24 março 2009

chaveiro fala da sua mãe

Zé Maria:


Desde o dia em que a minha mãe te conheceu na secretaria do ISCSP e tu lhe perguntaste se ela era da tua turma que a nossa amizade, embora tu não saibas disso, começou. Ela chegou a casa e contou logo que tinha conhecido um miúdo da nossa idade que era muito engraçado e que lhe tinha perguntado isto e aquilo e logo aí começou a simpatia por ti. Esta simpatia cresceu com as coisas maravilhosas que a minha mãe dizia de ti, “muito bom coração”, “muito isto, muito aquilo”…

Também relacionado com o facto de um dos meus maiores amigos se chamar Zé e eu achar muitas semelhanças entre os dois, quando te conheci, tudo o que a minha mãe disse começou a fazer sentido… um verdadeiro “gingão”, um “beija-flor”…. Mas também uma pessoa linda, de um enorme coração, um verdadeiro amigo, um sonhador…

Lembro-me que a ultima vez que tínhamos estado juntos, antes do estágio de vida, tinha sido em minha casa e na da minha mãe, tinhas lá ido conhecer o “chalé de duas frentes” e tinhas estado a brincar com o Manuel. Tirei-te umas fotos, com o Manuel e com a minha mãe e fazíamos ideia de tas oferecer pelo Natal. Não sei precisar quando foste visitar o chalé, mas devia ser Setembro, Outubro.

Sim Zé, o dia 17 de Novembro de 2006 foi um choque na família Chaves… todas te tínhamos aprendido a admirar e nutríamos por ti uma amizade enorme (é estranho que mal nos conhecemos mas já tínhamos tanto em comum… a minha mãe).

Acho que tudo começou quando recebemos um telefonema da tua tia São, também ela uma Enorme Pessoa e alguém que a minha mãe sempre admirou, e tudo o que ela nos contou nos pareceu tão distante e tão incrédulo.
Acho que só comecei a perceber que era de facto verdade o que te tinha acontecido quando fomos pela primeira vez ao Hospital São Francisco Xavier. Lembro-me bastante bem, fomos as três, eu, mãe e irmã e íamos à espera de qualquer coisa, que não era o coma em que te encontravas, levávamos a minha irmã e tínhamos esperança que por ser médica ela trouxesse melhores noticias. Chegamos á cave onde estavas e estava repleto de pessoas…. Montes de gente, todas concentradas numa porta que nos levava aos cuidados intensivos. Mal chegámos, toda a gente começou a olhar para nós e todos eles fizeram as perguntas que nós também fizemos a nós mesmas… estas estão para ver o Zé??? Sentada num banco na cave encontramos a tua tia São e a minha mãe agarrou-se a ela. Ela tal como a vejo hoje, vi-a naquele dia, com uma esperança sem fim… entretanto, fomos conhecendo as pessoas todas que ali estavam e foi-se criando um verdadeiro espírito de vigília nas longas semanas que passaste ali, naquele hospital.
A primeira vez que consegui entrar para te ver e eu te vi… senti uma grande revolta, não era justo que alguém como tu estivesse entre a vida e a morte, não era justo que a vida nos tivesse tirado uma pessoa tão maravilhosa como tu. A minha irmã conseguia entrar sempre à socapa e nós tínhamos sempre informações acerca do teu estado, mas no primeiro dia que te fomos ver as noticias que ela trazia de lágrima no olho eram muito más e sei que fizemos o caminho até casa as três a chorar, sem conseguir dizer uma palavra. Acho que nessa altura duvidámos mesmo que conseguias, Zé. Eu duvidei e a minha irmã pela experiência dela, também duvidava e isso deixava-me ainda mais insegura… a esta distância admiro todos aqueles que nunca duvidaram, admiro as conversas que se faziam na vigília à porta da entrada para te ver… admiro a força daquelas pessoas que te acompanharam… admiro a tua mãe, o teu pai, a tua tia, o teu tio Zé.
Fomos mais uma mão cheia de vezes ao Hospital São Francisco Xavier para te ver e as noticias que a minha irmã trazia de lá de dentro continuavam a ser muito más… até que houve um dia que a médica disse para a minha irmã estas palavras: “o que a medicina podia fazer por ele já fez, agora é ver se ele reage, mas nestes casos…”. Entretanto as amizades à porta da malfadada porta de entrada para a visita do São Francisco Xavier continuavam a aumentar. As melhoras eram poucas e o tempo passava devagar. Lembro-me que pouco tempo depois de teres chegado ao Hospital houve um grande acidente com 4 miúdos e o rapaz que “foi o culpado” do acidente foi o único que sobreviveu e que estava numa cama ao lado da tua … não te posso dizer ao certo como aquilo era, sei que só tinha luz artificial e a tua cama ficava ao fundo do corredor. Nós entravamos a correr para ir depressa em direcção à tua cama e sair a correr para ver se mais alguém podia entrar… só entrava uma pessoa e aquilo era altamente controlado. Tu estavas ali deitado a dormir, mas tinhas uma expressão de serenidade e de calma que chegámos a comentar lá em casa. Os teus pais e tios estavam sempre a ver melhoras e não houve um dia que a minha mãe não estivesse em contacto com a tua tia.

