28 janeiro 2024

- O espírito do mar do Alvor –


Terá sempre magia no mar.

O Mar é belo dita otimismos.

Diferente porque se dá pela Rádio Alvorada.

Terá amor, sardinhas e carapaus.

Tem poisos e olhares conhecidos de verão a verão.

Batalhas entre o veste a camisola e quero bronzear-me.

Ternura e amor andam por lá a fazer turismo também.

Portimão já foi mais visitado noutras épocas.

Antigamente.

Noutras vidas com chás e miúdos mais pequenos.

Hoje a descida por entre as caipirinhas ou subida até à Igreja é feita em inglês; os gelados continuam coloridos.

Sabe bem estar lá e a descanso.

Turismo vá para fora cá dentro.

Londres, Louvain la Neuve e Guiné-Bissau.

Bragança, Torres Novas e Lagos.

Passeios, ao fim da tarde, no cimo da praia.

Cantam a amizade e saboreiam ventos salgados.

O sabor a maresia que vêm com a maré cheia.

Toda a gente terá seus spots de férias.

Que mudam mais ou menos.

A última inclusão é o tiralô.

Na praia, a par da cama, é onde se lê melhor.

Alvor não convém fazer turismo, senão estraga-se!

a noite é uma parte do dia!!!


Há quem a viva mais acordado,


Quem adormeça no comboio para o trabalho.

 

Quem subsista sonâmbulo até amanhã de manhã.

 

Troque do pijama para a gravata.

 

Quem tenha pesadelos.

 

Quem não se lembra dos sonhos.

 

Para quem a vida (e a noite) são um sonho.

 

Quem tenha insónias horríveis.

 

Quem tenha dias tão atribulados que a noite serve só para descansar.

 

Há quem seja boémio e durma de dia.

 

Há quem se esqueça da noite passada.

 

Para quem a noite é a melhor parte do dia.

 

Para quem esteja passível de substituição as noites por dias.

 

Quem tenha sessões de psicanálise infindáveis e deseje escrever crônicas em forma de sonho!

 

Passe a noite a trabalhar.

 

20 janeiro 2024

quando é Wim Wenders não se explica...Dias Perfeitos...


Dias Perfeitos (2023) de Wim Wenders 

Entrevista A Wim Wenders Sobre “Dias Perfeitos”

 

15 De Dezembro, 2023

 

André MarquesLeave A CommentOn Entrevista A Wim Wenders Sobre “Dias Perfeitos”

 

O realizador de Paris, Texas (1984) e de As Asas do Desejo (1987) regressa com Dias Perfeitos (2023), uma reflexão comovente e poética sobre como encontrar a beleza no mundo quotidiano que nos rodeia.

 

Filmado no Japão, o filme centra-se na personagem de Hirayama que leva uma vida simples, a limpar casas de banho públicas em Tóquio. Para lá da sua rotina diária muito estruturada, Hirayama tem uma paixão por música e por livros. E adora árvores e fotografa-as. Uma série de encontros inesperados vai revelar pouco a pouco o seu passado.

 

Uma das figuras mais importantes do cinema alemão contemporâneo, Wim Wenders assina uma contemplação filosófica sobre as curiosidades da vida e uma celebração dos pequenos prazeres e momentos:

 

Dias Perfeitos assinala o seu regresso ao Japão após várias décadas. Resumidamente, como é que isso aconteceu e qual é a história do filme?

 

