"Eu quero acompanhar o meu cantar vagabundo de todos aqueles que velam pela alegria no mundo" (caetano veloso)
27 novembro 2023
26 novembro 2023
terrenos baldios...
a novidade que veio do Fundão é...PEDRO NOVO!
21 novembro 2023
não querendo parecer beato: ele está em tudo!
Ele anda para aí um pouco por todo o lado.
Em ti.
Na eletricidade.
Na ciência.
Nos olhares.
Nas diferenças.
Nas igualdades
Nos sons.
Nas energias.
Nos saberes.
Nas pessoas e no que inventaram.
No que está por ser inventado.
Na vida.
Na morte.
Na música.
Nas pinturas.
Nas cores.
No vento.
No fogo.
Na água.
Nas palavras escritas e faladas.
Nos textos.
Nas oratórias.
No céu.
Nas estrelas.
Nos nascimentos.
Nos lixos.
Nas árvores.
Na natureza.
Nas montanhas.
Nos vales.
Nas comunidades.
Nas falhas.
No que podia ser melhor.
Na exigência.
Nas escolas.
Nas crianças.
Nos hospitais.
No amanhã.
Nos segredos.
Nas mentiras.
Na poesia.
No alto.
No fundo.
Na cave.
Nos buracos.
Nas escavações.
No líquido.
Nos animais.
Na falta que faz.
Nas saudades.
Na fome.
Nas ideias.
No pensamento.
No Amor.
No estranho.
No estrangeiro.
No fazer de conta.
No imitar.
No de repente.
Nos teatros e nos filmes.
Nas desilusões.
Nos sólidos.
Nos cozinhados.
Na história.
Na memória.
Nas ideias.
No fazer de conta.
No voltar atrás.
No desenvolvimento dos corpos humanos.
Nas sensações.
Nas abstrações.
No medo.
Na temperatura.
Na cultura passada de geração em geração.
Nas pedras.
Nos velhos que morrem e nos bebês que nascem.
Na respiração.
Na ideia de alma.
No times New roman.
Tamanho 12.
Itálico.
Negrito.
Sombreado.
No Xadrez.
Nas táticas.
Nas imaginações.
No aprender.
No ser melhor.
No sempre.
No nunca.
16 novembro 2023
10 novembro 2023
gentrificação - Podemos escolher de quem gostamos e de quem não gostamos também!!!
08 novembro 2023
Bernardo Soares: A renúncia é a libertação
Bernardo Soares: A renúncia é a libertação
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A renúncia é a libertação. Não querer é poder.
Que me pode dar a China que a minha alma me não tenha já dado? E, se a minha alma mo não pode dar, como mo dará a China, se é com a minha alma que verei a China, se a vir? Poderei ir buscar riqueza ao Oriente, mas não riqueza de alma, porque a riqueza de minha alma sou eu, e eu estou onde estou, sem Oriente ou com ele.
Compreendo que viaje quem é incapaz de sentir. Por isso são tão pobres sempre como livros de experiência os livros de viagens, valendo somente pela imaginação de quem os escreve. E se quem os escreve tem imaginação, tanto nos pode encantar com a descrição minuciosa, fotográfica a estandartes, de paisagens que imaginou, como com a descrição, forçosamente menos minuciosa, das paisagens que supôs ver. Somos todos míopes, excepto para dentro. Só o sonho vê com (o) olhar.
No fundo, há na nossa experiência da terra duas coisas — o universal e o particular. Descrever o universal é descrever o que é comum a toda a alma humana e a toda a experiência humana — o céu vasto, com o dia e a noite que acontecem dele e nele; o correr dos rios — todos da mesma água sororal e fresca; os mares, montanhas tremulamente extensas, guardando a majestade da altura no segredo da profundeza; os campos, as estações, as casas, as caras, os gestos; o traje e os sorrisos; o amor e as guerras; os deuses, finitos e infinitos; a Noite sem forma, mãe da origem do mundo; o Fado, o monstro intelectual que é tudo… Descrevendo isto, ou qualquer coisa universal como isto, falo com a alma a linguagem primitiva e divina, o idioma adâmico que todos entendem. Mas que linguagem estilhaçada e babélica falaria eu quando descrevesse o Elevador de Santa Justa, a Catedral de Reims, os calções dos zuavos, a maneira como o português se pronuncia em Trás-os-Montes? Estas coisas são acidentes da superfície; podem sentir-se com o andar mas não com o sentir. O que no Elevador de Santa Justa é universal é a mecânica facilitando o mundo. O que na Catedral de Reims é verdade não é a Catedral nem o Reims, mas a majestade religiosa dos edifícios consagrados ao conhecimento da profundeza da alma humana. O que nos calções dos zuavos é eterno é a ficção colorida dos trajes, linguagem humana, criando uma simplicidade social que é em seu modo uma nova nudez. O que nas pronúncias locais é universal é o timbre caseiro das vozes de gente que vive espontânea, a diversidade dos seres juntos, a sucessão multicolor das maneiras, as diferenças dos povos, e a vasta variedade das nações.
Transeuntes eternos por nós mesmos, não há paisagem senão o que somos. Nada possuímos, porque nem a nós possuímos. Nada temos porque nada somos. Que mãos estenderei para que universo? O universo não é meu: sou eu.
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Livro do Desassossego por Bernardo Soares, Vol. II. Fernando Pessoa. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982.
02 novembro 2023
PAZ é uma palavra bonita!
A chuva de Jasmim
Nas Gargantas Soltas de hoje, Shahd Wadi inspira-se nas publicações do povo palestiniano livre para falar sobre a chuva de jasmim.
Terça-feira, 24 Outubro 2023 |
O meu texto é um povo.
