O nosso Presidente – sumo-sacerdote do optimismo que tanta falta nos
fazia – veio anunciar outra previsão encantatória de crescimento para o
final do ano: 3,2 por cento.
Para quem se habituou a queixar-se tanto, como os portugueses, das
amarguras do destino – ou talvez por causa disso… –, foi mesmo uma
bebedeira de proporções épicas. Tivemos quase em simultâneo e em directo
nas televisões a reedição dos três F (Fátima, Futebol e Fado), ainda
que o terceiro tenha sido argutamente substituído por uma enternecedora e
«caetano-velosiana» balada que triunfou no Festival da Euro-visão. Já o
Benfica ganhou o campeonato nacional e não a Liga dos Campeões (embora o
parecesse, com tanta gente em êxtase, num efeito mimético da vitória da
Selecção no Europeu de 2016). E o Papa Francisco veio santificar os
dois pastorinhos no momento em que a nova mitologia de Fátima reduz as
aparições a meras visões, tornando por isso ainda mais enigmático o seu
mistério (e deixando a irmã Lúcia de fora) …
Mas como se tudo isto não bastasse para explicar a euforia, os
indicadores registaram um crescimento económico inédito em tempos
recentes, com o número mágico de 2,8 por cento. E, para compor o
ramalhete, o nosso Presidente – sumo-sacerdote do optimismo que tanta
falta nos fazia – veio anunciar outra previsão encantatória de
crescimento para o final do ano: 3,2 por cento. Já o primeiro-ministro,
apesar do seu «optimismo irritante» (segundo o Presidente), não se
atreveu a comentar, porventura com receio de quebrar o encanto…
É bom demais para ser verdade? Pois é, mas seria preciso ainda acrescentar, além do boom do turismo, o enamoramento das vedetas do showbiz
planetário por Portugal e em especial por Lisboa: a última a chegar e a
pretender ser nossa conterrânea foi, nem mais nem menos, Madonna. Temos
a de Fátima, ficamos agora com a sua versão mais maliciosa.
A propósito de euforia, poderemos partilhá-la com os franceses (e os
pró-europeus de todas as latitudes) à procura de convalescer da
depressão das últimas décadas, na sequência da vitória de Emmanuel
Macron e da nomeação do seu Governo chefiado por Edouard Philippe,
prometedor discípulo de Alain Juppé (apontado como favorito das
presidenciais antes de ser derrotado nas primárias da direita).
Apesar
das trapalhadas – aqui referidas há uma semana – na constituição das
listas eleitorais, que ameaçavam comprometer a credibilidade de uma
futura maioria presidencial, Macron conseguiu atingir, aparentemente, a
fórmula que permitirá recompor a paisagem política francesa, para além
das fronteiras da esquerda e da direita em ruínas – e hoje
entrincheiradas nos extremos populistas de Mélenchon e Le Pen. A
arquitectura engenhosa da equipa Macron-Philippe, com a inclusão do
líder ecologista Nicolas Hulot entre sociais-democratas, centristas e
gente não alinhada da sociedade civil, promete, pelo menos, criar um
quadro político novo, influenciando o desbloqueamento da crise europeia.
Acontece, porém, que do outro lado do Atlântico os motivos de
depressão precipitaram-se vertiginosamente. No Brasil, o Presidente
Temer estava neste fim-de-semana à beira da destituição, arrastando com
ele todo um sistema parlamentar e governativo gangrenado pela corrupção
desde os tempos épicos de Lula – o que implicaria pouco menos do que uma
revolução. Já quanto a Trump, tudo ultrapassa o inimaginável, mesmo
para quem via o caos instalar-se a uma velocidade meteórica na Casa
Branca.
As Américas vivem duas situações insustentáveis e nenhuma
saída para elas se apresenta particularmente auspiciosa. Por uma vez,
pelo menos, podemos cultivar a sorte de sermos europeus (e portugueses).
É uma ilusão passageira, decerto, até porque não vivemos em mundos
estanques e desconhecemos o que virá a seguir. Mas é, apesar da ironia,
um convite para combater as tentações depressivas.
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