Wim Wenders: O filme surge sob a forma de uma carta inesperada no início do ano passado. “Estaria interessado em filmar uma série de curtas-metragens de ficção em Tóquio, umas 4 ou 5, com cerca de 15 a 20 minutos cada? Todas elas falariam de um projeto social público notável, envolveriam o trabalho de grandes arquitetos e nós garantiríamos que seria o Wim a desenvolver os argumentos e asseguraríamos o melhor elenco possível. Garantiríamos ainda que teria total liberdade artística”. Achei aquilo, no mínimo, interessante. Há anos que eu desejava voltar ao Japão e tinha imensas saudades de Tóquio. Continuei a ler: o tema envolveria casas de banho públicas e a ideia era encontrar uma personagem através da qual se pudesse compreender a essência de uma cultura japonesa acolhedora, na qual as casas de banho desempenham um papel totalmente diferente do que aquele que têm na nossa visão ocidental de “higiene”. De facto, para nós, as casas de banho não fazem parte da nossa cultura, antes pelo contrário: encarnam a sua ausência. No Japão, são pequenos santuários de paz e dignidade. Gostei das fotos que vi dessas maravilhas da arquitectura. Pareciam mais templos de higiene do que casas de banho. Gostei da ideia de “arte” ligada a elas. E gostei até bastante de as ver num contexto ficcional. Sinto sempre que os “lugares” estão mais bem protegidos nas histórias do que num contexto não ficcional. Mas não gostei da ideia de uma série de curtas-metragens. Não é a minha linguagem. “E se, em vez de filmar 4 tiradas de 4 dias,” respondi “filmássemos um filme a sério nesses 17 dias? O que se pode fazer com 4 curtas-metragens? Imaginem que tinham uma longa-metragem!” A resposta foi: “Adorámos a ideia! Mas é possível fazê-lo?” Eu escrevi de volta: “Sim! Se a história decorrer em poucos locais e se limitar a ter um protagonista. Mas primeiro, eu teria de ir aí ver isso com os meus próprios olhos. Não consigo imaginar uma história sem conhecer os lugares onde ela decorre. E estou no meio de uma filmagem. Posso dar-vos uma semana em Maio e poderemos fazê-lo em Outubro, altura em que estarei na pós-produção deste filme.” (Que era Anselm – O Som do Tempo, já no segundo ano e na sala de montagem. As filmagens estavam todas concluídas). Acabei por passar 10 dias em Tóquio, em Maio. Consegui encontrar o actor perfeito para o possível papel que viria a ser escrito, Koji Yakusho (que já vira em uma dúzia de filmes e sempre admirara). Vi os lugares, todos localizados em Shibuya que adoro. Aquelas casas de banho eram tão belas que parecia mentira. Mas o filme não seria sobre elas. Isto só se poderia tornar um filme se conseguíssemos criar um cuidador único, uma personagem real e verdadeiramente verossímil. A sua história importaria, por si só, e ele só nos prenderia se sentíssemos que valia a pena ver a sua vida, conhecer aqueles lugares, e todas as ideias associadas a eles, como o sentido agudo do “bem comum” no Japão, o respeito mútuo pela “cidade” e “de uns pelos outros” que tornam a vida pública no Japão tão diferente da do nosso mundo. Eu nunca poderia escrever isto sozinho. Mas tive um óptimo parceiro do crime, o co-argumentista Takuma Takasaki. Revirámos tudo para encontrar o nosso homem…

 

O filme descreve de forma quase poética a beleza do quotidiano através da história de um homem que vive uma vida modesta, mas muito realizada, em Tóquio.

 

