27 agosto 2020

pode passar o racismo?

A RAZÃO (link) mais forte para o racismo continuar a existir é a má situação dos locais julgarem, com base em preconceitos que vivem mal porque os outros que vêm de fora - podem ser negros nascido cá como podem ser brancos - é que são a causa disto estar mal.

E quem escreve esta conversa de esquerda é porque vive bem e nasceu com a vida ganha... não sabe o que é a vida a sério, a que custa, a dos pobres que batalham.

Poderá passar o racismo?

Claro, quando houver a educação/noção (ou for apreendida) para um mundo cada vez mais próximo, único e global em que as diferenças de pele são só  mais uma diferença no meio de tantas outras e que as culturas tendem para viver baralhadas no famoso melting pot.


O escritor estrangeiro que mais li é, talvez, James Baldwin. E é, talvez também, o mais atual que conheço. A maneira como descreveu, já há décadas, o que se passa hoje nos Estados Unidos da América, em Portugal, e em parte do mundo ocidental, faz entender o pouco que evoluímos – e, talvez,  também o pouco que temos  lido. “Uma das coisas que mais aflige este país é que as pessoas brancas não sabem quem são e de onde vêm.”, disse Baldwin, em 1986. “É por isso que pensam que sou um problema. Eu não sou um problema. A vossa história é. E enquanto vocês fingirem que não conhecem a vossa história serão prisioneiros dela. E não há dúvida de que não me estão a libertar. Porque não se conseguem libertar a vocês próprios.”

A negação do racismo estrutural na sociedade portuguesa e nos Estados Unidos da América está mais vocal do que me lembro. Mesmo quando a polícia agride ou tortura ou assassina a tiro pessoas negras desarmadas, como os residentes da Cova da Moura, na Amadora, em 2015; Cláudia Simões, em janeiro deste ano, na Amadora; ou George Floyd, em Minneapolis, nos Estados Unidos da América, em maio. Quando são mortas pessoas negras, em plena luz do dia, depois de sofrerem ameaças racistas, como aconteceu a Bruno Candé, em Loures, há umas semanas; quando se enche de balas o corpo de um homem negro, aparentemente desarmado, com três dos seus filhos no banco de trás do carro, como aconteceu com Jacob Blake, no passado domingo, no Wisconsin. Quando grupos de neonazis de cara tapada se passeiam com tochas à la Ku Klux Klan, como aconteceu à porta da associação SOS Racismo Ou quando 10 pessoas – deputadas eleitas e ativistas pelos Direitos Humanos – são ameaçadas e intimadas a sair do país por, acusam os fascistas, terem traído a nação.

Mesmo quando tudo isto acontece, as coisas parecem não sair do sítio. O que se segue são declarações de líderes políticos negando que o racismo é um problema estrutural - “há racistas, mas Portugal não é racista”, dizem. Outros nada fazem. E outros ainda pedem calma e “sensatez”, como fez o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa.

Martin Luther King Jr., que ficou para a História (ao contrário de James Baldwin), como um dos mais relevantes líderes do movimento por Direitos Civis no Estados Unidos, escreveu, em abril de 1963, da prisão onde ficou detido depois de liderar um protesto não-violento no Alabama, o texto “Letter from a Birmingham Jail”. Na carta, lê-se: “Primeiro, tenho de confessar que ao longo dos últimos anos dececionei-me seriamente com os brancos moderados. Quase cheguei à lamentável conclusão de que a maior pedra no caminho dos negros para a liberdade não são os supremacistas brancos dos Citizens’ Councils ou os membros do Ku Klux Klan, mas os brancos moderados, que são mais devotos à “ordem” do que à justiça; que preferem uma paz podre – a ausência de tensão – a uma paz real, que implica a presença da justiça; que dizem constantemente: ‘Concordo convosco quanto aos objetivos, mas não posso concordar com os vossos métodos de ação direta’; que acreditam, de forma paternalista, poder decidir o calendário para a liberdade de outro homem; que vivem sob um conceito mítico de Tempo e constantemente aconselham o negro a esperar por uma “altura  mais apropriada”. A superficialidade de análise das pessoas boas é mais frustrante do que a absoluta incompreensão das pessoas de má vontade. A aceitação indiferente é muito mais desconcertante do que a completa rejeição."

entrevista que hoje publicamos é sobre isto. Sobre a espera, a desilusão e também a raiva de quem ouve “não, agora não é o momento certo”. Decidimos lançá-la para que se entenda como os temas e os problemas não mudaram de 2018 para 2020 – e a urgência também não. O racismo sempre cá esteve, e sempre foi sentido por “aqueles que os brancos denominaram de negros”, como diria James Baldwin. O que mudou foi que está tudo cada vez mais às claras. O que deve pedir-se agora não é calma, não é sensatez, não é que se espere por uma altura melhor. É que quem tem o poder abdique dele e “deite a casa abaixo”. Mesmo que a isso tenha de ser obrigado.

Até já,
Ricardo Esteves Ribeiro.

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