Reconhece o Leonardo? Aquele miúdo pacato, bom conversador, que sonha continuar o ofício do avô e preservá-lo enquanto património da humanidade. O Leonardo pratica karaté, tem amigos e dorme bem. Aprendeu que o sofrimento é inerente à condição humana e gere os desafios da vida com relativa tranquilidade.
Nas aulas, senta-se próximo da janela. Ao seu lado, fica a Catarina. Ela não tem tempo para apreciar a vista ou cultivar amizades. Dorme em sobressalto. Tem de estudar, não pode descansar, porque se não entrar no curso e na faculdade que escolheu nunca será ninguém na vida!
O Leonardo acabou com média de 16 e a Catarina com 19 ponto qualquer coisa.
O Leonardo revela um excelente desenvolvimento sócio emocional e com certeza (é a ciência quem o garante!) terá uma boa integração no mercado de trabalho, constituirá uma família saudável e cultivará uma rede social (real) positiva. Já tem melhor saúde física e psicológica do que a Catarina.
Mas a Catarina recebeu um Diploma de Mérito. Ele não!
O Leonardo, o Joaquim e a Maria Inês, que tanto contribuíram para a harmonia e o bem-estar da turma, não receberam um Diploma de Atitudes e Valores… em três anos, não sobrou tempo para enxergá-los e tão pouco para deixar esse registo em ata!
Felizmente, o Leonardo sente-se orgulhoso por quem é…
A Teresa (Simone Biles, para os amigos!) também. Escutou os seus aterradores ataques de pânico, procurou ajuda e cuidou-se. Hoje domina a exigente matéria do autocuidado. Redescobriu o prazer de comer, de tocar clarinete e de ajudar os idosos do seu bairro!
A média de 17 levou-a a abrir horizontes. Atendendo ao que verdadeiramente lhe importa, descobriu a sua vocação.
De todos, é hoje a aluna mais feliz. Empunha um Diploma de Honra que enaltece o seu empenho, mas que não lhe custou a vida.
Também ela merecia um Diploma de Atitudes e Valores, concordam?
Segundo a OCDE, a prosperidade económica e a coesão social dos países podem ser impulsionadas pelo desenvolvimento de competências sócio emocionais.
Promover ao longo do percurso escolar competências de adaptabilidade, autorregulação, comunicação, pensamento criativo, resiliência e resolução de problemas, é imprescindível para desenvolver gerações de cidadãos realmente empenhados no desenvolvimento positivo da Humanidade.
Apesar da ciência reiteradamente validar a importância do investimento na promoção destas competências, este continua diminuto. A sua expressão na avaliação global dos alunos é irrisória, nomeadamente no ensino secundário. O nosso sistema de educação persiste em privilegiar a aquisição massiva de conhecimentos, traduzidos em diplomas de mérito.
Será a cultura do ranking a responsável ou somos nós, os adultos, que andamos a desresponsabilizarmo-nos de enxergar o bem-estar sócio emocional… o nosso e o dos miúdos?
O que observamos? Um crescente número de crianças e jovens que apresenta sintomas de ansiedade, depressão, insegurança perante os desafios do quotidiano. Incapazes de acionar mecanismos de ação integradores e saudáveis, os sucessivos ataques de pânico (e outras manifestações dolorosas) evidenciam as suas fragilidades ao nível da saúde psicológica. Em muitos ressoa “as tuas notas refletem quem és, definem o teu futuro!”. São os responsáveis pela sua educação, proteção e segurança que de forma hedionda (mas bem-intencionada!) constantemente lhes relembram que a vida se reduz a três anos!
Sem competências sociais e emocionais, a vida será para muitos um caminho mais difícil e mais tortuoso. Vamos esperançar e cuidar de distribuir mais Diplomas de Atitudes e Valores, sim?
* Artigo escrito em coautoria com Carina Nunes, psicóloga
Resposta minha: Todos somos precisos para criar uma sociedade melhor; não há regras! Nem só marrões, nem só baldas, nem egoístas, nem altruístas. 'Nunca ter tentado. Nunca ter falhado. Não importa. Tentar outra vez. Falhar outra vez. Falhar melhor.' Samuel Beckett. A vida perfeita está, felizmente, por ser inventada!
Sem comentários:
Enviar um comentário