Wim Wenders: Sim, tudo isso é verdade. Mas tudo saiu de Hirayama. Foi o nome que decidimos dar a este homem que aos poucos foi tomando forma diante da nossa visão interior. Imaginei um homem que tivera um passado privilegiado e rico e que resvalara profundamente. E que então, um dia, quando a sua vida estava no ponto mais baixo, tivera uma revelação, ao observar o reflexo das folhas criado pelo sol que brilhava milagrosamente no buraco do inferno em que ele estava a acordar. A língua japonesa tem um nome especial para essas aparições fugitivas que às vezes surgem do nada: komorebi, a dança das folhas ao vento, projetando-se como um jogo de sombras numa parede à sua frente, fruto de uma fonte de luz existente no universo, o sol. Tal aparição salvou Hirayama e ele escolheu viver outra vida, uma de simplicidade e modéstia. Assim se tornou o homem da limpeza que conhecemos na nossa história. Dedicado, satisfeito com as poucas coisas que possui, entre elas a sua velha máquina fotográfica (com a qual ele só fotografa árvores e komorebis), os seus livros de bolso e o seu velho gravador com a coleção de cassetes que guardou da juventude. A sua escolha musical também nos deu o nosso título, quando Hirayama (já no argumento) um dia ouve “Perfect Day” de Lou Reed. A rotina de Hirayama tornou-se a espinha dorsal do nosso argumento. A beleza de um ritmo tão regular no padrão diário em que tudo é “sempre o mesmo” é que se começam a ver todas as pequenas coisas que não são iguais e que mudam de dia para dia. O facto é que se aprendermos realmente a viver inteiramente no aqui e agora, deixa de haver rotina, havendo apenas uma cadeia interminável de acontecimentos únicos, de encontros únicos e de momentos únicos. Hirayama transporta-nos para esse reino de felicidade e contentamento. E à medida que o filme vê o mundo através dos seus olhos, nós vamos estendendo a mesma abertura e generosidade a todas as pessoas com que ele se cruza: o seu preguiçoso colega Takashi e a sua namorada Aya, um sem-abrigo que vive num parque onde Hirayama trabalha todos os dias, a sua sobrinha Niko que se refugia na casa do tio, a “mamã”, a dona de um modesto restaurante onde Hirayama vai nos seus dias de folga, o ex-marido desta e muitos outros.

 

O que há no Japão e na sua cultura que exerce tanto fascínio sobre si e, especificamente, quais são os elementos da cultura japonesa prevalentes para si neste filme?

 

Wim Wenders: “Serviço” tem uma conotação totalmente diferente no Japão e no nosso mundo. No fim das filmagens conheci um fotógrafo americano famoso que não queria acreditar que eu tinha feito um filme sobre um homem que limpava casas de banho. “Essa é a história da minha vida!” disse-me. “Quando ainda jovem vim para o Japão para aprender artes marciais, o professor famoso que procurei disse-me: “Se trabalhar seis meses a limpar casas de banho públicas, limpando-as todos os dias, então pode voltar a procurar-me”. E foi isso que eu fiz. Levantava-me todos os dias às 6h para limpar casas de banho, num dos bairros mais pobres de Tóquio. O professor acompanhou isso à distância e depois aceitou-me como seu aluno. Mas ainda hoje o faço durante uma semana, todos os anos.” (O homem tem agora sessenta e tal anos e nunca mais regressou à América). Mas adiante, isto é apenas um exemplo. Há outras histórias de directores de grandes empresas que só conquistaram o respeito dos seus trabalhadores depois de chegarem ao trabalho antes deles e de limparem as casas de banho comuns. Este não é um trabalho “inferior”. É antes uma forma de atitude espiritual, um gesto de igualdade e modéstia. Basta viver um pouco na América para entender a importância do “Bem Comum”. Uma vez, durante uma longa estadia no Japão, quando eu estava a trabalhar lá nas sequências de sonhos de Até ao Fim do Mundo, recebi a visita de um amigo americano que nunca fora ao Japão. Era Inverno e muitas pessoas andavam de máscara (trinta anos antes da pandemia). “Porque estão todos com tanto medo de apanhar um vírus?” perguntou-me o meu amigo. Eu respondi-lhe: “Não é nada disso. Eles já estão constipados e usam máscaras para proteger os outros”. Ele olhou-me incrédulo: “Estás a brincar!”. Não estavam, esta é uma atitude comum.

 

Está ligado a Tóquio e ao Japão há muito tempo. A própria Tóquio desempenha um papel importante em Dias Perfeitos, porque teve a oportunidade extraordinária de filmar em locais onde normalmente não é permitido filmar. Como foi a experiência de filmar em Tóquio? E que mudanças encontrou em Tóquio desde Tokyo-Ga?

