Caro Rui Tavares
Cedendo ao sentimento de estar a cumprir um dever inútil, inscrevi-me anteontem como subscritor do Livre / Tempo de Avançar. Com o mesmo sentimento, dispus-me a escolher e sequenciar os nomes dos candidatos a deputados no primeiro escrutínio a que procede.
Com a minha longa carreira de apoiante a causas perdidas, percorri a vossa lista com uma curiosidade crescente. Julguei que iria encontrar um pequeno grupo de idealistas e românticos convictos, mas incapazes de se entenderem entre si, rodeados de jovens ingénuos e de seguidores passivos, além de uns tantos especialistas em generalidades. Em vez disso, deparei com um conjunto de gente jovem ou mesmo muito jovem, mas já com carreira profissional, assistencial, científica, administrativa ou sindical, colaboradores de grupos com experiência em tarefas programadas, muitos deles com experiência internacional e responsabildades directivas. Ao seu lado, alguns velhos lutadores incorrigíveis. E, obviamente, os principiantes entusiastas. Em suma, um conjunto com virtualidades raras na área da acção social e da formação técnica e científica, e que, por isso, têm todas as condições para coordenar a variedade das diferenças individuais com a unidade do objectivo comum. Tendo chegado a esta conclusão, pareceu-me que seria estúpido, no meu caso, ignorar os factos e ficar tranquilo na minha passividade.
Aquilo que esperava ser apenas o cumprimento de um dever pessoal (meter um papel com cruzinhas dentro de uma caixa), ou uma forma de me desresponsabilizar do que se passa neste país e no mundo inteiro, transformou-se na convicção de que há ainda alguma coisa a fazer e esperar, antes de me abandonar à resignação sem retorno. Devo confessar, com efeito, que tem sido essa, desde há vários, anos a minha posição pessoal em matéria política, tanto nacional como internacional. Para qualquer lado que me volte — educação, assistência, economia, religião institucional, relações internacionais, adequação dos recursos naturais às necessidades básicas, saúde pública, clima, valores, dignidade humana — as perspectivas globais do nosso futuro a médio ou a longo prazo parecem-me aterradoras. Em qualquer estatística de âmbito largo se verifica a total desproporção entre a vastidão das tarefas imperativas, e a possibilidade racional de as executar com êxito, tanto a nível mundial como a nível nacional. Mais vale, pois, esquecer a promessa modernista do progresso universal ou a virtualidade automática da democracia, e ver se a única solução é cruzar os braços.
Escrevo estas palavras para lhe dizer que encontro no Livre / Tempo de Avançar, tal e qual ele se apresenta neste momento, no nosso país, uma causa pela qual creio que merece a pena lutar. Uma causa, pois, a que adiro com efectiva convicção.
Esta posição associa-se à adesão a outras iniciativas espontâneas que actualmente surgem no nosso país e no mundo, e se consagram a dar realidade aos ideais humanitários da compaixão, do amor ao próximo, da educação infantil e juvenil, da gestão prudente dos recursos naturais, da honestidade, do trabalho responsável… Procuro estar atento às, afinal, numerosas iniciativas espontâneas que neste campo vão surgindo, e tenho uma esperança acrescida no futuro quando elas se dispõem a reforçar a sua acção por meio da associação e da coordenação de esforços.
Não sei se pelo sucesso do Livre / Tempo de Avançar posso ainda fazer pessoalmente alguma coisa mais, além de tornar pública a minha decisão. Queria, pelo menos, que os meus amigos conhecessem as razões que me orientaram. Gostaria muito que não fosse mais uma causa perdida da minha vida. Gostaria muito que os meus amigos e conhecidos fizessem um acto de confiança no que agora é apenas como um grão de mostarda mas pode tornar-se uma grande árvore.
Seu admirador e amigo
José Mattoso
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