teu carisma, zonas particulares muito tuas,
pela história que deixaste nela… tuas ideias, teus gestos, textos, rotinas e
palavras.
No livro Passos em volta do Herberto Hélder há uma excerto que sinto poder ser
dito por ti:
Eu sou alimentado pelos séculos, vivo afogado na história de outros
homens.
Ora um pai é intemporal, não todo e qualquer pai mas tu pai és intemporal,
criaste os alicerces dos edifícios que sou; escrever para ti é escrever sem tempo
ou com todos os tempos: és passado, és presente e és futuros que lanças.
Fica a tua memória viva em nós!
Privilégio…
É a palavra que me persegue desde a tua morte.
Privilégio é o que sinto por te ter na vida; continuarás a viver em mim, de espírito
e memória leve, alegre e pensada;
Um privilégio bem ganho e não perdido.
Um privilégio que nasceu, cresceu, envelheceu, viveu, criou memórias e abre
futuros.
Ensinaste que devo viver a vida como um privilégio e não como um direito.
Ficas
vivo em mim, foste uma vida vivida até ao fim, porque se há
melhores
formas de morrer, tu foste uma delas com certeza: viveste a
vida toda, viveste-
a bem.
Falavas
muito em morte e, dizias, que a nossa cultura fala menos em morte
do
que devia; devia ser um assunto mais natural, mais comum, talvez se
nos
preparássemos melhor, não nos custasse tanto ser apanhados de
surpresa,
talvez…
Não
estávamos à espera da tua morte, era futuro, não sabíamos como ia
ser,
felizmente.
Com
85 anos (mais os nove meses que lembravas sempre, tão teus) já não
eras novo, tiveste uma vida cheia de mundos onde foste forte em cada
um
deles, a
tua chegada anima e é boa; a partida, o adeus custa, não é bom e
tentamos encontrar as melhores formas de viver teu luto.
Só
sentimos saudades do que é bom e nos faz falta.
Parece que foste para uma viagem longa e vais voltar, voltas muito em memórias,
vejo-te em todo o lado a sorrir; mais que um pai, foste um amigo que gostamos de
ter e ser, sempre lá sorridente, em todo o lado e altura; pedes que continuamos a
estrada olhando de frente e de cima para os desafios que a vida nos trará.
Quero
deixar uma homenagem pelo homem admirável que és alguém
que
partilhou o pão connosco, um companheiro!
Sem dar por isso, vamos sendo tu, fruto do tempo vivido contigo.
Muitas coisas mais deixaste em mim, tive o bom sabor, o prazer de te ter ao meu
lado no final da vida, nestes últimos doze anos desde 18 de Novembro de 2006:
estiveste lá a acompanhar-me em todas as alturas e lugares com teu apoio e
como soubeste fazê-lo bem.
Diz quem sabe que o acidente foi uma forma de te dar vida e trazer de volta para o
mundo, de novo, o ‘há males que vêm por bem!’ de que somos cúmplices.
E a memória: vejo-te em todo o lado a sorrir e a pedires para que continue cada vez
mais erguido e a falar melhor, assim o farei levando o teu testemunho sempre.
Tens qualidade cinéfila: muitos e normalmente, bons filmes, um por semana, melhor
aram nossa vida conjunta: um ciclo do Bergman, Chavela Vargas, a Fábrica do
Nada, Bohemian Rhapsody e Patterson são alguns dos que me lembro; não íamos
ver americanadas, xaropadas: tinhas qualidade na escolha.
Os textos lidos por ti ganhavam admiração, beleza; não perderam nada: mudaram
leitores, vozes, histórias e ganharam exigência.
Tiveste
uma terceira idade activa onde passeámos imenso: eu
à frente com
tripé e tu vigilante atrás
é a nossa imagem de marca que fica.
Deixaste-nos
a responsabilidade de fazermos por viver bem!!!
Apesar
de tudo, Tu já não eras novo (85 anos), Já
sou do século passado,
vivo já há 18 anos num século que não é
o meu, usurpei-o,
dizias e tiveste
muitos mundos em que foste forte, onde criaste uma
personalidade com
quem sabia bem estar ao lado.
E,
todos gostávamos que a nossa imagem final representasse a que tu
ganhaste: alguém
que não foi + ou -, que tornou o mundo melhor e que
não passou
indiferente por esse mundo.
Olhando,
de relance, agora, vejo muitas caras amigas, olhares bonitos que
deixam certezas de que viveste bem e és muito acarinhado: Parabéns
também por isso!
Boas
coisas
era o teu desejo de marca favorito e com Boas
coisas me
despeço, com amor do teu sempre Zé Maria
Com a palavra Obrigado acabo!
Foste
um pai
formidável
Fernando Belo