20 maio 2025

A Máquina de Ganhar Eleições

Pensar fora da caixa dói muito

Curto interlúdio:
Se vivemos num mundo telecomandado, há coisas que não são naturais, como até aqui: a história não se repete mas pode ser condicionada.



Os resultados das eleições legislativas são uma
surpresa para todos os falantes da coisa política que
preenchem o espaço público. Entre os perdedores,
estão também eles.

“Refletir”, “fazer uma reflexão profunda”: eis o que os partidos em estado de catástrofe e ainda em fase de ruminação disseram que iriam fazer, recorrendo a um tópico retórico tradicional, muito repetido nestas circunstâncias. Anteriores apelos circunstanciais a uma “reflexão profunda” não produziram um único pensamento de destaque e digno de registo.

As hipóteses explicativas do resultado das eleições
começam logo na noite da contagem dos votos.
Gente autorizada nestas andanças e com muito
treino na arte da análise e do comentário procura
razões plausíveis para as quedas abruptas e as
ascensões eufóricas. Buscam nos resultados da
votação uma racionalidade política, evocam os
determinismos e as contingências económico-
sociais, redesenham o esquematismo das causas
que produzem determinados efeitos, de acordo com
uma antiga codificação que estas exegeses
espontâneas (a “opinião” no seu sentido mais
caricato) têm como pressuposto, incapazes de
perceber que a origem dos abalos já não está no
lugar onde tentam encontrá-la.

Toda esta racionalidade teve o seu tempo de
vigência. Mas a prova inequívoca de que já não
vigora reside no facto de os resultados das eleições
serem uma surpresa para todos estes falantes da
coisa política que preenchem o espaço público.
Entre os perdedores, estão também eles, que não
vão além da evocação do populismo, do voto de
protesto, da influência das redes sociais, da
hipocrisia dos líderes, sem pecado nem punição.
Tudo isso é verdade, mas é insuficiente para que os
cálculos sejam, pelo menos, um pouco mais
certeiros. Alguns, muitos, gostam também de nos
martelar com a ideia de que a esquerda é “woke” e
isso só serve para pôr as pessoas a saltar para o
regaço da direita; e dizem que a esquerda
abandonou o povo e a luta de classes, deleitando-se
em festins de caviar e voltando as costas ao
chouriço e ao vinho tinto.
Se seguir o modelo de anteriores “reflexões”, a
“profunda reflexão” agora prometida não produzirá
grandes resultados. Se me é permitido — a mim,
que não tenho nenhuma autoridade nestas matérias
— sugerir aos intervenientes nos enclaves da
reflexão por onde devem começar, sugeriria o
seguinte: não prossigam na mesma lógica do
discurso viciado dos comentadores e analistas.
Tentem pensar fora ou ao lado dessa racionalidade,
leiam outras coisas, para pensar o mundo em que
vivemos. Digo-o sem altivez nem arrogância, mas
com a humildade de leitor.

Vamos então a uma bibliografia mínima. Proponho,
sobretudo às esquerdas, que leiam um livro que
acaba de ser publicado em França. Chama-se La
Machine à Faire Gagner les Droites e o seu autor é
um notável professor de Literatura e de Teoria dos
Media, co-director da revista Multitudes, chamado
Yves Citton (que poderá ser ouvido, na Culturgest,
Lisboa, dia 28 de Maio às 19h, onde proferirá uma
conferência sobre um tema do qual é especialista: a
atenção). As suas teses para o entendimento da
generalizada “direitização” (um neologismo que dá
conta desta tendência: a direita atual identifica-se
com o que dantes era a extrema-direita) partem
desta evidência: por todo o lado, no mundo, as
direitas e a as extremas-direitas estão a ganhar as
eleições. Esse fenómeno transnacional destitui de
razão todas as explicações baseadas em fatores da
vida política nacional. Yves Citton mostra então que
todas essas direitas estão habilmente enxertadas
numa máquina eleitoral e mediática comum, numa
engrenagem transnacional que explica as suas
conquistas.
A mediarquia resulta, portanto, numa publicocracia e
não numa democracia. Por isso, quando os nossos
políticos aceitam ser entrevistados naqueles
programas televisivos de entretenimento,
oferecendo-se como pasto a um público constituído,
estão a alimentar a lógica que aniquila a
democracia. Aquilo a que Citton chama a “Machine à
Faire Gagner les Droites” (ele utiliza as maiúsculas)

é uma máquina de constituir certos tipos de público.
Ideias e programas, características éticas e tudo o
mais, seja ele da ordem do fazer ou do dizer, pouco
podem fazer ao estado das nossas formas e infra-
estruturas mediáticas. É isto que Citton descreve e
analisa de maneira notável, apelando à necessidade
de criar contramaquinações a toda esta
engrenagem.

Toda a “reflexão” deve começar por pensar esta
Máquina que traduz toda a informação em
propaganda e que, em última análise, substituiu
antigas máquinas policiais.

Sem comentários: