29 julho 2016

há qualquer coisa...



... para ser construída em nós e na sociedade!

... que temos a responsabilidade de passar/dar ao Outro: confiança e segurança no amanhã!Optimismo a passar! (veja-se o brilhante papel que Marcelo tem tido a levantar a moral nacional, está em todo o lado ele; depois do Cavaco que parecia um morto vivo precisávamos desta energia boa para viver melhor...);

...da incerteza do tempo e no futuro que é boa, ninguém gosta de tudo muito definido ou eu, pelo menos, não gosto!

... de bom em ter surpresas boas!

... em quebrar rotinas e desligar de ver/ler noticias (sempre negras, parece um mundo diferente do meu...) que nos carrega as ideias de coisas positivas e vontade de fazer melhor!

25 julho 2016

A essência

A essência da vida são os outros. A nossa época é-lhes contrária por várias estupidezes. As pessoas vangloriam-se de ser independentes, individualistas, auto-suficientes, egocêntricas, únicas, solitárias, livres. Dizem: “Quero lá saber o que os outros pensam!” sem perceber a terrível vaidade que isso implica.

Para ter a noção do pouco que valemos, basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros. É só ver o que fica. Coisa pouca. Sózinho quase ninguém é quase nada. É somente juntos que podemos ser alguma coisa. A verdade é que devemos tudo a quem já deu, já morreu, já disse, já escreveu. E a nossa felicidade devêmo-la, não a nós próprios, mas a quem vive ou viveu ao pé de nós. Será isso o que custa tanto a aceitar.

(...) No pouco tempo em que vivemos e trabalhamos, limitamo-nos a acrescentar um ponto ou outro à soma que já existe. Um dia morremos. A morte é o preço que se paga pelo facto de vivermos tão facilmente. Pelo facto de não termos de inventar a língua que se fala de não escrevermos os livros que se lêem, de não fazermos o pão que se come, de não sermos obrigados a estabelecer e a negociar as regras com que se vive.

Os outros são a sorte que nos cabe, são o azar que nos calha. São o nosso último recurso e a nossa primeira obrigação. Esta é a essência da sociedade. Enriquecemos quando os outros são ricos, empobrecemos quando eles são pobres. Deixêmo-nos de betices. O sentimento mais importante de todos é a solidariedade.

(...) Os outros são a nossa única justificação possível. Segui-los e servi-los , por questões de sabedoria e sentimento, é a nossa mais maravilhosa oportunidade.

O essencial é amar os outros. Pelo amor a uma só pessoa pode amar-se toda a humanidade. Vive-se bem sem trabalhar, sem dormir, sem comer. Passa-se bem sem amigos, sem transportes, sem cafés. É horrível mas uma pessoa vai andando.

Apresentam-se e arranjam-se sempre alternativas. É fácil.

Mas sem amor e sem amar, o homem deixa-se desproteger e a vida acaba por matar.

Philip Larkin era um poeta pessimista. Disse que a única coisa que ía sobreviver a nós era o amor. O amor, Vive-se sem paixão, sem correspondência, sem resposta. Passa-se sem uma amante, sem uma casa, sem uma cama. É verdade, sim senhores.

Sem um amor não vive ninguém. Pode ser um amor sem razão, sem morada, sem nome sequer. Mas tem de ser um amor. Não tem de ser lindo, impossível, inaugural. Apenas tem de ser verdadeiro.

O amor é um abandono porque abdicamos, de quem vamos atrás. Saímos com ele. Atiramo-nos. Retraímo-nos. Mas não há nada a fazer: deixamo-lo ir. Mais tarde ou mais cedo, passamos para lá do dia a dia, para longe de onde estávamos. Para consolar, mandar vir, tentar perceber, voltar atrás.

