Robin Williams, a noite e o riso
Robin Williams era o tipo que se estava sempre a
rir, e nós não podemos esperar do tipo que se está sempre a rir, do
homem mais bem-disposto da sala, da máquina de produzir gargalhadas, do
humorista destravado, excessivo e imparável, que pegue num cinto para se
enforcar, aos 63 anos de idade. Ele não. Ele era o tipo divertido.
Infelizmente, a distracção é nossa: não há qualquer relação entre o riso e a felicidade. Ou se há, é uma relação contrária à que se poderia esperar. O humor é uma arma para enfrentar o absurdo da vida e uma das mais elevadas provas da nossa inteligência. O riso é a nossa defesa contra a consciência da finitude e o instrumento privilegiado para espantar a morte; é, digamos assim, o paliativo que Deus encontrou para que conseguíssemos enfrentar o mais abstruso dos dilemas da criação:
"Terás
em simultâneo a consciência da morte e o desejo de imortalidade. Vai ser
terrível. Mas Eu vou deixar que te rias disso."
E nós rimos, claro. E o riso ajuda-nos a suportar dores,
tristezas, melancolias. Mas o bom humorista não tem a mesma sorte - ele
está demasiado perto da matéria que queima, vê com demasiada clareza o
absurdo da vida. É por isso que nos faz rir: tem um acesso privilegiado
ao código do mundo, aponta o dedo à mecânica silenciosa do quotidiano e
desmonta as suas peças, a sua arte consiste em chamar a atenção para um
certo tipo de óbvio (tiques, truques, hábitos, rituais) que nós não
vislumbramos.
Todo o grande humorista tem um acréscimo de lucidez. E
esse excesso de lucidez empurra-o, com assustadora frequência, para os
braços da tristeza e da depressão. Demasiado lúcido para ser feliz.
Repare-se
na biografia habitual dos grandes humoristas: filhos únicos, caixas de
óculos, miúdos privilegiados mas solitários, pouco sociáveis, gordos,
onanistas, nerds, tipos que na adolescência só se conseguem
integrar através do humor - o riso é o cavalo de Tróia que lhes permite
entrar no mundo. Reparem também como praticamente não há homens (nem
mulheres) bonitos no humor.
Robin Williams não era bonito, tal como não o
são Jim Carrey, Jerry Seinfeld, Louis CK, John Cleese, Bill Murray,
Seth Rogen, Tina Fey, Sarah Silverman. A lista é infindável. Para se ser
alguém na vida, pode ser de uma certa utilidade ficar fechado em casa
na adolescência, sem acesso a festas, nem a miúdas. E essa solidão, esse
rasto de clausura, muitas vezes fica lá, e nem Hollywood, nem uma
família - ou três casamentos, no caso de Robin Williams - conseguem
apagar.
Não há nada de relevante que possamos escrever sobre
alguém que se mata - mas ficar em silêncio parece-me cumplicidade com a
morte. Eu sou da geração Clube dos Poetas Mortos, filme que
nunca me atrevi a rever, porque tenho a certeza de que é muito pior do
que a memória que guardo dele. E é impossível ser dessa geração sem
ficar profundamente tocado com o suicídio de Robin Williams. Ele foi um
extraordinário actor sem nunca ter feito um extraordinário filme, mas
para mim será sempre o professor que levou os alunos a subirem para as
mesas, que me apresentou Leaves of Grass, e me ensinou o significado das palavras "carpe diem".
O capitão, como no poema de Whitman, jaz agora morto, mas ao contrário
do poema de Whitman, não houve gesta heróica, nem há razões para
celebrar. Robin Williams mentiu: aproveitar apenas o dia não chega.
Precisamos todos de alguma coisa que nos sustenha, quando o dia acaba e o
riso não sai.
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