António Costa não irá certamente ser
primeiro-ministro por direito divino. Para ganhar eleições vai ter de
fazer o seu caminho, apresentar objectivos, propostas para a governação.
É bom frisar também que António Costa não é um
D. Sebastião. Aliás, sejamos claros, não existem D. Sebastiões. Apesar
da tendência que predomina em Portugal para acreditar em figuras
salvíficas que libertem o país de jugos reais ou imaginários, a verdade é
que estas figuras não passam de mitos. Daí que olhar para o novo líder
do PS como alguém que num passe de mágica pode resolver os problemas
nacionais e de inserção de Portugal na Europa e no mundo é esperar algo
que não acontecerá, simplesmente porque não é realista: não há soluções
milagrosas.
António Costa teve uma semana cheia. Multiplicou-se em
declarações. Algumas que desencadearam polémicas quentes, como as que
proferiu sobre a situação do país depois da intervenção da troika,
perante a comunidade chinesa em Portugal na festa do Ano Novo chinês.
Isentou o Benfica de impostos municipais. Afastou o presidente da EMEL
por sobre este penderem suspeitas de corrupção. Manteve os coordenadores
das áreas do gabinete de estudos do PS que transitam assim da anterior
direcção para a actual, garantindo uma continuidade interna que pode
ajudar a pacificar o partido depois da campanha das eleições primárias.
Deu uma entrevista ao Acção Socialista.
Entre o turbilhão que foi a
semana de António Costa destaca-se a sua intervenção na conferência
organizada pela revista The Economist, em Cascais. Então falou nas
opções e soluções que defende e sobre a forma como o PS vê a inserção
europeia de Portugal, prosseguindo a concretização de posições sobre a
Europa tinha que tinha feito na entrevista que deu ao PÚBLICO,
nomeadamente ao rejeitar a possibilidade de restruturação ou de
renegociação da dívida. (PÚBLICO 05/02/2012).
Mas a passagem
verdadeiramente importantes do discurso que fez em Cascais contribui de
forma determinante para quebrar a imagem de salvador da pátria que
alguns de fazem, tendo também o mérito de mostrar o lado do político que
não recorre a demagogias e a populismos. Mais esta passagem destaca-se
porque reflecte um conceito pouco usado nas últimas décadas na política
portuguesa, o conceito de franqueza. Ou seja, a capacidade de os
políticos falarem com aderência à realidade e não viverem de construções
abstractas, de promessas muitas vezes irrealizáveis e que os próprios
sabem que não podem concretizar, mas que prometem para conquistar votos.
Referimo-nos
à decisão de António Costa de assumir, preto no branco e com todas as
letras, a razão por que tem optado pelo silêncio no que toca a promessas
de soluções para os problemas do país que possa vir a por em prática se
for primeiro-ministro. E numa alusão implícita às cedências que o
Governo grego liderado por Alexis Tsipras teve de fazer nas negociações
com o Eurogrupo: “Como se tem visto nas últimas duas semanas, é um erro
definir uma estratégia nacional que ignore a incerteza negocial e se
bloqueie numa e só numa solução.” (PÚBLICO 25/02/2015)
O líder do
PS disse aquilo que é uma evidência, mas que é um acto raro até porque
se expôs à acusação de ser hesitante. E se é importante a capacidade de
assumir que não vale a pena fazer promessas num cenário incerto como é o
europeu e quando as soluções para os problemas portugueses dependem da
posição dos Estados parceiros, importante é igualmente a abertura ao
diálogo que demonstrou ao dizer que “o que é essencial é identificar
correctamente os problemas, assumir a determinação de os enfrentar e ter
a capacidade necessária para construir as alianças que permitam as
soluções viáveis, trabalhando as várias variáveis possíveis.”
Resta
saber se António Costa vai conseguir resistir à pressão para que
apresente propostas e faça promessas. Uma pressão que virá como é
perceptível de vários níveis do que é a comunicação social, não só de
jornalistas, como das direcções editoriais dos órgãos de comunicação
social, como dos comentadores e dos publicistas. Mas também pelos seus
adversários políticos, os outros partidos que concorrem com o PS, quer à
direita, quer à esquerda. E – é bom não esquecer – a pressão sobre António Costa virá igualmente de dentro do próprio PS, cujos quadros e
aparelho político estão sedentos de poder e de conquistar o Governo.
O
tempo dirá se António Costa tem capacidade de resistir ao facilitismo e
à demagogia e de não deixar que a sua imagem passe de um mirifico D.
Sebastião a um escorregadio vendedor de banha-da-cobra.
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