O amor é que fica quando o coração está cansado. Quando o pensamento está exausto e os sentidos se deixam adormecer, o amor acorda para se apanhar. O amor é uma coisa que vai contra nós. É uma armadilha. No meio do sono, acorda. No meio do trabalho, lembra-se de se espreguiçar. O amor é uma das nossas almas. É a nossa ligação aos outros. Não se pode exterminar. Quem não dava a vida por uma amor? Quem não tem um amor inseguro e incerto, lindo de morrer: de quem queira, até ao fim da vida, cuidar e fugir, fugir e cuidar?

(...) A essência da vida está fora de nós. Está nos outros todos juntos, sem lugar, sem tempo, sem saber como. A única coisa que temos é o amor.


CARDOSO, Miguel Esteves



13 julho 2016

a vida é um piquenique :) (mudança de poiso para Quinta da Ribafria)

olá gente boa!

esta tarde ia a subir para as Casas Novas/Almoçageme/direcção Serra de Sintra e comecei a sentir um briol já meu conhecido doutros piqueniques.

Entre Lourel e a Várzea de Sintra (entre Sintra e a Praia das Maçãs e Praia Grande...) há um espaço fixe:
   
vocês são tantos, vamos ser muitos :)

tragam amigos!
30 de Julho, sábado, pelas 12h, estamos lá a respirar fundo!?



'A vida é um piquenique!'


BOM DIA!
O primeiro piquenique correu bem e embora frio sentiu-se energia e o calor humano da Amizade que junta a gente boa quando se encontra.
Portanto, espera-se mais: sugiro novo piquenique dia 30 de Julho, sábado, já devem estar ‘esta alminha não tem mais nada que fazer do que pensar em piqueniques...’
Mas é uma última chamada para embarque...


Vem fugir ao calor e aproveitar o fresco da maresia e da sombra (pareço um guia turístico) com um 'a vida é um piquenique!' em trinta de Julho, sábado, ao longo do dia e da noite na zona de Sintra ( juntos é simples e exigente mas não fácil existir); venham todos festejar: bebés, crianças, adolescentes, novos, meia-idade, e velhos, escanzelados, anafados, gordos e magros, homens e mulheres, nacionais e estrangeiros, regionais, do norte, do centro, do sul, de longe e de perto, negros, morenos, loiros, amarelos e brancos, grávidas, todos: vamos ser muitos!!!
Vamos partilhar gostos e sabores; personalidades diferentes constroem o puzzle do descobrir, não deixemos peças vazias e em branco; sejamos curiosos! Com aquele diferente eu vou… e construo-me!
Vamos brincar ao jogo da descoberta, do Ser Estrangeiro: descobrir espaços e tomarmos conta deles, melhorá-los, estaremos todos juntos longe e no desconhecido.
Inventar e descobrir sabores, gostos e prazeres.
Trazer muita comida e bebida ‘quentinha’, doce e ácida a partilhar. Carne, Peixe, Vegetais, Alimentos energéticos: vai-se tornar em nós…
Reafirmar coisas que saibam bem e que passam de geração em geração mesmo quando a morte nos separa e vivermos felizes para sempre.
Conversar, pensar, imaginar, desenhar, escrever palavras, frases, textos, ouvir música e ritmo com e entre gente boa; criar projetos, ter ideias e desafios que façam avançar.
Cantar e dançar, dar vontade de fazer coisas boas e exigentes; e no meio disto tudo: descansar, preguiçar e inventar sonhos.
Acreditar no mundo, na criança que nasce, em fazê-la sorrir a pensar e criar, motivá-la;
Andar e falar bem,
Mimar e ser mimado,
Passear,
Dar luta,
Tornar existir lutador,
Às vezes fácil,
Mas, a maior parte do tempo, difícil para ter piada/graça,
Tentar fazer nascer sorrisos nos outros,
Agir longe e perto,
Com leveza,
Estar sozinho e aos magotes,
Refugiado e em matilha.
Juntar gente, juntar pessoas, juntar malta boa: juntar!
Comer,
Saborear,
Cozinhar,
Refrescar,
Ternura,
Carinho,
Sentir,
Ouvir,
Olhar,
Encostar,
Acarinhar,
Amaciar: gente amiga a conversar alegre.
Desafios que põem em causa,
Cansar e descansar,
Viver o tempo e espaço,
Jogos e construções,
Ar fresco a inspirar e ir a toda a célula,
Natureza viva,
Humanos e animais,
Sol e cor,
Bons Sabores,
Luz e calor no corpo,
Sombra e líquidos ‘quentinhos’.



11 julho 2016

a sorte ajuda às vezes; o trabalho ajuda sempre

Com a lesão do do Ronaldo mostraram-se as forças da equipa: a Humildade e que da união se faz força!


----  Portugal, CAMPEÕES DA EUROPA 2016!!! ----

10 julho 2016

só pode correr bem




O Ronaldo adora show offs e vai ter os holofotes todos em cima dele: o puto mesmo quando  joga mal é muito bom!
e tem sido um excelente capitão a unir a equipa.

É um grupo coeso e equilibrado!
A zona central diz tudo: Rui Patrício, Pepe, Ricardo Sanches e Ronaldo.
 E tem sido uma campanha em crescendo: é melhor começar mal e acabar bem!

E os hinos do combate moderno ouvem-se: 
'Allons enfants de la patrie (...)' da Marselhesa contra um português conquistador... (...) Que há-de guiar-te à vitória! (...)  


ah, já me esquecia que temos um adversário:França, a anfitriã!
Eliminaram os campeões do mundo: a Alemanha, que nos deu 4-0 nessa altura no Brasil há dois anos.

vou ver a bola!!!!


04 julho 2016

La historia de las miradas, olhares




Para acabar de vez com a União Europeia

A receita é infalível. Basta continuar no caminho actual. 

Em primeiro lugar deve-se continuar sem consultar os povos. Evitar ao máximo que ocorram referendos. E quando estes derem resultados errados é repeti-los até as pessoas acertarem na resposta certa. Sobretudo cada vez que a vontade de um povo for de rejeição do que as elites propõem nunca hesitar em propor mais do mesmo ou até um aprofundamento mais sério e empenhado da política de integração. Por exemplo: os povos não querem mais união política? Que obtusos! Avance-se com mais federalismo!

Em segundo lugar desrespeitar ao máximo o princípio da subsidiariedade. Porquê deixar aos parlamentos nacionais aquilo que se pode fazer no Parlamento Europeu ou decidir na Comissão? 
 Então o mundo não é global? Deus nos livre de cada país ser independente! Sabe-se lá o que esses povos, deixados a si mesmos, podem fazer… única excepção: quando em alguma matéria quase dois milhões de cidadãos europeus (no caso a primeira vez em que o instituto da Iniciativa Europeia de Cidadãos era usado) se dirigirem à Comissão Barroso, pedindo a protecção do embrião humano, chutar para canto, não cumprir a lei europeia e dizer que a matéria deve ser regulada a nível nacional.

Em terceiro lugar há que legislar a torto e a direito, uniformizando sem hesitações. Da curvatura do pepino à acidez das maçãs, das medidas das embalagens ao tamanho dos envelopes, da estrutura dos cursos universitários ao mais simples dos assuntos, temos de ser europeus, ter as mesmas normas, ser tudo igual. Mesmo que isso destrua os campos, conduza ao desperdício, aniquile indústrias ou simplesmente tire graça à vida. Claro que isto exige uma estrutura burocrática e pesada. Ideal para que ninguém consiga opor-se, para ninguém ser questionado ou responsabilizado. Em cada país haverá sempre uns serventuários a explicarem: estamos na Europa, tem de ser assim…quanto mais tropeçarmos no caminho, mais veloz se deve ir em frente.

Em quarto lugar, haja respeitinho. “A França é a França” e a Alemanha é a Alemanha. Regras e sanções são para os pequenos. Somos todos iguais mas há uns que são mais iguais do que outros. Quem paga, manda. E isto que é uma lei da natureza e justa até, não pode nunca ser dito, mas deve ser observado. Importante repetir à exaustão que os países são todos iguais, que todos contam e todos decidem. Se porventura algum país se opuser a isso ou ameaçar sair há que ser implacável: desenhar um cenário catastrófico, dizer que vai ser o fim do mundo, esconder que ninguém vai querer acabar com um mercado comum nem com as vantagens verdadeiras da paz, da livre circulação e da liberdade. Não esquecer de omitir que se pode fazer parte da Europa, sem se fazer parte da União Europeia.

