22 dezembro 2024

25 de Dezembro: hoje é Natal


Há um monte de tradições na festa do Natal; foram-se acumulando ao longo dos séculos e tiveram origens bens diferentes. Mas o conjunto de todas até nem é mau de todo.

Ora vamos lá ver:

- Festa do nascimento do Sol invencível – instituída pelo imperador romano, Aureliano, em 25 de Dezembro de 247 D.C.

Sendo por essa altura o solstício do inverno, o Sol, tido como divindade, começa a subir. A festa incluía fogueiras que ainda hoje perduram em muitos sítios. Como sucedâneos temos as iluminações mais vistosas e caras; mas os seus alicerces com referência ao Sol, era bom que não se perdessem.

Festa do nascimento de Jesus. A igreja de Roma, para os cristãos não alinharem nessa festa do Sol, batizou-a. Como não se sabia ao certo a data do nascimento de Jesus, o papa Júlio I, em 350, decidiu que no dia 25 de Dezembro se festejaria o nascimento de Cristo, o verdadeiro sol da vida para os cristãos; o cristianismo tinha-se divulgado por todo o Império e a festa do Natal de Jesus também.

No sec. XIII S. Francisco de Assis faz um presépio ao vivo numa festa de Natal e a ideia falou ao coração do povo. A imagem do presépio, julgo, fez nascer no meio do povo uma infinidade de expressões do presépio, algumas com muita arte,
e de maravilhosas canções de Natal. Só por isso quase que valeu a pena, e também por toda a fantasia das crianças e de adultos à volta do Natal.
No cristianismo das regiões pertencentes ao Império Romano do Oriente, o nascimento de Jesus celebrava-se a 6 de Janeiro e teve como inspiração bíblica a visita dos Magos; no meu entender, também a oferta das prendas de Natal vem daí.

A tradição do Natal em Dia de Reis, foi trazida pelos visigodos, povo imigrante vindo das regiões gregas e com tradição cristã do Império do Oriente, que se enraizou em Espanha e aí deixou a sua cultura.

A árvore de Natal vem de tradições antigas de países do norte da Europa, zonas de florestas, onde árvores eram tidas como seres divinos.
A árvore entra na tradição do Natal pelo sec. XVI.
Natal é pois festa com muitas raízes. Há nela crenças religiosas que deixaram suas marcas sobretudo do ambiente festivo: luzes, presépios, árvore, flores, música, fogueiras, manjares e guloseimas, ritos…

Ah! Faltou-me uma coisa: o Tio Patinhas achou que a festa do Natal podia render milhões. Sem mais, inventa um simpático velho de barbas, talvez inspirado na tradição do São Nicolau, bem enraizada na Holanda; diz a tradição ser ele um velho bispo nascido na Turquia em 280 D.C., homem de bom coração que ajudava os pobres deixando saquinhos com dinheiro junto às chaminés. Assim cria o Pai Natal, que não é bispo nem nada, e ainda bem!; fez dele seu gestor de marketing, passou ele a ser quem dá presentes ricos aos meninos e gente rica e presentes pobrezinhos aos meninos pobres, e o Menino Jesus fica limpo dessa fama nada simpática e que não tinha nada a ver com Ele.

Mas, e o que é que há de profundo na festa de Natal, para além de todo o cenário festivo e tão envolvido em dinheiro?

Uma procura de humanidade, sentimento esse nascido da mensagem de Jesus Cristo. É esse sentimento que leva a dizer que o Natal deve ser todos os dias, em todo o lado e sempre.

Recordo aqui o Natal de 73, que deixou marcas muito profundas cá no fundo de mim: Eu tinha sido preso no dia 12 de Dezembro, por se julgar que transportava armas no meu carro!

Fiz a tortura do sono e, uma semana depois, era Natal. Eu estava sozinho numa cela; era padre e decidi celebrar o Natal com missa e tudo. Tinha pão e vinho (Pedras Negras!) que guardara da ceia que tinha sido boazinha, tinha a Bíblia e estava eu. Juntei a mim os amigos que estavam por ali presos e tanta outra gente que me povoava o espirito: paroquianos, crentes e não crentes, doentes e sãos, novos e velhos, amigos, tantos…
O guarda prisional não deu por nada, mas foi um encontro extraordinário.
Isto não é para me armar em herói, mas para deixar aos meus filhos e netos, e talvez a mais gente, que é
preciso ”renascer” sempre.