Wim Wenders: Adorei Tóquio da primeira vez que andei por lá e me perdi. Isso foi já no final dos anos setenta. Foi um momento de pura admiração. Passava horas a deambular, sem saber onde estava naquela cidade enorme, e depois entrava numa estação de metro e procurava a estação do meu hotel. Todos os dias ia para uma zona diferente. Pasmava-me a estrutura aparentemente caótica da cidade, onde se podiam encontrar quarteirões antigos de velhas casas de madeira ao lado de arranha-céus e cruzamentos movimentados, caminhar por baixo de duas ou três camadas de vias rápidas, um cenário de ficção científica, encontrando mesmo a seu lado os mais pacíficos bairros residenciais e labirintos de ruazinhas. Fiquei fascinado com o futuro que pude ver a formar-se. Naquela altura, eu sempre vira os Estados Unidos como o sítio onde encontrar o futuro. Aqui no Japão encontrei outra versão do futuro, uma que me agradou muito. E então, claro, aprendi muito com os filmes de Yasujiro Ozu (que ainda é assumidamente o meu mestre, mesmo só tendo conhecido o seu trabalho quando já era um jovem cineasta com vários filmes no meu currículo). Ele dera-nos um relato quase sismográfico das mudanças na cultura japonesa desde os anos 20 até o início dos anos 60, quando morreu. Fiz Tokyo-Ga em 82 seguindo a sua lógica, tentando ver como Tóquio já havia mudado desde a última vez que ele lá filmara, 20 anos antes.

 

É famoso por integrar a música nos seus filmes de forma muito especial. Agora, em Dias Perfeitos, mostrou-nos um conceito musical muito especial.

 

Wim Wenders: Pareceu-me errado conceber uma “banda-sonora” para esta simples vida quotidiana. Mas, à medida que Hirayama ouve as suas cassetes de música que vai basicamente dos anos 60 aos anos 80, as suas preferências musicais dão-nos a banda-sonora da sua vida, desde Velvet Underground, Otis Redding, Patti Smith, The Kinks ou Lou Reed a outros, e também a música japonesa desse período.

Dedicou o filme ao mestre Ozu. Que elementos da obra dele tiveram mais influência em si?

Wim Wenders: Sobretudo o sentimento que os filmes dele nos passam de que tudo e todas as pessoas são únicas, que cada momento só acontece uma vez, e que as histórias do quotidiano representam histórias eternas.

A autoria desta entrevista ficou a cargo da Thé Match Factory / Alambique.

 


17 janeiro 2024

Partido alto - Chico Buarque


Partido Alto

Chico Buarque


Diz que deu, diz que dá
Diz que Deus dará
Não vou duvidar, ó nega
E se Deus não dá
Como é que vai ficar, ó nega
Diz que Deus diz que dá
E se Deus negar, ó nega
Eu vou me indignar e chega
Deus dará, Deus dará

Deus é um cara gozador, adora brincadeira
Pois pra me jogar no mundo, tinha o mundo inteiro
Mas achou muito engraçado me botar cabreiro
Na barriga da miséria nasci batuqueiro (brasileiro)*
Eu sou do Rio de Janeiro

Jesus Cristo inda me paga, um dia inda me explica
Como é que pôs no mundo esta pobre coisica (pouca titica)*
Vou correr o mundo afora, dar um canjica
Que é pra ver se alguém se embala ao ronco da cuíca
E aquele abraço pra quem fica

Deus me fez um cara fraco, desdentado e feio
Pele e osso simplesmente, quase sem recheio
Mas se alguém me desafia e bota a mãe no meio
Dou pernada a três por quatro e nem me despenteio
Que eu já tô de saco cheio

Deus me deu mão de veludo pra fazer carícia
Deus me deu muitas saudades e muita preguiça
Deus me deu pernas compridas e muita malícia
Pra correr atrás de bola e fugir da polícia
Um dia ainda sou notícia

14 janeiro 2024

uma (outra) perspectiva sobre a Amizade


L'AMITIÉ, un film documentaire d'Alain Cavalier, Bande-annonce

A amizade é uma forma de Amor, e, portanto, não se explica!

Todos lidarão com ela de diferente maneira, há quem tenha mais ou menos jeito, seja um animal social. 

E/ou há pessoas sozinhas,, isoladas, também é preciso ter um certo jeito para viver sozinho.