Em quinto lugar, fazer tudo o possível para omitir as raízes cristãs da Europa (foi o cristianismo que deu origem a um continente que não é físico mas cultural) e todas as consequências chatas desse facto: primado da dignidade humana, respeito da lei e da democracia, solidariedade. Neste ponto ter o cuidado de transformar as instâncias europeias no lugar onde se possa ganhar na secretaria o que se perde ou se pode perder no jogo nacional: todas as questões fracturantes, a inteira agenda lgbt, o paganismo animalista, etc. Não esquecer, e a propósito, de diabolizar qualquer país que não alinhe pelo diapasão do politicamente correcto, mesmo e sobretudo, se assim é pela vontade do respectivo povo. Se resistirem, dar-lhes ideologia do género a rodos…

Assim procedendo, se acabará seguramente com a União Europeia. Dando aos populistas uma vitória que nunca alcançariam sem a preciosa ajuda do europeísmo cego e antidemocrático. Uma ditadura do politicamente correcto que esmaga a liberdade dos povos. Até ao dia em que estes dizem basta e de tão fartos catapultam onde nunca chegariam os mais disparatados dos políticos e as mais irrazoáveis das propostas. Será que é desta que aprendemos a lição? Ou isto é mesmo necessário para que a Europa recupere a sua alma?

03 julho 2016

puxei um bocado a brasa à minha sardinha ;)

a agenda cultural esteve preenchida:


Um convite de uma Amiga (deixava-me garantia de qualidade) para seu trabalho deixou-me desperto para esta peça... entrei antes do público e assisti ao aquecimento dos actores (percebo agora que era indispensável) e assisti a um espectáculo onde ser actor tinha imensa ginástica e a modernidade foi descrita como com falta de tempo para ser e existir ou pelo menos assim compreendi.

Sinopse (por comuna  e joana pupo):
NOS INVERTEBRADOS é um espectáculo a partir do Conto Zapatista “La Historia de Las Miradas”. Um grupo de indivíduos encontra-se num espaço onde a festa é obrigatória. Este é o novo contexto onde os ingredientes do Conto se reorganizam e ganham novos pontos de vista. O olhar, o encontro, os deuses, a queda ou o mundo ao contrário são elementos que se deslocam do lugar da festa e do espectáculo para a nossa vida, onde o encontro e a pergunta são finalmente possíveis.

A Novamente faz coisas giras e inseriu uma actriz com o papel da sociedade que acusa as limitações como ficando melhor em casa. 6 atores deram de si em tripé, andarilho, de cadeira de rodas, sem nada e falando melhor e pior no  Teatro Gil Vicente em Cascais.


SINOPSE (por novamente):
Poderíamos falar de outras coisas, mas porque não, numa primeira criação deste grupo, começar por ai mesmo – um tempo que mudou, pessoas que se transformam, uma sociedade que se move como uma criança imatura.
Há uma velocidade imposta na conquista de um centro, conceito abstracto criado pelo colectivo social sobre um lugar de prosperidade. Se ele existe?! Por vezes está lá, como um pote de ouro no fim do arco-íris, mas na verdade não é mais que uma utopia que vive no horizonte para nos ajudar a continuar o caminho. Neste local, aqui neste momento presente, falamos de uma pancada que trouxe um visto invisível para um mundo com um outro tempo e corpos que procuram outras formas de expressar o belo.
No termo em grego EMPATHEIA significa “paixão, estado de emoção” e pressupõe uma comunicação afectiva com outra pessoa, é um dos fundamentos da identificação e compreensão psicológica de outros indivíduos.
A empatia é diferente da simpatia. Enquanto a simpatia indica uma vontade de estar na presença de outra pessoa e de agradá-la, a empatia faz brotar uma vontade de compreender e conhecer outra pessoa. É a capacidade de se projetar no lugar do outro, de olhar para o mundo pelos olhos dos outros.
A empatia leva as pessoas a ajudarem-se umas às outras. Esse é o nosso centro. O que aqui procuramos alcançar. Com calma, com tempo para respirar fundo, despindo-nos das dores, reinventando-nos e rindo de nós próprios.

