16 dezembro 2022

3 poemas de João Luís Barreto Guimarães

Sentar-me e
ver os outros passar é o
meu exercício favorito. Entretém.
Não esgota.
É gratuito. Neste meu jogo-do-não
são os outros que passam
(é aos outros que reservo a tarefa
de passar). Lavo daí os pés.
Escrevo de dentro da vida.
Pode até parecer que assim não
chego a lugar algum mas também quem
é que quer ir
ao sítio dos outros?

in Luz Última

 

***
 

O casal da mesa do lado tocou nas palavras durante o 
pequeno-almoço. Cumpriu-o indiferente sem incomodar o silêncio, 
sem ter provado sequer uma curta vez que fosse do dissabor das 
palavras.
O casal da mesa do lado já deve ter dito tudo.

in Poesia Reunida (Quetzal)

 

***


Só o amor para o tempo (só
ele detém a voragem)
rasgámos cidades a meio
(cruzámos rios e lagos)
disponíveis para lugares com nomes
impronunciáveis. É preciso conhecer os mapas mais ao acaso
(jamais evitar fronteiras
nunca ficar para trás)
tudo nos deve assombrar como
neve
em Abril. Só o amor pára o tempo só 
nele perdura o enigma
(lançar pedras sem forma e o lago
devolver círculos).

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