Como diria um meu extraordinário professor de filosofia, citando Carlos Queirós, poeta transmontano, “Ver só por fora é fácil e vão,/Por dentro das coisas é que as coisas são”. Também é
necessário saber ver o Natal por dentro.

Para terminar: há anos ouvi uma reportagem na TV, que nunca mais esqueci: Júlio Isidro, o entrevistado, contou que então era sozinho. Na noite de Natal ia pela cidade, encontrou uma mulher da rua; abordou-a dizendo que não queria servir-se dela; apenas a convidava para irem jantar juntos, pois era a noite de Natal. E assim foi.

Valeu a pena ser Natal.

António Correia

11 de Janeiro às 15h

Está a ser preparada uma grande manifestação em Lisboa contra as operações de segurança criadas pelo governo em lugares como o Martim Moniz. Será dia 11 de janeiro, às 15h. É importante sermos muitos. Passa a mensagem e tenta ir também: 

Unir as pessoas de bem, na maior manifestação do pós 25 de Abril. É esse o nosso objetivo. Vamos mostrar a esta gente que somos Liberdade, e que não nos vergamos ao fascismo.

O fascismo é uma minhoca
Que se infiltra na maçã
Ou vem com botas cardadas
Ou com pezinhos de lã

(Sérgio Godinho)



Manifestação 11 de Janeiro - Almirante Reis e encher toda a Alameda - TODOS JUNTOS!

DIA 11/1/2025 - 15h (ponto de encontro - Alameda) vamos em marcha encher a Praça do Martim Moniz. 

NÃO DEIXES QUE TE ENCOSTEM À PAREDE, MARCHA. 
CONTRA O RACISMO, CONTRA A XENOFOBIA, CONTRA O PRECONCEITO.

14 dezembro 2024

A vida tem que ter algo tempestuoso





contrária ao Amor


à tranquilidade e serenidade



para valer a pena:


algum erro

alguma falha


algum frio


alguma guerra


alguma sujidade


algum medo


algo feio


algo escuro e sujo


para (então) aproveitar a dança...

09 dezembro 2024

Texto que o Daniel Calado enviou para o Público no dia 4 e que até agora não foi publicado (cartas ao Director)


Assinalou-se no passado 3 de Dezembro o dia internacional das pessoas com deficiência, data assinalada pela ONU desde 1992, com o objetivo de promover uma maior compreensão dos assuntos respeitantes à deficiência e para mobilizar a defesa da dignidade, dos direitos e o bem estar das pessoas.

O Secretário-geral da ONU (que realça a necessidade de trabalhar com as pessoas com deficiência para alcançar um futuro inclusivo e sustentável para todas as pessoas) e o Presidente da República (que considerou que este dia constitui um desafio a derrubar barreiras, na construção de um futuro sustentável que atende ao potencial de todos os cidadãos) foram dos poucos que assinalaram o dia. Mas nem por isso com grande visibilidade.

Outra iniciativa, até agora ignorada pelos meios de comunicação, foi promovida pelo Centro de Vida Independente (https://vidaindependente.org/dia-nacional-reclamacao/), o Dia Nacional da Reclamação, que visou dar a conhecer a dimensão da discriminação a que as pessoas com deficiência estão sujeitas em todo o país.

Infelizmente, nenhuma destas iniciativas teve qualquer destaque por parte dos meios de comunicação. 

O insuficiente apoio público às pessoas mais vulneráveis devido a problemas de saúde é uma realidade que, apesar de ser reconhecida quase unanimemente, escapa ao escrutínio e à atenção dos media.

Quantas vezes os governantes são confrontados com a incúria e com os indesculpáveis atrasos nas necessárias respostas? Quase nunca.

Quantas vezes há intervenções de atores relevantes que são olimpicamente ignoradas pelos meios de comunicação, incluindo pelo Jornal Público? Exemplos não faltam.

