O Eduardo Jorge foi alguém que entrou na minha vida sem saber bem como nem porquê, entrou e resolvemos ficar na vida um do outro; após um começo por móvel e e-mail, encontro olhos nos olhos gostámos um do outro e mostrou-me este texto que fala sobre este blogue: http://tetraplegicos.blogspot.pt/.
Sabe bem ser Amigo dele!
Existem
pessoas que fazem a diferença pelos seus actos, ideias e vontade
inabalável. São estes os que acordam os adormecidos. Foi isto que
aconteceu quando conheci o blog tetraplégicos e o seu criador o
Eduardo.
Tal
como ele, sofro o fardo de ser tetraplégico. Para quem não sabe,
“tetraplégico” é alguém que fratura a medula espinal na zona
do pescoço e por isso perde os movimentos das pernas e parte (ou
totalmente) dos braços. Não se perde apenas a capacidade de andar,
perde-se sim a capacidade de cuidar de si. É preciso que alguém nos
levante da cama e volte a deitar, que nos lave, que nos dê de comer,
que nos vista, etc., etc. De um momento para o outo perde-se um dos
bens mais preciosos que um ser humano pode ter: a independência e a
liberdade. Fisicamente somos como bebés adultos e creio que todo
sabem os cuidados que um bebé requere. Assim vive um tetraplégico,
ou qualquer outra pessoa que tenha uma deficiência igualmente
limitadora.
Agora
digo-vos algo que não perdemos: a nossa mente! Ao contrário do que
dizem os estereótipos, desenvolvemos a capacidade de observação;
aprendemos como funciona o mundo; começamos a ter ideias. A nossa
mente floresce em contraste com a incapacidade física. Não se trata
de arrogância, é um facto. Foi isto que encontrei no Eduardo. Um
espelho do meu fado que usa a mente para se afirmar como cidadão,
uma peça integrada na sociedade.
Creio
que todos que possuem uma deficiência visível já sofreram na pele
o estigma, os olhares, as perguntas indiscretas, a discriminação, a
redução da sua humanidade quando afirmam com ignorância que o
trabalho é um “entretenimento”. Por isso, muitas vezes
acomodamo-nos ao nosso mundinho, com as nossas coisinhas, aceitar
como esmola o que afinal são direitos, sem procurar retribuir à
vida todo o potencial que temos para dar.
Era
nesta situação que me encontrava, resignado, sem exigir muito da
existência, a esconder as minhas capacidades intelectuais como se
estas fossem um atentado à lógica. Mais cedo ou mais tarde sabia
que o meu futuro seria a institucionalização, embora não pensasse
nisso. Existia uma aceitação dolorosa no meu íntimo.
Conhecer
o blog “tetraplégicos” foi um despertar. Uma chamada de atenção
para o facto de também eu ser humano como os outros,
independentemente das minhas limitações. Tenho muito a oferecer à
sociedade. Não quero ficar parado. Quero e posso contribuir para um
mundo melhor.
Desde
a divulgação de direitos que abrangem todo o tipo de deficiências,
ao dar voz às mães e pais que não têm ajudas e são forçado a
deixar de trabalhar para cuidar dos seus filhos, à luta por uma vida
independente, às acções de rua que foram constantemente ignoradas
pelos governantes, à ajuda providenciada gratuitamente a quem o
procurava, ao aconchegante saber que não estou sozinho, tudo isto
segui com atenção. Apesar de estar longe, sem grande forma de me
deslocar às acções levadas a cabo pelo Eduardo, sempre fui um
espectador atento ao seu trabalho e de certa forma, um interveniente,
pois tudo que possa ser alcançado pelas suas chamadas de atenção e
acções de protesto iam me beneficiar. Isto tudo apesar da minha
ausência,
Lutar
desta forma contra a corrente, colocando até a própria saúde em
risco, é extenuante. Ser tetraplégico, é já por si, ser
solitário. Mesmo estando rodeados por quem nos cuida e nos quer bem,
parece existir sempre uma distancia que nos separa dos outros.
