22 fevereiro 2016

Ele há coisas e gente...

passamos muito tempo a pensar nas coisas que não podemos fazer e pouco no Muito que podemos fazer... :)

 troca desconnhecida de palavras que flutuam e dançam:



No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas.
E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, 
em volta das candeias. 
No contínuo escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, 
porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos estão como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
 e na agudeza de toda a sua vida.
 E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
 e através dele a mãe mexe aqui e ali,
 nas chávenas e nos garfos.
 E através da mãe o filho pensa
 que nenhuma morte é possível e as águas
 estão ligadas entre si
 por meio da mão dele que toca a cara louca
 da mãe que toca a mão pressentida do filho.
 E por dentro do amor, até somente ser possível
 amar tudo,
 e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.


(excerto do poema «Fonte», publicado em A Colher na Boca, 1961 de Herberto Hélder)

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