A Provedora de Justiça tem vindo a alertar, sem qualquer sucesso, para os atrasos na atribuição de produtos de apoio por parte da Segurança social e na realização de juntas médicas. São anos de espera para obter apoios essenciais como cadeiras de rodas, próteses, camas articuladas, andarilhos, etc., bem como para serem reconhecidos os graus de incapacidade, este que é frequentemente o primeiro passo necessário para a obtenção de qualquer apoio público. 

Em Agosto, foi noticiado neste jornal o atraso na execução do programa financiado pelo PRR, Acessibilidades 360º, para a realização de obras de adaptação das habitações de pessoas com mobilidade reduzida. Foram identificados atrasos de anos e sugerida uma solução pela Comissão Nacional de Acompanhamento do PRR. Nada se passou nestes 6 meses. Não houve alteração às regras nem notícias sobre a persistência dos atrasos. 

A discussão do OE25 é outro bom exemplo de como não é dada relevância a esta temática. Os partidos da oposição apresentaram 48 propostas de alteração, tendo o PSD votado contra 45, sem que tivesse havido grandes protestos por parte dos partidos proponentes, nem sido dado qualquer relevo por parte da Comunicação social. 

Poder-se-ia, infelizmente, continuar a enumerar problemas com que as pessoas com deficiência se deparam, os quais variam em função das suas diferentes necessidades: o montante reduzido da prestação social para a inclusão, a falta de resposta do Modelo de apoio à vida independente, a falta de resposta do sistema nacional de saúde, a falta de oportunidades no sistema profissional, as barreiras arquitetónicas que dificultam a circulação de pessoas com mobilidade reduzida, a falta de conteúdos televisivos adaptados para invisuais e auditivos, etc.

A falta de interesse generalizado, incluindo dos media, não deixa de ser chocante e de reforçar o isolamento das pessoas que, num momento de vulnerabilidade, mais precisavam de apoio. 

Perante a dimensão dos problemas e da sua relevância para a sociedade, o esperado seria uma atenção mediática contínua, com reflexão sobre os problemas, pedagogia destinada à sociedade em geral, pressão sobre os governantes e entidades públicas quando as soluções tardam.

O mínimo dos mínimos que se espera dos meios de comunicação de referência, é que haja uma qualquer sinalização nas datas simbólicas.

Daniel Calado

26 novembro 2024

causa para viver

“Há






“Há que buscar uma causa para viver.
Não necessariamente a minha, mas há que ter uma causa.
Pode ser música, ciência, qualquer coisa. Viver para pagar prestações? Isso não é viver.

Porque viver é sonhar, acreditar em algo superior, em algo criativo

(Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai)



20 novembro 2024

- A beleza de ser mulher -

Não poder votar, não poder usar uma saia curta, não poder sair sozinha de casa ou não poder estudar só por ser uma mulher. A conquista das mulheres pela igualdade leva-nos além de 1900 e conta-nos histórias chocantes e inspiradoras. Apresenta-me um Top de 10 mulheres que mudaram a história do mundo e foram fundamentais para as conquistas das mulheres.


Não poder sem razão, aparente, ‘só por ser uma mulher’.
Hoje é fácil entender o porquê,
Ou hoje, é mais complicado, entender porque foi assim.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…
Mas foi preciso luta, no passado, na altura, pela igualdade.
São fundamentais as mulheres na história do Ser Humano.
Sempre foi assim, mas só agora lhe damos a importância devida.


Há zonas onde, há mais discriminação, são parte das mais atingidas.
Mulheres, idosos, deficientes.
Se fores deficiente, negra e idosa tens a pontuação máxima.
São elas as criadoras das pessoas e gentes.
Do recheio das casas e das famílias.

Houve um início em que a força física era essencial.
E o homem era mais importante.
Com crescimento dado à sensibilidade,
A mulher ganhou importância.

E gerou-se um equilíbrio.
Começar a perder mesmo muito no começo é bom porque obriga à recuperação.
Quanto ao TOP 10 não vou cair nesse embuste.
A minha memória é mazinha e não tem melhorado com a idade.
A verdade é que, na atualidade, se nota imenso a presença das mulheres na sociedade.
Em todas as áreas, cada vez mais.
E isso nota-se por termos uma sociedade mais inclusiva.
Mais juvenil e simpática: empática!
Estamos melhores, talvez não se possa dizer isto.

Os tempos não são nem melhores, nem piores.
O Verão, o Inverno, o Outono e Primavera são diferentes.
O amanhã é diferente do ontem, tem qualidades diferentes.
Acho que há em todo o homem a inveja de não ser mulher…

07 novembro 2024

03 de Dezembro: VAMOS FAZER BARULHO!?


Caro senhoras e senhores,

Consideram-se todos tratados individualmente com vénias, salamaleques, respeito e reverência... peço o favor de fazer FWD para quem faça sentido e mobilize gente, grupos e audiências, passem a palavra para que a coisa alastre!

Por cada um de nós e nossas descendentes no futuro, filhas, netas e o mesmo no masculino. 

Porque o apoio ao Dia da Reclamação interessa a todos nós  enquanto membros de uma sociedade, comunidade, país, povo e porque a Discriminação é Crime, vamos todos no próximo dia 03 de Dezembro, 4ª feira, reclamar, protestar, fazer barulho, denunciar todas as formas de discriminação, incentivando os cidadãos a utilizar o Livro de Reclamações (físico e online) para registar estas queixas de norte a sul do país.

Todos já circulámos por aí a empurrar cadeirantes ou a empurrar carrinhos de bebés e sabemos que Portugal não é um país muito acessível!

Mas, há quem viva com isso, no dia a dia, hora a hora, minuto a minuto em cada espaço sem acessibilidades ou rampas, uma vergonha!


O que queremos é que no dia 03 de Dezembro te juntes a nós e o nosso coro de reclamações se faça sentir esse protesto!

Precisamos do teu apoio e exigência para melhorar a nossa sociedade, o seu estatuto social dão-lhe uma certa responsabilidade.

Ninguém está a ficar mais novo e autónomo e é em nome desta interdependência social que apelamos a quem pretendes/queres ser e para o futuro das nossas netas, filhas e descentes masculinos

Queremos, como agentes sociais, melhorar a nossa sociedade.

No próximo dia 3 de Dezembro de 2024, Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, vamos lançar uma mobilização nacional – o Dia da
Reclamação. 



Porque a Trumpa precisa de contrabalanço e equilíbrio: UNAMO-NOS!



Discurso de Charlie Chaplin em "O Grande Ditador"

05 novembro 2024

a Trumpa versus a Kamala

Nos Estados Unidos parecia-me evidente: Kamala Harris versus George Trump; qualquer um/a venceria frente aquele ser, aquele monstro feio e gordo, aquela coisa deplorante.

Mas os Estados Unidos são estranhos, muita gente, muito pensamento confuso.

O mal contra o bem?

É mulher, afrodescendente, licenciada em direito e tem uma escola que vem de ter sido ex vice-presidente do ex-Presidente Georges Biden e é inteligente.

O Trump é um machista com ar de porco e é formado em economia, tem como lema 'Tornar a América grande novamente' e é conhecido por seus envolvimentos menos lícitos com pessoas subversivas como o Putin… e afins! Tem mau perder.

Já me pareceu melhor, talvez as mulheres tragam inteligência à questão e as piadas racistas que ele imprimiu na campanha tenham um humor negro.

Mas a América é tão grande e tem tanta gente que não se saberá hoje. Terá influência sobre todos nós  a eleição de hoje.




03 novembro 2024

Acessibilidade para além das rampas


Catarina Oliveira

A Catarina é muito divertida e no dia 03 de Dezembro é por ela, por nós, por vocês que vamos reclamar porque este mundo infantiliza a torto e a direito!

27 outubro 2024

MEMÓRIA


𝕬 𝖂𝖍𝖎𝖙𝖊𝖗 𝕾𝖍𝖆𝖉𝖊 𝕺𝖋 𝕻𝖆𝖑𝖊 - 𝕻𝖗𝖔𝖈𝖔𝖑 𝕳𝖆𝖗𝖚𝖒

22 outubro 2024

terapia da fala, ler excertos... devagarinho!!!

