1- Façam-me a justiça de dar crédito às minhas afirmações sem me considerar arrogante e
sobranceiro, porque tenho um somatório de cerca de 25 anos a trabalhar como médico em Lares, quer em
regime de voluntariado, quer remunerado, mas com vencimentos que se esvaem quase na totalidade em
impostos.
Não me considero, melhor nem pior que os outros, mas procedo como quando iniciei a minha actividade profissional
há 43 anos, certifico dezenas ou até centenas de óbitos sempre presencialmente, não me limito a imprimir o
certificado e enviá-lo pela agência funerária, o ato e as deslocações são a título gratuito e se tiver vestido uma peça
de roupa vermelha, mudo para uma mais discreta, por respeito ao falecido e ao sofrimento da família.
A minha vida do dia a dia resume-se praticamente a um raio de 30 km, para estar presente na brevidade possível,
embora a lei me permita 12 h para certificar.
Agora que já sabem a minha maneira de proceder, espero a credibilidade que julgo merecer.
2- Sabiam que no Governo PSD/CDS saiu um decreto lei que proíbe aos médicos dos lares pedirem, como até então,
exames complementares comparticipados, marcação de consultas das várias especialidades e outros atos médicos
essenciais, o que só pode ser feito pelo médico de família? (Poucos ou inexistentes e dificuldade de resposta) .
Isto implica atrasos em todo o processo, já de si complicados no SNS e que põe quantas vezes em risco a vida do
idoso, para além do incómodo dos doentes, quase todos dependentes, terem que se deslocar aos Centros de Saúde
e Hospitais, em ambulâncias que têm que pagar e ficam horas nos corredores esquecidos desumanamente deitados
em macas, (não por responsabilidade dos profissionais) por situações clínicas que, muitas delas, poderiam ser
resolvidas no Lar !? Que responsabilidade se pode pedir ao médico do lar, que nem um hectograma pode pedir? E o
actual Governo, na 2.a legislatura, ainda não teve tempo de mudar a legislação?
Onde estão a Ordem dos Médicos e a Comunicação Social, tão zelosos a criticar e a não referir esta aberração?
3- A Ordem dos Médicos não tem competência legal ( e conhecimentos) para fazer inquéritos aos Lares.
A sua competência é regular a profissão, apenas isso! Na minha opinião, tentou, assim como o Sindicato
"Independente" dos médicos, colher dividendos políticos da tragédia de Monsaraz. Não respeitou os 18 mortos, os
seus familiares e a abnegação, principalmente das auxiliares cuidadoras, que por pouco mais que o
ordenado mínimo, põem em risco a sua vida e a dos seus familiares.
Como médico de uma geração com valores e princípios, peço humildemente desculpa por esta atitude que
considero vergonhosa, da Ordem dos Médicos e sublinho que para proceder aos inquéritos há as entidades
competentes, nomeadamente o Ministério Público. ( Com critério de urgência.)
4- Há 2520 lares IPSS, com 90 mil idosos, que pelo escalão etário e multipatologia são de alto risco, é forçoso que a
maioria das vítimas mortais aconteçam em lares. ( É óbvio ) Estes pomposamente chamados ERPIS, (estruturas
residenciais para idosos) são na sua maioria Hospitais de Retaguarda, com doentes acamados, entubados,
algaliados, dependentes de 3.a pessoa para hábitos higiénicos e alimentares, com recursos humanos, ou mais, ou
menos diferenciados, totalmente insuficientes, assim como as condições físicas, porque não há vagas nos Cuidados
Continuados, onde estes doentes deveriam e têm o direito de estar. (A nível nacional faltam 7.000 camas.)
5- Eu trabalho em 3 lares, porque me sinto útil, sinto-me vivo, com capacidade intelectual e científica para o fazer, se
não me sentir bem, pego no malote e venho-me embora, ( não era a 1.a vez) não preciso de bajular as Direcções e as
Coordenações, mas estas têm sido inexcedíveis, especificamente cumprindo e ultrapassando até os planos de
contingência preconizados pela DGS e S. Social no contexto Sars Cov 2, mas pergunto, como se consegue o
distanciamento social de 2 metros num quarto de 3 camas com dimensões reduzidas? Pomos uma cama no telhado?
E como se convence um doente com perturbações mentais a manter a distância, amarramo-lo?
6- Eu sei que o texto é extenso, mas é impossível sintetizar, se referisse todos os prós e contras escrevia um livro.
Afirmo convictamente e com veemência, que apesar de todos os esforços, da dedicação e do cumprimento de todas
as regras, o que aconteceu no Lar de Monsaraz, pode acontecer em qualquer Lar, incluindo, lógicamente, nos que
eu trabalho. Basta para isso entrar um funcionário, apenas um, positivo assintomático!
7-Posto isto, a opinião pública não se deve deixar manipular pelos Opinion Makers, e, sem pôr em causa a liberdade
de expressão por um segundo sequer, devem pronunciar-se sobre o que sabem e contribuir positivamente para ser
parte da solução e não manter ou agravar o problema. Para isso, temos alguma Comunicação Social ( quase toda ),
que devido à guerra das audiências faz jus ao ditado " ouve-se mais um a dizer mal do que mil a dizer bem".
Post Scritpum: Não sou profeta da desgraça, mas com o desconfinamento ( necessário ) a gripe sazonal e o
Covid 19 simultâneos, o agravamento da pandemia é inevitável e as dificuldades nos Lares crescem
exponencialmente. Por mais fiscalizações que se façam ( pedagógicas, sem pretender encontrar bodes
expiatórios) não há milagres! (Urgente a antecipação da vacina da gripe, a sintomatologia pode ser semelhante,
não se pode isolar todos os doentes, nem enviar todos para as" zonas Covid ". Estou só a lembrar!)