Numa critica à sociedade moderna que não vê porque não tem tempo aparece uma classe que resolveu necessitar de tempo e reaprender a viver: as pessoas com TCE  adoptaram com algum sarcasmo a necessidade de saborear esta segunda oportunidade para viver.

Viver com mais Força, melhor... 
Há males que vêm por bem e olhar (mirar), andar, falar, comer, respirar, nadar, escrever, pensar, etc. tem a simplicidade de todos podermos fazer mas a dificuldade está mesmo nisso (se fosse fácil não tinha piada:): de ser simples e estar acessível a todos.

Caminhar nas cidades com um olho estrábico

Mostra-me como te moves no teu espaço e eu dir-te-ei quem és. Este ano, podia ter sido este o mote da habitual mesa que a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) dedica à arquitectura, por onde já passou, em 2013, o Pritzker português Eduardo Souto de Moura. Juntos em palco estiveram Francesco Careri  que formou em Roma o colectivo Stalker/Osservatório Nomade e é o autor do livro Walkscapes: o caminhar como prática estética – e a arquitecta e académica Lúcia Leitão, que no seu trabalho utiliza a psicanálise e a interpretação proposta por Gilberto Freyre para pensar as cidades brasileiras contemporâneas.  

Há dez anos que o arquitecto italiano dá um curso na Universidade de Roma a que se chamou Arti Civiche (artes cívicas). É sempre dado na rua, até os exames. Professor e alunos encontram-se uma vez por semana e caminham durante um dia inteiro até ao pôr-do-sol, com paragem para um piquenique. Percorrem em média 11 quilómetros em cada etapa e, uma semana depois, recomeçam do ponto onde terminaram. Andam a esmo, sem direcção. Caminham com “um olho estrábico” que, como explica Careri, olha para tudo aquilo que os pode desviar do percurso marcado: “Normalmente é esse olho que vence, é ele que nos leva para as áreas mais interessantes."
Quando se caminha ou se percorre uma cidade de carro atravessam-se lugares que não correspondem à ideia que temos dela. Careri diz que temos “amnésia urbana”, porque esses lugares são rapidamente apagados do nosso mapa mental. “O que faço desde 1995 com os meus alunos e com o meu grupo Stalker [título inspirado no filme homónimo de Andrei Tarkovsky] é entender que existem regiões de sombra, que há uma parte escondida – um inconsciente da cidade.”

Nesses percursos há sempre algo a descobrir. O arquitecto lembra que existem fenómenos urbanos que não estão nos livros de urbanismo, sociologia urbana, antropologia ou geografia. São fenómenos móveis, ou cujas necessidades foram atendidas e por isso deixam de existir. A única maneira de os encontrar é perdendo-nos na cidade. “Todos podemos fazê-lo, basta sair-se de casa com esse espírito explorador”, acrescenta Careri. Só que andar para além do limite "é uma acção ilegal": "Se eu fizer nos Estados Unidos o que faço em Itália posso ser preso, porque lá a propriedade privada é sagrada. Para nós, latinos, é mais ambígua. Podemos jogar com os limites e com as fronteiras. E se conseguirmos passar por cima dessa fronteira vamos descobrir que existe um caminho novo. Fiz isso na Bahia e em São Paulo e estou vivo."