Depois disto e da medicina ter feito o que podia por ti e acho que bem… foste transferido para o Hospital Amadora Sintra, para mim a tua pior estadia e francamente a estadia em que a evolução foi mais lenta. Nessa altura penso que já não estavas em coma. Passámos tardes intermináveis à entrada daquele hospital. Apenas podia entrar uma pessoa de cada vez e haviam umas senhas na recepção que se iam buscar, se alguém as tivesse levantado, já não se podia entrar. Foi preciso muita organização para que toda a gente que te ia visitar conseguisse ver-te. A senha era passada uns aos outros, para não se perder tempo, em cima do segurança que barrava a entrada.

Nessa altura a expressão de aparente serenidade que tinhas no São Francisco Xavier tinha desaparecido, estavas a ficar de dia para dia cada vez mais magro e tinhas uma expressão triste de quem não conseguia comunicar com o mundo. Sentias muita sede, já não sei ao certo precisar a razão, e estavas sempre a pedir água, mas não podias beber… nós fazíamos o que podíamos… molhávamos-te a boca com um algodão… tinhas os lábios todos feridos.

Numa das muitas visitas que te fizemos, estavas sentado junto à janela (o teu quarto tinha uma janela), onde eu colocava as flores de balão que todos os fins de semana te fazia para animar um pouco o teu quarto e a minha mãe pediu-te para escreveres “mãe”, nesta altura mal seguravas a cabeça e tinhas o lado esquerdo praticamente paralisado, mas pegaste na caneta e escreveste… MÃE… a minha mãe tem esse papel guardado até hoje…

Numa das muitas visitas que te fizemos estavas deitado na cama e eu e a minha irmã (que entrou à socapa, como sempre) estávamos a conversar contigo na beira da tua cama. Tu estavas muito, muito impaciente com sede e gritaste “água”, “agua”, “água”… Que eu tenha ouvido, voltaste a gritar “água” mais uma ou duas vezes no Hospital Amadora-Sintra. A minha ideia é que a partir de certa altura da tua estadia no Amadora Sintra, pouco evoluíste e mesmo aqueles “rasgos” de tentativa de libertação da mente deixaste de ter. Perdeste muito peso e todos os dias tentavas arrancar a traqueostomia.

Numa das muitas visitas que te fizemos, já para o fim do teu estágio no Amadora Sintra, fomos ao bar do Hospital beber um café e estava lá a tua mãe a comer uma sopa, e ela disse-nos: “o Zé Maria vai para o Alcoitão”... Aquelas palavras foram muito importantes. Foi o início de um novo estágio (o mais promissor), dentro do teu estágio de vida.

No Alcoitão, foi sempre a melhorar. Chegaste lá com um peso baixíssimo, eras só ossos, mas acho que na primeira vez que te vimos no Alcoitão já havia melhoras em relação ao Amadora Sintra. No Alcoitão, eu e a minha mãe, íamos visitar-te cedo, logo pela manhã, não havia horário de visitas e a qualquer hora dava para te visitar. Cada dia que lá íamos havia uma pequena vitória. Era a cabeça que se segurava melhor, era a expressão mais tua, era…. Tudo. No Alcoitão a maior vitória foi quando conseguiste comunicar connosco através das letras do abecedário… aí percebemos todos que intelectualmente estavas a 200% e que devagarinho (ainda tens um longo caminho a percorrer) ias conseguir superar-te. Fizemos longos passeios no parque do Alcoitão e tu com o Manuel (ainda muito pequenino) ao colo. Fomos com ele ao parque e demos voltas contigo ao longo do Alcoitão. Estivemos a conversar todos ao sol, a cantar, a sorrir, a partilhar… criou-se ali uma verdadeira amizade entre gentes que tinham em comum apenas o Zé Maria… entretanto tiraram-te a traqueotomia e a evolução foi muito maior… começaste a comer e a engordar um bocadinho e cada vez comunicavas melhor com o mundo que te rodeava. Começaste a segurar a cabeça, e fazer os “tans-tans”, a mexer melhor o lado esquerdo, a controlar a baba.
Começaste a vir passar os fins-de-semana a casa, a passá-los com os amigos…

Agora e num futuro falta-te apenas falar e caminhar… o “apenas” é para que saibas o quanto já andaste!

Agora e num futuro vais adquirir a tua independência… eu acredito nisso, já andaste tanto até aqui, acredito em ti e tua Enorme força de viver a vida e vivê-la bem.

Sim, Zé Maria, quando te vi ali em coma nos cuidados intensivos tive medo de nunca mais te ver sorrir … tive medo que nunca mais conseguir ler as coisas maravilhosas que escreves… tu és Grande… tu ainda tens muito para dar a este mundo.

Sim Zé Maria, tu és uma força da natureza, mas a tua força são também a mãe Teresa, o pai Fernando, a tia São e o tio Zé… pessoas maravilhosas que aprendi a amar e a admirar… e todos os teus amigos, muito e bons.

Nunca conheci ninguém com tantos amigos e com tão bons amigos, mas como na vida tudo tem uma razão, essa razão está em ti e na pessoa maravilhosa que és… na enorme estrela que és.


Do fundo do meu coração,
UM MUITO OBRIGADA POR PODER FAZER PARTE DO TEU MUNDO!


Catarina (a filha lamechas)

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