O meu nome é Bhoye Diallo. Nasci na Guiné Conacri em 2001. Vivi ali, desde que nasci, com os meus pais e os meus dois irmãos mais novos. Durante a minha infância, tanto o meu pai como a minha mãe trabalhavam e eu e os meus irmãos íamos à escola. Tudo corria bem. Não tenho muitas recordações concretas de momentos passados nesta fase da vida. Lembro-me apenas que, por vezes, o nosso pai nos levava perto do mar, que era calmo e os meninos podiam brincar. Ou dos momentos em que ficávamos com ele a ver televisão e nos explicava o que estávamos a ver. Guardo na memória esta serenidade que ele nos fazia sentir e a curiosidade que aguçava em nós com as suas explicações. Os meus pais, mas sobretudo o meu pai, sempre acreditaram em mim e sempre disseram que eu era uma pessoa capaz de realizar os meus sonhos. Fizeram-me acreditar em mim próprio e desenvolver confiança nas minhas capacidades. Mas tudo mudou quando fiquei sem o meu pai, tinha eu 13 anos. Tinha morrido uma das pessoas que eu mais admirava na minha vida. Uma pessoa muito querida, lutadora e inspiradora para mim. Ele sempre quis que eu me tornasse uma grande pessoa que gostasse de estudar e de aprender. Dizia-me que a educação seria o meu maior trunfo para concretizar o seu sonho de tornar a Guiné Conacri um país melhor. E prometi a mim próprio, e a ele, que me ia esforçar para o concretizar. Esta tragédia marcou-me profundamente. Quando perdi o meu pai, senti-me completamente desesperado. E sempre, mas especialmente nesta fase, a minha mãe foi uma pessoa fundamental para me fazer sentir mais seguro e confiante. Ela esteve sempre comigo e sempre teve as palavras certas para as dizer quando eu precisava de as ouvir: “Não te preocupes, meu filho! Estou aqui, contigo, para o que for preciso! Vamos estar sempre juntos!” Naquela altura, na Guiné Conacri vivia-se um clima de elevada instabilidade. As manifestações populares contra o regime vigente eram diárias e a polícia resolvia a situação atirando a matar sobre as pessoas com armas de guerra. Lembro-me que um dia, a caminho da escola, por volta das 10 horas da manhã, comecei a ouvir as pessoas a gritar: “Vão todos para casa! Polícia! Polícia!” Comecei a correr, cheio de medo, a tentar escolher os caminhos certos para não ver video me cruzar com a polícia. Eu sabia que eles matavam, sem perguntar nada.... Só cheguei a casa às 16h00. Durante 6 horas, andei a fugir enquanto a minha mãe rezava, preocupada, e sem saber se eu ia chegar a casa são e salvo. Tendo em conta o contexto de guerra, a minha mãe não conseguia arranjar emprego e nós não podíamos ir à escola. Então, em 2016, a minha mãe decidiu abandonar o nosso país e ir para a Guiné Bissau, onde supostamente tudo era mais calmo e havia mais oportunidades, para que pudéssemos estudar. Mas a Guiné Bissau também não trouxe à nossa família a estabilidade que procurávamos. Naquela vila tão pequena, a minha mãe não tinha trabalho que permitisse sustentar a família e a minha avó, que era um suporte importante, ficou doente. Em agosto de 2017, a minha mãe sentou-se comigo e disse-me que teríamos de voltar para a Guiné Conacri. Senti-me a viver um pesadelo e percebi que todo o meu futuro estava em risco. Era evidente que o meu sonho, e que o sonho do meu pai, ficava ameaçado se eu voltasse à Guiné Conacri. Nessa noite, não conseguia parar de pensar nas palavras da minha mãe e disse para mim mesmo: “Eu tenho duas opções: posso continuar deitado na cama a sonhar, ou posso levantar-me e lutar para realizar o meu sonho”. E eu sabia que o meu sonho - de ser Presidente da Guiné Conacri para melhorar a situação do país onde nasci – merecia ser levado a sério. Nessa noite, tomei uma decisão muito difícil: de sair do meu país, abandonando a minha família, sem dizer nada a ninguém. Tudo para conquistar a oportunidade de ter e de dar uma vida melhor a todos e para poder continuar a estudar para realizar o meu sonho. O plano era parar no primeiro país que me permitisse isso. Fui de autocarro para o Senegal. Lá permaneci três meses, mas nada foi como eu esperava. Só me confrontei com mais dificuldades. Então continuei em direção à Mauritânia. Aqui, só tinha a oportunidade de estudar na escola corânica – conhecimentos que eu já detinha – e isso não me ajudava a realizar o meu projeto. Decidi continuar e atravessar o deserto do Sahara. As viagens para migrantes atravessarem o deserto ocorrem em condições muito duras e difíceis. Andei pelo deserto numa carrinha de caixa aberta, com mais de vinte pessoas sentadas umas em cima das outras. O espaço era muito pouco e a posição em que estávamos sentados era muito desconfortável, cansativa e dolorosa. Todos comentavam histórias que tinham ouvido sobre aquelas travessias e todos sabíamos que, que se alguém caísse da camioneta, o motorista não pararia e ficaríamos entregues a nós mesmos, à fome, à sede e ao passar do tempo. Em cada viagem, cada passageiro tinha direito a levar dez litros de água, o que é manifestamente pouco para uma viagem que pode durar entre três dias e um mês inteiro, sob o sol quente. No meio de todas estas adversidades, tínhamos que evitar o encontro com os Tuareg que, sem respeitar grandes regras, eram vistos como perigosos ladrões do deserto. O sentimento predominante era o medo. A cada segundo me confrontava com a morte. Quilómetro a quilómetro, ao longo do caminho, se olhássemos conseguíamos ver esqueletos ou ossos isolados de pessoas que já tinham tentado a fazer aquela travessia e não tinham conseguido. Ainda hoje, quando me lembro disso, sinto-me extremamente pequenino. Apesar do perigo, depois de atravessar a Guiné-Bissau, o Senegal, a Mauritânia e o deserto do Sahara, entrei em Marrocos. Eram diferentes e, no entanto, as dificuldades mantinham-se. Os árabes com os quais me cruzei tiveram inúmeras atitudes racistas para comigo. A cada dia em que estive neste país, as crianças atiravam-me pedras e insultavam-me, só por causa da minha cor da pele. Faziam isso com todas as pessoas que tinham a pele negra. Lembro-me de um dia em que fui a um restaurante em Tânger, Boukhalef. Estavam quatro jovens sentados a comer e eu sentei-me ao lado deles. Todos se levantaram e saíram do restaurante porque não queriam estar ao meu lado. Um deles até cuspiu na minha cara e as outras pessoas não disseram nada em minha defesa. Na verdade, eu estava sozinho e também não protestei, mas aquele comportamento magoou-me muito. E isto não acontecia só nos restaurantes. Mesmo na mesquita, que devia ser um local de manifestação de fé e de celebração da igualdade, as pessoas trocavam de lugar quando eu entrava para rezar. Eu sempre fui um muçulmano praticante, mas nesta altura questionei a minha religiosidade. Houve alturas em que nem sequer tinha vontade de ir à mesquita só para não me confrontar com aqueles comportamentos. No entanto, depois de refletir, percebi que estava ali para orar a Deus não por eles, por isso não desisti.

