Revista Crítica de Ciências
Sociais, 86, Setembro 2009: 73-93, FERNANDO FONTES
1. Introdução
Estima-se que aproximadamente uma
em cada dez pessoas é portadora de uma deficiência (Priestley, 2001).
Em Portugal, de acordo com os
censos de 2001, existiam 634.408 pessoas com deficiência, correspondendo a 6,1%
da população portuguesa residente (INE, 2002).
O aumento da esperança de vida transformou cada ser humano numa potencial
pessoa com deficiência, pelo que, parafraseando Rae, todos os corpos são temporariamente ‘capazes’ (1989).
Não obstante, verifica-se o
fortalecimento da correlação entre deficiência e discriminação, pobreza e
exclusão social, fazendo com que as
pessoas com deficiência continuem a figurar entre os mais desfavorecidos
socialmente (Beresford, 1996; Turmusani, 2002).
Como assinala Turmusani (2002),
este fenómeno amplificou-se dado que as sociedades
desenvolvidas estão organizadas em torno das necessidades das pessoas sem
deficiência.
Stone (2001) vai ainda mais longe
ao afirmar a existência de um ciclo
vicioso através do qual pobreza produz incapacidade, e a incapacidade, numa sociedade deficientizadora – isto é,
que não considera as necessidades das pessoas com incapacidades – se
transforma em pobreza.
Tal como enfatiza Priestley, “as pessoas pobres têm uma maior probabilidade para
serem afectadas por uma incapacidade, e as pessoas com deficiência têm uma
maior probabilidade de viverem na pobreza” (2001: 9).
A pobreza não decorre da
deficiência, mas sim da forma como esta é
socialmente construída, bem como de
barreiras físicas, sociais e psicológicas erigidas relativamente à
deficiência e às pessoas com deficiência.
A partir da década de 1960/70, e
da disseminação do modelo social da
deficiência, em resultado da sua insatisfação face ao Estado-Providência
(Oliver, 1991): Formas emancipatórias do Estado desempenhar um papel central
como garante dos direitos de cidadania.
Segue-se uma análise das
políticas direccionadas às pessoas com deficiência em Portugal, identificando
características, tendências e ideologias subjacentes.
2. Deficiência: modelos, definições e políticas
Se o entendimento da deficiência como uma construção social é
relativamente novo dentro das ciências sociais, conceptualizar a deficiência
como uma forma de opressão social é ainda mais recente.
Historicamente a deficiência foi
reduzida às falhas e incapacidades do corpo, permanecendo individualizada,
medicalizada e despolitizada.
As pessoas com deficiência são, desta forma, lidas como seres
inativos, dependentes e passivos, cuja única solução passa pela sua
adaptação ao meio ‘deficientizador’
que as rodeia, isto é, a um meio que não
considera as suas necessidades e que desta forma cria barreiras à sua
participação na sociedade.
A reabilitação é assim
exaltada como o instrumento de transformação dos corpos e mentes deficientes,
no sentido da sua normalização e superação de limitações corporais (Oliver,
1999).
Movimento de Pessoas com
Deficiência (MPD). O MPD foi responsável pela criação de uma nova abordagem da
deficiência, posteriormente designada por modelo
social da deficiência (Oliver, 1990).
O modelo social vem afirmar a deficiência como exterior ao
indivíduo, algo socialmente criado, que oprime e exclui as pessoas com
deficiência. Tal como definida pelo Union of Phisical Impaired.
1 Refira-se que este foi o modelo
inicialmente difundido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com a publicação
em 1981 da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e
Desvantagens (ICIDH).
A Union of the Physically
Impaired Against Segregation (UPIAS) em Inglaterra em 1976, a deficiência deve ser entendida como a desvantagem
ou a restrição de atividade criada pelas instituições sociais, cuja não
consideração das necessidades das pessoas com incapacidade impede a sua
participação na sociedade e nas atividades sociais habituais para qualquer
outro/a cidadão/ã (UPIAS, 1976).
A característica essencial deste
novo modelo consiste na separação entre ‘deficiência’ e ‘incapacidade’,
referindo-se a primeira (‘deficiência’) ao fenómeno
socialmente construído de exclusão e opressão das pessoas com deficiência por
parte da sociedade e, a segunda (‘incapacidade’), aos aspetos individuais, biológicos e corporais.
O novo modelo social conseguiu
ainda transformar a deficiência numa questão social e política, mais do que um
problema médico e individual (Oliver, 1990).
A deficiência não é, desta forma, criada pela incapacidade,
mas sim pela sociedade que deficientiza as pessoas com incapacidades (Oliver,
1996).
O modelo relacional (Thomas, 1999) ou modelo bio/psico/social (WHO,
2002).
Esta perspectiva professa que o
modelo social da deficiência representa uma visão demasiado socializada da
deficiência (Bury, 1997) esquecendo as consequências da incapacidade nas vidas
das pessoas com deficiência.
Defende a utilização da noção de
deficiência como um fenómeno social relacional, isto é, não só como “a
imposição social de restrições na actividade nas pessoas com incapacidade (s)
[mas também como] a perturbação do seu bem-estar psico-emocional”
Acredito, pois, que só uma perspectiva mais radical, como
aquela que é apresentada pelo modelo
social da deficiência devido ao potencial
emancipatório que oferece, poderá produzir a transformação necessária nas
políticas sociais nesta área.
Defendo que só uma visão capaz de perspectivar os problemas das pessoas com deficiência não como um problema individual mas como um problema social pode efectivamente mudar as vidas das pessoas com deficiência.
A forma como a deficiência é entendida pelas políticas sociais é,
todavia, resultante de visões cultural e ideologicamente ancoradas (Oliver,
1990).
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