Parece
que a nossa época é aquela em que tomámos consciência de que
estamos confrontados com o perigo absoluto do fim da humanidade: este
catastrofismo é o tom dominante, diariamente, nos media ocidentais
que nos servem de referência.
Uma
vez instalado este imaginário catastrofista, foram evacuadas a
grande velocidade as reminiscências dos tempos modernos, que nos
falavam de emancipação, progresso, liberdade, esperança. Agora,
mal falamos em “esperança” vem-nos logo à memória a proposta
desse “grande animal hanseático”, como alguém chamou ao
filósofo alemão Peter
Sloterdijk,
que propôs em tempos que deviam ser postos na prisão todos aqueles
que falam em esperança porque contribuem para a catástrofe.
Recordemos que Sloterdijk é o filósofo que, com a sua teoria das
esferas e do “espaço interior do mundo” nos veio mostrar que a
Terra é redonda.
Podemos
objectar que já o sabíamos há séculos. Pois sabíamos, mas só
começámos a ver e a sentir verdadeiramente essa rotundidade quando
os efeitos de tudo o que fazemos, em termos ecológicos, em qualquer
parte do mundo, chegam até nós como um boomerang.
Antes de a Terra ser única e redonda, como é hoje, os países ricos
podiam sentir-se seguros ao depositar o seu lixo industrial nos
países longínquos. Hoje, até o fundo dos mares está em circulação
na superfície da nossa Terra redonda.
Curioso,
e até divertido, é ver como nos vão sendo ministrados todo os dias
ecopaliativos:. Dizem-nos: viaja o menos possível de avião, vai
para a escola ou para o emprego de bicicleta, bebe só água da
torneira, reutiliza os sacos plásticos, não deixes a torneira
aberta enquanto lavas os dentes, toma atenção a todos os teus
gestos quotidianos, torna-te um herói da salvação do planeta (como
se o planeta estivesse interessado nos nossos esforços e não
continuasse a existir depois de nós, tal como já existia antes de
nós). Tudo isto não passa de formas de exorcismo e de recalcamento
do medo, ao mesmo tempo que cria a ilusão de que estamos a responder
à urgência.
Se
olharmos com atenção e utilizarmos o bom senso (nem é preciso
muita ciência) facilmente concluímos que muito pouco se faz porque
era preciso virar os nossos modos de vida de pernas para o ar para se
fazer alguma coisa eficaz (se ainda há tempo para isso porque
obviamente não se pára de um dia para o outro um processo que
começou há séculos). Não é que devamos continuar a agir como
sempre agimos, mas todas estas ideias de boa vontade que surgem todos
os dias como injunções acabam por esconder a questão política
essencial.
Na
verdade, passámos em pouco tempo de uma política com pouquíssima
ecologia a uma ecologia de boa vontade à qual falta política. E
essa falta torna vãs todas as boas intenções. O que vemos é
que continua a ser difícil declinar essas duas palavras —
ecologia e política — sob a forma de uma ecopolítica digna desse
nome.
Uma
ecopolítica à altura dos desafios com que estamos confrontados terá
de ser capaz de mostrar que as situações ecológicas, políticas,
sociais, económicas, institucionais, tecnológicas e psíquicas
estão em total conexão umas com as outras. Sem agir sobre todas
estas dimensões, o “impasse planetário” mantém-se. Por isso é
que são tão ingénuos os regulamentos avulsos e o pretenso
“regresso à natureza” de tonalidade romântica.
Se
já estamos a viver em pleno “perigo absoluto”, como afiançam
até os cientistas colapsólogos e os catastrofistas esclarecidos,
então só podemos concluir que não saímos ainda da imobilidade nem
se vislumbra que iremos sair. A culpa é também das nossas
representações das catástrofes: pensamos num acontecimento
colossal (a Terra submetida a uma terrível operação que tanto pode
ser vista como a aniquilação total como a sublime “obra de arte
total”), que interrompe abruptamente o curso do mundo e da
História. Ora, tal como o Messias que, para alguns autores da
mística judaica, chega de maneira imperceptível, já aí está mas
ainda ninguém deu por ele, também a catástrofe pode chegar
imperceptivelmente: quando apreendemos os seus sinais já ela chegou
com carácter de irreversibilidade.
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