Não vou dizer.
Só o nunca irá tirar a minha raiva após raiva do seu escavado oco extremamente vazio.
Não pronunciarei quantos são. Não declararei um número que, entretanto, mudou, que, entretanto, mudou, que, entretanto, mudou de pessoas que eternamente ficaram. Por serem palestinianas, para sempre desapareceram do lugar para onde fugiram. Morreram sem jantar. Na sua garganta, nem sequer um cuspo de água. Não irei torná-las, mais uma vez, num número exilado, agora para uma notícia de rodapé.
Qual poema, pá! Não irei partilhar histórias de amor, de coragem e de resiliência. Que se foda a resiliência. O meu ser já fui interrompido perante um termo, mas até as minhas palavras já foram exterminadas.
O meu texto já foi eliminado.
O nó na minha garganta é agora uma vala comum: “De tanto carregar caixões dos meus amigos, meu ombro tornou-se cemitério.” Que verso aguentaria ao lado da pergunta: “pai, os mortos vão para o céu, o mesmo lugar de onde nos caem as bombas?”.
A cantiga já não é uma arma.
Nada irá desentupir a minha tanta fala que em se mim cala. Nunca conseguirei clamar de volta, aos ouvidos deliberadamente surdos, os gritos que ecoam no meu corpo estupidamente distante: “Esta cinza era uma vez o meu filho.”
Pausa. O meu texto é silêncio.
Até onde pode ir o fundo deste abismo? Não me vou pronunciar sobre os estilhaços das notícias que furam apenas alguns olhos. Não vou empurrar os cadáveres da minha gente colher a colher nas bocas imundas, tentando comprovar que nós não nos sufocámos a nós.
Ó mundo, estás aí?
O jornalista está a anunciar finalmente a chegada da única sobrevivente: “ninguém sabe quem é, nem ela própria.”
O meu texto é uma incógnita.
Não vou chamar mais ninguém para mostrar as tantas, tantas, tantas vidas que caíram nos meus dedos atados a um telemóvel. Não vou comprovar que realmente eram vidas, nem sequer humanas.
Jamais serei filha de um refugiado palestiniano, apenas filha da puta.
Não vou descrever a foto da Eline, com um nome em si loiro, morta com o seu pequeno chapeau, nem sequer permitir de só pelos seus olhos azuis a verem: era mesmo uma menina. Não vou traduzir o testamento de Haya, a distribuição justa dos seus brinquedos e da poupança do seu mealheiro que desobedece a qualquer interpretação. O meu texto é um mealheiro. Zein encontrou o seu nos destroços da sua casa, mas agora nada serve comprar a cama para a qual poupava. Estará o menino sem nome ainda a escavando os escombros para encontrar a sua família?
O meu texto são escombros sem nome.
Não vou. Não vou nem sequer esvaziar aqui os sacos literalmente cheios de restos de filhos, são apenas sacos e de plástico, cheios de lixo humano: nós.
O meu texto somos nós em sacos de plástico.
A minha voz ficou rouca de utilizar as maiúsculas nos termos ditos certos: Direito Internacional, Resoluções das Nações Unidas, Autodeterminação, mas a mim quem me determina?
O amigo de Nour perdeu todos os seus amigos, “um bairro partiu-se.” O meu texto é um bairro.
Encosto o meu ecrã ao ombro da Mariam enquanto chora “nem sequer pelo horror que se abateu sobre nós, mas pela negação de que nos esteja a acontecer.” Samaher não chorou como prometeu, “deixando escapar apenas duas pequenas lágrimas insistentes, para que a barragem não se rompa com os seus gemidos.” Sem chorar preveniu-se da morte, abdicando do direito de autora, colocando o seu romance para descarregar, que chega ao meu ecrã diretamente de Gaza.
O meu texto é carregado e descarregado de Gaza.
Dois lados? Não, o coro da minha alma jamais vai repetir: prisão a céu aberto, apartheid, ocupado – ocupante, oprimido – opressor, Nakba, Naksa, 1948, 1967, 2023, mas porque raio este terramoto não abana ninguém?
Meu texto é um terramoto.
Porque falar dos sonhos de Farah se agora se resumem a um momento diário em que recebe a mensagem: “Estou ainda viva”. Qualquer chamada é uma potencial despedida, qualquer momento é um potencial momento, mesmo assim, num telefonema milagrosamente possível, entre um bombardeamento e outro, a mãe de Kawther não se esquece de ser mãe: “que é feito da tua menta, filha?”.
“Fida Falaestin. Para ti Palestina,” disse o homem que poupou 40 anos para construir a casa que se tornou pó. Luz.
A minha língua já ficou paralisada, imaginando o estendal de Hiba. Um bairro inteiro exilou-se deixando a solidão num estendal longínquo na janela de uma vizinha. Hiba responde, estendendo toalhas, que muda de cor e posição todos os dias. A mulher da janela distante, faz o mesmo. Uma toalha, estou viva. Outra, estou de verde. Estou contigo. Estamos juntas. Resistirmos.
Prosa, o caraças!
Sim, eu ouvi bem, ele disse: “Por cima dos escombros da minha casa, dormirei. Aqui permanecerei”. Mas aquele meu povo palestiniano não largou ainda a tal doença incurável chamada esperança?
O meu texto é incurável.
Enquanto lhe choviam rockets na cabeça, Eman dizia: “rezo para que chova jasmim”.
Com ela, irei sacudir os meus corpos mortos, levantar a minha bandeira e a minha dança. Um dia haverá chuva de jasmim.
O meu texto é chuva de jasmim.
Esta crónica foi inspirada pelas publicações do povo palestiniano livre.