Este filme documentário é feito de forma tradicional: filmado no momento entre amigos, é como vier!

Tradução do google:

A jornada cinematográfica de Alain Cavalier é incrivelmente única. Autor de filmes consagrados (Le Combat dans l'île, 1961; L'Insoumis, 1964) ou de filmes mais clássicos (Mise à sac, 1967; La Chamade, 1968), foi subitamente profundamente marcado por um drama pessoal, que o levou recolher-se em si mesmo (Esta secretária eletrônica não recebe mensagem, 1979) e entregar-se à pureza (Thérèse, 1986; Libera me, 1993). Cuida então de identificar o mais fielmente possível a verdade intrínseca de uma atividade artesanal feminina (Retratos de Alain Cavalier, 1987-1992) ou de um ser (René, 2001) e deixa de ser cineasta para se tornar Le Filmeur (2004). . Trabalhando sozinho e usando apenas uma ferramenta, sua câmera DV, ele agora se esforça para capturar o mundo interior tanto de pintores renomados (Bonnard, 2005; Caravaggio, 2015) quanto de conhecidos próximos (Emmanuèle Bernheim em Being Alive and Knowledge, 2019). O que o levou muito naturalmente, no ano passado, a celebrar a amizade que sempre manteve com três pessoas associadas às respectivas filmagens de Thérèse (o produtor de filmes de arte Maurice Bernart), Libera me (Thierry Labelle, corretor de vida e papel de um lutador da resistência no filme), ao qual se soma o escritor e letrista Boris Bergman, com quem Cavalier teve um projeto cinematográfico para Alain Bashung.

É letrista de cerca de mil canções, incluindo a lendária Vertigo de l'amour desta última, que é o tema da primeira sequência de L'Amitié, a que mais ilustra fortemente o tema do filme. Boris Bergman evoca o seu passado familiar, o seu trabalho com a cantora que morreu demasiado cedo, o seu espanto constantemente renovado ao ver duas fotos de Gloria Graham, o seu prazer em encontrar a letra de uma canção hebraica, o seu divertimento pouco embaraçado ao mostrar a sua atitude extremamente escritório bagunçado, mas também a lembrança inesquecível de seu encontro com sua discreta esposa japonesa, Masako Nonaka. Tudo é pontuado tanto por belos e profundos silêncios como pelos sorrisos ternos de uma eterna criança. Filmada com respeito e admiração por Cavalier, a partir de longas sequências, esta primeira parte permite-nos captar com muita simpatia a textura da alma deste grande amigo do cineasta.

Maurice Bernart oferece-lhe uma segunda oportunidade para tratar adequadamente o seu assunto, desta vez com mais distância. A este produtor corajoso, por vezes até imprudente (Les Ailes de la colombe, Benoît Jacquot, 1981), deve o seu maior sucesso no ecrã, o seu retrato muito pessoal de Thérèse de Lisieux. Marcado pela idade, buscando uma certa serenidade à medida que a grande partida se aproxima, o anfitrião com três casas e um cavalo de fogo recebe Cavalier com uma certa circunspecção admiradora. Também se entrega com muita naturalidade ao jogo de perguntas e respostas, não escondendo o vício de setenta anos pelo cigarro, a crença na separação entre corpo e alma, a necessidade de usar sapatos bem engraxados, o ódio às moscas, aos passarinhos e a palavra “passo”. Cavalier lembra que não gostou de ler no roteiro de Thérèse que veríamos a freira sentada em um penico, que o cineasta da época apagou rapidamente. Tal como acontece com Boris Bergman, o nosso filmer não deixa de dedicar tempo à esposa do produtor, uma escritora de renome (ela recita um trecho do seu romance Life as in the Theatre), mas também uma antiga “modelo” de Robert Bresson, Florence Delay, que desempenhou o papel-título em O Julgamento de Joana D'Arc (1962). Também aqui a filmagem pretende ser próxima, não resistindo à necessidade existencial de mostrar a necessidade diária sentida por este homem feliz mas cansado de tirar uma “soneca meditativa”. Um acompanhamento, para outros o mais intrusivo, mas para o Cavalier, o mais amigável.