Com a Polícia marroquina, as coisas também não eram fáceis. Os refugiados eram humilhados constantemente. Com regularidade destruíam o nosso acampamento, levavam as nossas provisões, queimavam todos os nossos pertences. Mal eles chegavam, nós tínhamos que fugir pois se nos apanhassem, tiravam-nos tudo (o telemóvel, o dinheiro...) e deixavam-nos na fronteira, a 800 quilómetros de distância, sem forma de regressar a Tânger. As dificuldades eram muitas e eu tinha que lutar pela minha sobrevivência, por isso limpava as ruas voluntariamente e acabava por viver da boa vontade das pessoas que me davam algum dinheiro por isso. Mas o meu sonho continuava presente em mim e senti que tinha de continuar o meu caminho. Acabei por tentar atravessar o mar – de Tânger para a Espanha - num barco de contrabandistas. Foi uma viagem muito difícil. Éramos quarenta e oito pessoas e um bebé num barco insuflável e nesta travessia perdemos uma jovem de 15 anos por ter caído ao mar. Mais uma vez me via olhos nos olhos com a morte e com o medo. Mas felizmente, consegui chegar a Espanha. Com as experiências que vivi ao longo desta viagem – nomeadamente as histórias de discriminação e de necessidade – eu queria escolher um país onde pudesse usufruir dos meus direitos como refugiado, mas, acima de tudo, como pessoa. Pesquisei na Internet e Portugal aparecia como um dos países que melhor recebia os migrantes. Fiz tudo para conseguir chegar a Portugal, inclusivamente mentir quanto à minha idade (uma vez que eu ainda era menor) para não me impedirem de viajar. Fui muito bem-recebido em Portugal. Sinto-me bem cuidado pelas pessoas que Deus pôs na minha vida e, finalmente, voltei a estudar (mesmo tendo que aprender do zero uma língua nova, já que, quando cheguei, não dizia uma palavra de português). Mal me foi possível, telefonei à minha mãe. Já não falava com ela há meses e ela achava que eu tinha morrido pelo caminho. É muito difícil e raro sobreviver sozinho a esta travessia. Quando me ouviu começou a chorar. Pedi-lhe desculpa por ter saído sem dizer nada e renovei a minha promessa: vou estudar! Era disse-me, como quando eu era criança, que eu era muito corajoso e que acreditava que eu ia conseguir... que tinha muito orgulho em mim. A Academia de Líderes Ubuntu surgiu após a minha chegada a Portugal e foi muito importante para mim. Mudou completamente a minha vida e perspetiva sobre diversas coisas, ajudando-me a ter uma abordagem mais compreensiva, até sobre a minha própria vida.