Logo que começa o curso, conta, costuma perder todos os alunos anglo-saxónicos ou alemães, absolutamente incapazes de ultrapassar o primeiro muro de propriedade privada com que se deparam. Oitenta por cento do curso realiza-se em lugares onde não se pode entrar. Os latinos costumam ficar. No final do percurso, que demora um semestre inteiro, o professor pede aos alunos que escolham um espaço onde queiram intervir arquitectonicamente. Costumam dizer-lhe que sentem que a sua geografia mental se ampliou. A ideia que tinham de cidade, com buracos e espaços vazios, ficou preenchida. A amnésia urbana desapareceu.

É também por isso que o professor, que em 2009 esteve a fazer um destes percursos em Lisboa, costuma pedir aos alunos que desinstalem dos seus computadores o AutoCAD, um programa de desenho usado para realizar projectos. “Hoje, as nossas faculdades produzem os chamados 'CAD monkeys', macacos do CAD, arquitectos que ficam no computador de auscultadores, a olhar para o ecrã e a obedecer às ordens de um chefe, normalmente uma archistar – que pode ser um Frank Gehry ou um Jean Nouvel – e cujo único desejo é um dia vir a ser como eles."

Talvez não seja possível actualmente fazer-se arquitectura sem computador, mas Careri assegura que os seus alunos saem do curso com “liberdade de imaginação”.

Muitas pessoas optarão por não caminhar pelas cidades por causa do que isso implica. Como lembrou Lúcia Leitão, andar na cidade “é obrigatoriamente ter o outro em face”. Há mesmo um autor americano que diz que uma cidade sem lugares para caminhar é uma cidade sem lugar para a alma. E essa é uma marca da cidade brasileira. “Porque, na realidade, nós nos constituímos como sociedade negando a rua”, argumenta a arquitecta, explicando que, na história do Brasil, a rua era o lugar “que só os escravos frequentavam, tinha um uso servil e uma função plebeia”. Isso acabou por se inscrever na sociedade como uma marca identitária e daí a dificuldade que existe, no Brasil contemporâneo, de se conviver com a diferença: “Como nos negámos a viver a rua, também não aprendemos a dimensão básica da urbanidade que é reconhecer a diferença. Abrimos mão disso e em consequência somos uma sociedade mais pobre."  

A arquitectura não é nem nunca foi neutra. Também “não nasce do brilhantismo do arquitecto, por mais competente que ele seja”. No traço do arquitecto “está embutido” tudo o que ele é e toda a cultura de onde vem. “No Brasil colonial habituámo-nos a viver o espaço privado – porque a rua era do plebeu – e na contemporaneidade isso foi revisto e actualizado com a criação de condomínios fechados – contra a rua, contra o outro, contra quem não tem a mesma classe social ou a mesma educação. A isso acrescenta-se a construção dos centros comerciais onde as pessoas podem fazer tudo sem sair de lá."

O arquitecto italiano contrapôs que na Europa a realidade ainda é diferente da dos países da América Latina ou dos Estados Unidos. “Caminha-se em qualquer lugar, o território é nosso, porque o reivindicámos”, disse, lembrando que ensinar a caminhar é um grande acto de democracia.

Mas a Europa enfrenta outros problemas. Já no final da conversa, houve perguntas do público sobre a crise dos refugiados, questionando se através da reorganização do espaço arquitectónico é possível incluir os que chegam numa cidade. Francesco, que acompanha o fenómeno migratório já há quase 20 anos, contou que em 1999, com o seu grupo, ocupou um edifício no centro de Roma, um ex-matadouro da cidade, para o abrir a refugiados curdos. “Recuperámos o edifício para mostrar que era possível construir um espaço hospitaleiro para os refugiados. Continua lá. É a obra de arquitectura mais importante que realizei com o Stalker/Osservatório Nomade. Habitualmente os campos de refugiados estão a 50 quilómetros das cidades. Este centro era administrado pelos curdos e sem se pedir um tostão à economia pública. Criámos um modelo para acolher.”

Hoje, diz o arquitecto, é urgente reorganizar as cidades europeias: abandonar os campos de refugiados que parecem prisões e construir bairros interculturais onde seja possível encontrarmo-nos com o outro.