«Todos os dias alguém diz que “o pior é a carne”, “o pior é a roupa”, “o pior é andar de avião”, “o pior são os transportes”, “o pior é o desperdício”.
No meio do caos sobre o que fazer com as alterações climáticas, as más notícias acumulam-se. Nos últimos dias vi que 1) até o gelo das zonas mais elevadas da Gronelândia está a derreter; 2) ninguém ligou ao alerta do secretário-geral da ONU, António Guterres, de que é preciso reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 45% até 2030; 3) os países do G20 são responsáveis por 80% das emissões poluentes, mas os países em desenvolvimento, responsáveis por 10%, vão suportar 75% dos custos ambientais da emergência climática; 4) em 2000 anos nunca o aquecimento foi tão global; 5) em Junho o desmatamento na Amazónia duplicou em relação a Maio; e 6) se cada americano comesse menos um hambúrguer por semana isso equivaleria a menos dez milhões de carros por ano nas estradas.
Decidi que não vou perder tempo a perceber o que é “o pior”. Muito menos quem tem razão no debate sobre se as alterações climáticas vão ser graduais ou abruptas.
Ao meu nível — cidadã de um dos 31 países desenvolvidos — basta aplicar a fórmula do arquitecto Mies van der Rohe: “Less is more.” Para quê complicar? Menos carne, menos roupa, menos plásticos, menos transportes, menos desperdício.
Não é preciso sacrifício, nem passar a ser vegan, nem aderir ao movimento No Fly. Talvez seja verdade que “o pior é andar de avião”. Por quilómetro, os aviões emitem 285 gramas de dióxido de carbono por passageiro, mais do dobro dos carros. Mas, na prática, deixar de andar de avião seria deixar de viajar. Nunca mais voltaria a Tóquio (218 horas de carro) ou a Nova Iorque (12 dias de barco).
Como não estou sozinha — somos mil e dois milhões e novecentos mil nos 31 países desenvolvidos do mundo —, fico sempre espantada quando me dizem que tanto faz se comemos um bife todos os dias ou compramos uma garrafa de plástico, porque isso é uma gota irrelevante na imensidão dos problemas do planeta. Como tanto faz? Somos 1002,9 milhões de cidadãos ricos.
São as políticas públicas — as regras, as limitações, a legislação — que vão resolver o problema. O professor Viriato Soromenho-Marques explica isso há anos. E têm de ser políticas convergentes. É inútil à segunda-feira tomar uma decisão para mitigar as alterações climáticas e à terça tomar outra decisão que agrava as alterações climáticas. O professor Miguel Bastos Araújo voltou a falar disso esta semana num Lisbon Talk do Clube de Lisboa sobre geoestratégia e alterações climáticas. Mas a lentidão dos decisores políticos não pode ser bode expiatório para a nossa indiferença. Não basta reciclar, é preciso consumir menos.
O Center for a Livable Future, da Universidade Johns Hopkins, concluiu em 2015 que, a manter-se a tendência de consumo de carne no mundo — sempre a subir — entramos no território do “irreversível” em 2050, mesmo que haja até lá uma redução grande das emissões da energia, indústria e transportes. Só a produção pecuária representa 15% das emissões globais causadas pela actividade humana — mais do que todo o sector dos transportes. Destes 15%, 40% são causados pela fermentação entérica, o particular processo de digestão dos animais ruminantes que os faz libertar metano. Quando chegamos a este tipo de números, há sempre alguém que tem argumentos contrários e diz que o metano é “o problema menor”.
Por isso fico-me pelo simples, que parece incontroverso. Esta segunda-feira, o planeta entrou em crédito climático. A 29 de Julho atingimos o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para 2019, ou seja, gastámos todo o “orçamento natural” que tínhamos para o ano inteiro nos primeiros sete meses. Chama-se Dia da Sobrecarga da Terra. No ano passado, foi a 1 de Agosto, em 2017 foi a 3 de Agosto, em 2016 foi a 5 de Agosto. É assim desde 1970, o último ano em que não entrámos em défice climático.
Vale a pena ver os gráficos de barras da Global Footprint Network. Em 1973, chegámos à sobrecarga em Dezembro (duas semanas de défice). Em 1979, passámos para Novembro (dois meses de défice). Em 2004, para Setembro (três meses de défice). Em 2017, para Agosto (cinco meses de défice). E agora já estamos em Julho. Para os adeptos do “tanto faz”, procurem os anos da crise. Não é preciso uma lupa. Vêem-se muito bem. Tínhamos menos dinheiro, consumimos menos, a pegada ecológica foi menor.
Numa versão ainda mais simples, a de Miguel Bastos Araújo: “Em média, cada cidadão americano consome o equivalente a ter 150 escravos climáticos. A energia produzida por 150 pessoas que trabalham de graça equivale ao que cada americano gasta em transportes, a aquecer a casa, a usar a Internet e todas as coisas que fazemos no mundo moderno. Estamos a ficar aristocratas medievais, com muitos escravos climáticos a trabalhar para nós.”»