Vou tratar-te por tu porque sinto que és um dos nossos, apesar de já não seres o nosso treinador. De certeza que não te lembras de mim, mas tive o prazer de te cumprimentar numa visita ao Seixal. Nesse dia éramos mais que muitos a querer apertar-te a mão e desejar boa sorte para o que faltava do campeonato. O 37 ainda não era real, mas a esperança e o otimismo eram mais que muitos. Estávamos apaixonados.
Lembro-me que, depois de confirmado o 37, tinha elaborado mentalmente uma série de agradecimentos que partilharia se por acaso voltasse a cruzar-me contigo. Pelo título, claro, mas também pela cultura desportiva e pelos momentos dentro do 37: a reviravolta no primeiro jogo, a vitória no Dragão, o 10-0, outra reviravolta contra o Portimonense, uma das celebrações mais viscerais que este estádio da Luz viveu. Essa oportunidade de agradecer nunca surgiu, e hoje faço-o usando o melhor megafone que possuo.
A coisa bateu de tal forma que eu perdi a cabeça e criei uma igreja para celebrar o milagre que foi a recuperação da época passada. E os devotos não pararam de chegar. Foi um feito quase tão improvável quanto a sucessão de resultados que te afastou do cargo. Hoje crucificam o criador da igreja e o seu deus, mas o criador é só um tipo com acesso à internet que pode fechar o website e não fazer mais caso disso. Já tu és um bom tipo a quem, como deveria ser sempre, aconteceram coisas boas, e a quem entretanto aconteceram umas quantas más, quase inexplicáveis de tão estranhas e catastróficas que se foram tornando.
Há uma frase da qual tão cedo não me vou esquecer. Depois da vitória no Dragão, uma daquelas que dá a um treinador aquele capital que os benfiquistas reservam para os grandes, disseste humildemente que os jogadores fizeram de ti treinador. Tudo aquilo soou estranhamente decente no contexto do futebol português e foi-se prolongando ao ponto de até os adeptos dos rivais reconhecerem essa qualidade, um acontecimento muito raro por cá.
Não sei se os mesmos jogadores que fizeram de ti treinador campeão decidiram fazer de ti, por agora, treinador sem clube. Não sei exactamente em que parte do caminho é que te perdeste, ou se era eu que estava demasiado inebriado pelo milagre da época passada para ver o que estava à nossa frente. Talvez seja um pouco das duas coisas.
Suspeito que um dia saberemos todos melhor o que se passou e porque é que, de forma meio angustiante, te foste tornando parte do problema. Será que aceitaste ser parte do problema? Ou será que parte desse problema te foi imposto? Sinceramente ainda não percebi, mas uma coisa é evidente: acabaste por ser a única parte do problema que esta direcção pareceu interessada em resolver, ou seja, resolvendo pouco ou nada. Tu dirás de forma simples que é a vida de um treinador. E a vida de um adepto do Benfica é pedir a tua cabeça quando se ganha 2 jogos em 13. Faz parte. É um final triste, mas tenho a certeza que foi um dos maiores privilégios da tua vida.
Disseste uma vez, quase sem voz na noite mais feliz da tua passagem pelo clube, que era importante reconhecer a mais valia do adversário no momento das derrotas para que este reconhecesse a nossa mais valia no momento das vitórias. Obrigado pela decência que emprestaste ao cargo na maioria dos momentos. Não serviu para ganhar todos os jogos, mas penso que conquistou o respeito de muitos benfiquistas.
Felicidades.
Como nota final quero treinar o meu futebolês: o espírito humilde que Bruno Lage deixou na equipa, nos jogadores, no seu sucessor e nos adeptos, como este texto atrás, é o lado mágico do futebol, da pessoa, Obrigado por isso!
O que se passou não teve nada que ver com a pessoa que está no banco, Bruno Lage continua a ser admirado por todos, não era mal querido, mas nestas coisas das pessoas é preciso um abanão por vezes, a tal chicotada psicológica e um golo dá outra tranquilidade e confiança.
Sem comentários:
Enviar um comentário