Se me perguntarem, hoje, sobre o que é a história do Bhoye Diallo, responderia que é uma história de resiliência. Hoje, sei isso, apesar de já ter tido esta lição, pelo exemplo e boca do meu pai, ainda em tenra idade: Um dia, tinha acabado de chegar da escola e vi que o meu pai estava a plantar duas árvores. Ele virou-se para mim e disse: “Bhoye, vamos fazer uma experiência? Vou plantar uma destas árvores dentro de casa e a outra no exterior. Na tua opinião, qual é que crescerá mais rápido?”. Depois de um momento de reflexão, eu respondi: “Acho que será aquela que vai crescer dentro de casa. Evitará o vento forte e o sol quente. A vida dela será mais fácil”. Surpreendentemente, meu pai apenas respondeu: “Isso é o que veremos…”. O tempo passou e eu nunca mais me lembrei das árvores! Mas enquanto me esquecia da existência destas árvores, o meu pai continuava a cuidar delas atentamente ao longo dos anos. Três anos depois, houve um dia em que recordei este momento e pedi ao meu pai para ver o resultado. Ele mostrou-me as duas árvores e perguntou: “Então, o que é que achas? Qual é a maior?” E eu respondi: “A maior é a que cresceu fora de casa, mas não percebo porquê! Ela enfrentou muito mais provações do que a outra!” “Estás certo!” - respondeu-me. “E foram precisamente essas dificuldades que permitiram que ela se tornasse tão forte e imponente. Achas que valeu a pena passar por tudo isso? “Completamente!” - exclamei. “É evidente como os ramos se erguem majestosamente para o céu”. Neste dia, o meu pai ensinou-me uma lição de vida que nunca esquecerei. Disse-me: “Contigo passar-se-á exatamente o mesmo. Se tu optares por não fazer nada, começarás a murchar. O caminho da facilidade só te levará à mediocridade. Foram as dificuldades pelas quais esta árvore passou que a fizeram tão alta e bonita. Então, em todas vezes que tu sentires que estás a desesperar numa situação difícil, não te esqueças: sairás mais forte e maior…”.