A Revista do Expresso, 2 de Outubro de 2015
UMA MULHER RARAMENTE É LEVADA A SERIO, E, SE É, ARRANJA DEZ VEZES MAIS INIMIGOS DO QUE UM HOMEM. NESTE PAÍS ESTÁ TRAMADA
Há
água em Marte. Em verdade vos digo que é mais fácil encontrar água em
Marte do que mulheres na campanha eleitoral dos maiores partidos. Sob
certas condições, água pode correr em Marte, mas as mulheres não podem
concorrer na Terra. Isto é um país de homens. E um país onde as mulheres
não são muito solidárias com as mulheres. Pondo de lado a política
correta sobre estas coisas, as mulheres neste país estão tramadas. Uma
mulher raramente é levada a sério, e, se é, arranja dez vezes mais
inimigos do que um homem. É mais escrutinada, discriminada, combatida,
facilmente eliminada. É mais mal paga. Uma mulher ganha metade ou um
terço a menos do que um homem. Numa lista de “prestígio”, digamos, de
100 pessoas, 90 são homens e o resto é quota.
O problema das mulheres que odeiam mulheres é antigo.
Remete para a biologia reprodutora e o
darwinismo, remete para um meio de recursos escassos onde a competição
aumenta exponencialmente, remete para a dominação patriarcal, remete
para a mesquinhez que se aloja nos cérebros humanos. E se as mulheres
não odeiam mulheres, ou fazem um esforço para não odiar mulheres,
alinham na prevaricação comum, criticar o aspeto físico das mulheres. Ou
a situação psicológica. Uma mulher pode ser feia, velha, maluca. Um
homem pode ser interessante, maduro, inteligente. Um canalha torna-se um
tipo complicado. Uma ambiciosa torna-se uma megera.
Assisti a isto toda a minha vida.
Não espanta que não haja mulheres nas
campanhas eleitorais, com exceção das mulheres dos pequenos partidos da
extrema- esquerda. Ana Drago no Livre, um partido votado pelos
jornalistas ao esquecimento, as manas Mortágua, sobretudo Mariana
Mortágua, e Catarina Martins. E Joana Amaral Dias, que forneceu pretexto
para a piada machista. Um homem nu é um acontecimento histórico numa
capa de revista e um regalo para os olhos. Uma mulher nua e grávida é um
atentado à moral. Ninguém olharia para um homem nu à procura da
flacidez.
Os partidões não têm saias, aqui usadas
como símbolo diferenciador de sexo. No seio varonil do PSD não se vê um
rabo de saia (expressão misógina). É o partido dos rapazes. Our boys.
O PSD só tem homens com vozes para a cantoria e o talento para ganhar a
maioria. A câmara de televisão passa pelas mesas dos repastos
eleitorais, onde florescem caciques com calças e, como dizia o Eça,
cheios do talento das calças, e não se avista uma mulher com exceção das
groupies. Os homens aplaudem calorosamente os homens como no
futebol. É provável que as mulheres estejam na cozinha, ou a servir às
mesas, empregos que correspondem ao talento feminino. Alguma vez viram
um homem nas casas de banho masculinas sentado ao lado de um pires com
moedas? Quando foi a última vez que viram um líder político ter um
secretário?
No CDS há umas mulheres, mais raras do
que água em Marte, mas só aparecem como as do PSD, untadas pela devoção
ao líder e nunca se esquecendo de agradecer a sua posição ao líder
reafirmando a sua lealdade ao líder. Deus as livrasse de
tentarem derrubar o líder. Uma mulher simplesmente não faz isso. No
vetusto PS, a coisa não melhora. Antonio Costa carrega o partido às
costas e se há mulheres estão noutro Iugar. Os jornais noticiaram com
gosto que uma série de homens se ia juntar a Costa e Passos Coelho nos
comícios, Marcelo, Rangel, Assis, e até o defunto Nogueira, de quem
ninguém se lembra neste país. Uma mulher? Algures? Em compensação,
semana sim semana não, uma mulher é assassinada em Portugal. Nessas
notícias não falta o elemento feminino.
A culpa é nossa. A desunião e a
incapacidade de atacar enleiam as mulheres em Portugal. Não se trata de
sermos discriminadas, trata-se de consentirmos em ser discriminadas e
concordarmos com a discriminação. No fundo, achamos que não somos
capazes, não seremos capazes, não merecemos ser capazes. Consentimos em
desaparecer.
Sou contra as quotas e a favor do
mérito. Nunca consegui nada com base na quota e não acredito que as
mulheres precisem de quotas. Agustina, Sophia, Maria Barroso e Natália
Correia nunca precisaram de quotas. As mulheres precisam de
autoconfiança e tempo livre, precisam de uma vida intelectual, que a
maternidade, a dependência financeira e a vida doméstica não autorizam.
Em Portugal, tem havido um claro retrocesso em matéria de direitos das
mulheres e da participação das mulheres na vida pública. Num meio
dominado por homens como é a política, o acesso está condicionado e
representa-se como uma intimidação. As mulheres têm instintivamente medo
da ascensão que implica um cortejo de insultos e ofensas físicas e
morais propagadas por mulheres que odeiam as mulheres e por homens que
não respeitam as mulheres. As correntes sociais e os seus entusiastas
emocionais respiram este ar venenoso. As mulheres são a maioria da
população universitária e a minoria no poder político, económico,
financeiro e social. E não vejo por aí uma mulher política disposta a
mudar o estado das coisas.
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