10 outubro 2013

extenso? talvez mas se não leres não vais poder dizer mal...

 
Revista Crítica de Ciências Sociais, 86, Setembro 2009: 73-93, FERNANDO FONTES

1. Introdução

Estima-se que aproximadamente uma em cada dez pessoas é portadora de uma deficiência (Priestley, 2001).

Em Portugal, de acordo com os censos de 2001, existiam 634.408 pessoas com deficiência, correspondendo a 6,1% da população portuguesa residente (INE, 2002).

O aumento da esperança de vida transformou cada ser humano numa potencial pessoa com deficiência, pelo que, parafraseando Rae, todos os corpos são temporariamente ‘capazes’ (1989).

Não obstante, verifica-se o fortalecimento da correlação entre deficiência e discriminação, pobreza e exclusão social, fazendo com que as pessoas com deficiência continuem a figurar entre os mais desfavorecidos socialmente (Beresford, 1996; Turmusani, 2002).

Como assinala Turmusani (2002), este fenómeno amplificou-se dado que as sociedades desenvolvidas estão organizadas em torno das necessidades das pessoas sem deficiência.

Stone (2001) vai ainda mais longe ao afirmar a existência de um ciclo vicioso através do qual pobreza produz incapacidade, e a incapacidade, numa sociedade deficientizadora – isto é, que não considera as necessidades das pessoas com incapacidades – se transforma em pobreza.

Tal como enfatiza Priestley, “as pessoas pobres têm uma maior probabilidade para serem afectadas por uma incapacidade, e as pessoas com deficiência têm uma maior probabilidade de viverem na pobreza” (2001: 9).

A pobreza não decorre da deficiência, mas sim da forma como esta é socialmente construída, bem como de barreiras físicas, sociais e psicológicas erigidas relativamente à deficiência e às pessoas com deficiência.

A partir da década de 1960/70, e da disseminação do modelo social da deficiência, em resultado da sua insatisfação face ao Estado-Providência (Oliver, 1991): Formas emancipatórias do Estado desempenhar um papel central como garante dos direitos de cidadania.

Segue-se uma análise das políticas direccionadas às pessoas com deficiência em Portugal, identificando características, tendências e ideologias subjacentes.

2. Deficiência: modelos, definições e políticas

Se o entendimento da deficiência como uma construção social é relativamente novo dentro das ciências sociais, conceptualizar a deficiência como uma forma de opressão social é ainda mais recente.

Historicamente a deficiência foi reduzida às falhas e incapacidades do corpo, permanecendo individualizada, medicalizada e despolitizada.

As pessoas com deficiência são, desta forma, lidas como seres inativos, dependentes e passivos, cuja única solução passa pela sua adaptação ao meio ‘deficientizador’ que as rodeia, isto é, a um meio que não considera as suas necessidades e que desta forma cria barreiras à sua participação na sociedade.

A reabilitação é assim exaltada como o instrumento de transformação dos corpos e mentes deficientes, no sentido da sua normalização e superação de limitações corporais (Oliver, 1999).

Movimento de Pessoas com Deficiência (MPD). O MPD foi responsável pela criação de uma nova abordagem da deficiência, posteriormente designada por modelo social da deficiência (Oliver, 1990).

O modelo social vem afirmar a deficiência como exterior ao indivíduo, algo socialmente criado, que oprime e exclui as pessoas com deficiência. Tal como definida pelo Union of Phisical Impaired.

1 Refira-se que este foi o modelo inicialmente difundido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com a publicação em 1981 da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH).

A Union of the Physically Impaired Against Segregation (UPIAS) em Inglaterra em 1976, a deficiência deve ser entendida como a desvantagem ou a restrição de atividade criada pelas instituições sociais, cuja não consideração das necessidades das pessoas com incapacidade impede a sua participação na sociedade e nas atividades sociais habituais para qualquer outro/a cidadão/ã (UPIAS, 1976).

A característica essencial deste novo modelo consiste na separação entre ‘deficiência’ e ‘incapacidade’, referindo-se a primeira (‘deficiência’) ao fenómeno socialmente construído de exclusão e opressão das pessoas com deficiência por parte da sociedade e, a segunda (‘incapacidade’), aos aspetos individuais, biológicos e corporais.

O novo modelo social conseguiu ainda transformar a deficiência numa questão social e política, mais do que um problema médico e individual (Oliver, 1990).

A deficiência não é, desta forma, criada pela incapacidade, mas sim pela sociedade que deficientiza as pessoas com incapacidades (Oliver, 1996).


O modelo relacional (Thomas, 1999) ou modelo bio/psico/social (WHO, 2002).

Esta perspectiva professa que o modelo social da deficiência representa uma visão demasiado socializada da deficiência (Bury, 1997) esquecendo as consequências da incapacidade nas vidas das pessoas com deficiência.
Defende a utilização da noção de deficiência como um fenómeno social relacional, isto é, não só como “a imposição social de restrições na actividade nas pessoas com incapacidade (s) [mas também como] a perturbação do seu bem-estar psico-emocional”

Acredito, pois, que só uma perspectiva mais radical, como aquela que é apresentada pelo modelo social da deficiência devido ao potencial emancipatório que oferece, poderá produzir a transformação necessária nas políticas sociais nesta área.

Defendo que só uma visão capaz de perspectivar os problemas das pessoas com deficiência não como um problema individual mas como um problema social pode efectivamente mudar as vidas das pessoas com deficiência.

A forma como a deficiência é entendida pelas políticas sociais é, todavia, resultante de visões cultural e ideologicamente ancoradas (Oliver, 1990).

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