Sente-se a falta de companhia, principalmente quando se anda na rua e
somos alvo dos olhares indiscretos e da curiosidade imprópria. Não
sei ao certo como explicar isso. É algo que se sente e se mistura
com um certo cansaço que por vezes toma conta do corpo contra a
nossa vontade. Creio que haverá muita gente que percebe este
sentimento e se revê nestas palavras. Ao mesmo tempo acredito que
possam existir alguns defensores do positivismo e de que a vontade
tudo supera, que argumentem de forma contrária. Que seja! A esses
apenas tenho a dizer que os invejo e pedir que respeitem a minha
realidade.
Sei
que o Eduardo já ajudou muita gente. Da mesma forma já sentiu o
desaire de não poder contar com quem o devia apoiar. Sim, porque ele
emprestou o seu nome a diferentes tipos de luta sem nunca se
contentar com o seu próprio conforto. Não sei quanta gente auxiliou
na sua demanda. Foram muitos. E por isso estou grato.
Ainda
assim o Eduardo não desistiu. Continuou a luta. Sem medo até da
morte. Infelizmente ninguém é invencível e chegou o dia em que foi
forçado a ser institucionalizado. Um lar de idosos. Por mais
atencioso que os funcionários possam ser, por mais condições que
existam, o Eduardo foi arrancado de casa para uma espécie de prisão
colorida, porque os governantes preferem esta solução desfasada da
realidade à implementação da vida independente. Foi um duro golpe,
que senti como dado a mim. Ainda por cima torna-se mais revoltante ao
saber que a maior parte do salário lhe é retirado para pagar a
própria prisão. Além de enclausurado, é-lhe retirada a capacidade
financeira remetendo-o à pobreza. Aonde está a justiça disso?
Surgiu
agora uma esperança sobre projectos piloto de vida independente.
Será mesmo? Três anos para testar uma ideia que insiste em ser
contrária e complicada ao que já funciona noutros países. E depois
deste tempo? Vai continuar? Vai mudar? E todos os que são condenados
à institucionalização? As politicas sobre deficiência em Portugal
parecem sempre ser adiadas para amanhã e quando surgem são como
gotas de água.
No
meio disto tudo questiono-me como posso ajudar, revindicar, explicar,
dizer que existo, pois não me posso deslocar para onde se fazem as
acções de rua. O Eduardo precisa de saber e sentir que não está
sozinho! Como disse o presidente da Republica, Marcelo Rebelo de
Sousa, inserido no contexto da tragédia dos fogos: “esta gente não
tem a capacidade de se manifestar ou fazer greves”. Essa frase
resume na perfeição quem tem uma deficiência limitadora a ponto de
necessitar de um auxiliar. Não conseguimos dizer que existimos, nem
revindicar direitos, nem sequer paralisar sectores importantes do
país.
Senti
uma necessidade imensa de ajudar. Para isso recorri à única forma
que me é acessível e domino de alguma forma. Escrevi este texto.
Não sei quem vai ler, ou se vão mesmo ler, nem tão pouco se vai
fazer alguma diferença. Sei que vai apenas cumprir um propósito,
dizer ao Eduardo que não está sozinho, são muitos os que o olham,
que se identificam com a sua luta, que sofrem na pele os mesmos
dilemas. Mesmo que as suas vozes não se façam ouvir, seja por medo,
coação, ou simplesmente porque não conseguem.
Não
sei se faço sentido, visto que tenho em mim vontade de dizer tanta
coisa que as ideias acabam por se emaranhar num disparo de frases
amontoadas. Resumo a dois tópicos chave:
-
Chamar a atenção para a injustiça da institucionalização.
-
Dizer ao Eduardo que não está sozinho!
Este
texto, ou melhor, desabafo, tem o nome de “Manifesto pro Eduardo”,
embora na realidade o nome possa ser “Manifesto pro vida”, ou
“Manifesto pro liberdade”.
É
com exemplos que se mostram as injustiças. Hoje manifesto-me sobre a
injustiça que recai sobre o Eduardo que, no fundo, é o rosto de
tantos outros calados, escondidos e resignados, como eu…
Agradeço
do fundo do coração tudo que este homem tem feito!
Bem-haja
grande Eduardo!
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