25 março 2023

Um olhar sobre o que significa, não ver



⭐⭐️ A minha mente nunca me abandonou. ⭐⭐
Se eu não vivesse isto, não sei se acreditava… 

Tu achas que não ver é viver no escuro? Nada mais natural mas, nada mais errado; pelo menos no meu caso. Prepara-te para uma história inacreditável:

Quando fiquei cego em 2015, nas primeiras semanas fui surpreendido por uma experiência. Eu olhava para o céu, para os espaços exteriores e interiores, para as portas, os móveis e mesmo as pessoas e, continuava a ter uma precessão visual, por vezes muito nítida, de tudo. Até que comecei a ter alguns pequenos incidentes, por me orientar com essa informação, que por vezes, muitas, era errada. Até que o meu oftalmologista me falou numa coisa chamada “visão de memória”. Bem; pensei que estava aí a explicação. Mais; que seria uma espécie de negação mental à circunstância de ter ficado cego e que, com o tempo o cérebro se iria adaptar, resignar e fazer o sentido da visão cair na realidade - escuridão. 

Acontece que, já passaram oito anos e, nada se alterou. A constante sensação de ver tudo e todos e de ter imagens visuais de todos os lugares, mesmo aqueles onde nunca estive quando via, tornaria esta realidade muito estranha e quase impossível de transmitir aos outros, sem que… bem!

Eis senão quando, YES:

Em início deste ano, numa formação da Coach Susana Torres, num contexto que nada tinha a ver, ouço-a a dizer que aquilo que o cérebro tem de mais incrível, é a sua capacidade de criar a nossa realidade. Apesar de à primeira vista esse mesmo cérebro necessitar de fluxos de informação que são fornecidos nomeadamente pelos olhos, o cérebro não depende deles para criar a nossa realidade. Os fluxos de informação fornecidos também pelos olhos são toda a informação que absorvemos do mundo à nossa volta, através, nomeadamente, desses mesmos olhos. Aquilo que vemos, aquilo que ouvimos, aquilo que cheiramos, aquilo que saboreamos, etc., toda esta informação que chega aos nossos recetores, os nossos sentidos, diz ela é enviada para o nosso cérebro e a isso chamamos de fluxo de informação fornecida pelos sentidos. Mas o certo é que, apesar de aparentemente a nossa realidade ser criada pela interpretação ou significado que o nosso cérebro dá a toda esta informação, ele não depende necessariamente deste fluxo de informação para criar a realidade. Quando acaba o fluxo de informação, a realidade não acaba e até pode ser construída! 

Ainda citando a mesma fonte que ilustrou com testemunhos reais, estas são experiências muito comuns em prisioneiros que passaram pela solitária, há um momento em que eles não imaginam as imagens, eles veem-nas. O cérebro gera a sua própria realidade, muito antes de receber os fluxos de informação provenientes dos olhos e de outros sentidos. É por isso que por vezes dizemos que as coisas estão mesmo á nossa frente e ainda assim não as conseguimos ver, porque o cérebro está na realidade a ver outra coisa diferente daquela que os olhos mostram.

Assim e de forma e no momento que menos esperava, fiquei a saber porque continuo a viver num mundo de imagens, formas e perspetivas afastadas do tato.

Sei que, para quem não vive estas experiências, pode parecer um pouco louco mas, a minha relação com as pessoas não são vozes e cheiros mas, imagens reais de pessoas reais. Algumas pessoas que conheço sabem como a descrição num ou noutro caso, feita por curiosidade, de com quem nunca tinha estado antes, eram incrivelmente reais…

A nossa visão, aquilo que vemos à nossa volta, a nossa realidade, tem muito mais a ver com aquilo que já existe na nossa cabeça do que com aquilo que vemos.

A minha mente nunca me abandonou. 

Jorge Paiva e Zangão

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