A terceira parte é dedicada a um dos principais intérpretes do filme sem palavras, mas com imagens eloquentes, Libera me. Na época das filmagens, Thierry Labelle era mensageiro. Ainda está, vive, com a mulher Malika (que não quer ser mostrada) e a tartaruga, numa casa com horta, com muitas árvores de fruto, que demoraram vinte anos a financiar. De origem modesta, o homem com linguagem simples e espontânea, pontuada por risos tão constrangidos quanto agradecidos, fala com uma naturalidade comovente sobre seu grave acidente de moto e também sobre suas unhas que antes estavam roídas e agora limpas desde Covid. Ele mostra à câmera de seu ex-diretor seu capacete de bombeiro que ficou estreito demais, mas também um quadro que ele pintou (uma tampa de escoadouro para a água da chuva) e uma barra vermelha) em referência à Sida. Um retrato que completa perfeitamente o conjunto, em que três classes sociais diferentes, outrora opostas e vingativas, se fundem numa só, a da amizade universal. Isto por um artista cuja rejeição do cinema industrial e sua escolha de se dedicar ao puro amadorismo.

um baterista pode cantar?

 

Buddy Miles - Them Changes 1970





Josh Dion - A Vision Complete (Drumeo)




 

 Eagles - Hotel California (Live 1977)

04 janeiro 2024

Dares atenção às pequenas coisas

Dares atenção às pequenas coisas que se passam à
tua volta, que na maior parte das vezes não são
faladas porque fazem parte do dia a dia e parecem
invisíveis. O mais difícil é contar uma história ou
situação simples. (dealer Carmo Mateus)

O quarto onde estou parece uma resposta à dealer:
tem muitas pequenas coisas como um puzzle que se
foi montando e agora vai acumulando e arrumando
peças.

Ando muito tempo ocupado em coisas maiores
(amores, guerras, refeições, escrita, terapias e por
aí) e esqueço-me das menores como olhar à volta.

É assim como as vidas onde vamos tentando encontrar aqui e ali interesses, gostos, construindo à nossa volta ânimos.

Estou a ler um livro curioso, oferta de alguém
fascinante: Filosofia para exploradores polares,

Tive ontem uma amiga minha que dizia num e-mail: vida é difícil, ora que belo, não acho e é das coisas porque me esforço a discordar em cada momento…

Lamento desanimar-te, mas não acho nada disso ou
talvez tenha nessa dificuldade seu interesse principal, ninguém gosta de jogos fáceis… e até acho um privilégio existir.

Às vezes, mais quente, outra mais fria, mas sempre
com pequenas coisas a que dar atenção.

A vida está tão bem construída que se chega a
inventar Deuses para potencializar tanta harmonia
no nosso corpo; quando falham percebes como são
perfeitos e recolhem forças nas nossas debilidades.

Ex: quando a fala falha os ouvidos funcionam
melhor!

E a sociedade está muito bem construída: escolas,
hospitais, governos centrais e locais.

E o amor que pinta cores, constrói arquiteturas e
edifícios, gera saberes e sabores.

A vida está cheia de pequenas coisas e é com cada
um estar atento às que lhe fazem brilhar os olhares,
é uma visão meio egoísta esta, mas o altruísmo
pode ser uma forma de egoísmo.

Tudo na vida se dirige ao EU, é contigo abrires
espaço aos outros para engradecerem teu EU, perdoem-me quem não concorda; há quem tenha grande classe a alimentar-se do Outro!!

Tem palavras, comunicações, passos, ideias, imagens, luzes, livros, perfumes, cremes,
pomadinhas, cores, danças, grupos, egoístas,
carros, canetas, museus, filmes, tele móveis,
institutos, hospitais, banhos, lugares, silêncios,
piscinas, janelas, jardins, memórias, e tanta coisa
mais que o meu Amor por vocês não me deixa
descobrir.

Preciso de dizer tudo isto porque gosto de escrever e é uma forma de estar convosco!