José Manuel Pureza no Expresso diário de 17.07.2018;
«Há essa coisa meio misteriosa de, dos nossos mortos, recordarmos o sorriso. O João morreu-me. E o que eu mais recordo dele é o sorriso. Aquele sorriso de olhos semicerrados que exibia um gosto imenso pela vida. “Tive a vida que escolhi – disse ele - a vida que quis, não tenho nada de que me arrependa no que foi importante. Sim, fui muito feliz (…)”. É isso: lembro o sorriso do João porque esse era o sorriso de um homem feliz.
Conheci o João Semedo pela mão do Miguel Portas (tinha que ser…). E rapidamente ele se tornou num camarada, depois num amigo, e depois no meu irmão mais velho. Fiz todos os diálogos com o João, pedi-lhe todos os conselhos, todas as opiniões. O João esteve sempre lá, nunca me faltou.
O meu vazio com a morte do João é, pois, pessoal antes de ser político. Um irmão não se substitui. Mas é também um imenso vazio político. Falta-me o camarada com quem fiz tantos e tão cúmplices anos de caminho. O João ensinou-me que um partido não se faz de frações que se fecham em ser frações. E que as mudanças que contam não se fazem de partidos que se fecham em ser partidos. O João tinha essa qualidade sábia de ser um homem de partido como conheci poucos e de, sem nunca perder essa lealdade sem sombra, ser um artífice de maiorias para mudar o que tinha que ser mudado. Foi como homem de partido, totalmente livre e totalmente comprometido, que o João construiu plataformas, conversas, redes, movimentos, maiorias. E foi isso que fez do João um nome certo de tantas mudanças essenciais.
Os homens e as mulheres das diversas esquerdas confiavam no João. Sabiam que ele não amolecia na defesa da firmeza de princípios e que ele não se escusava a nenhum esforço para juntar gente, vontades e saberes para dar força às causas da democracia avançada em Portugal. Foi por isso que foi com ele que António Arnaut quis trabalhar uma proposta para salvar o Serviço Nacional de Saúde.
Foi por isso que Laura Ferreira dos Santos e João Ribeiro Santos contaram com ele para a consagração em lei do direito a morrer com dignidade.
Mas havia uma outra razão para o João ser um tipo de toda a confiança. É que o João conhecia a realidade, estudava-a meticulosamente. Por isso as suas propostas de mudança nunca eram panfletárias e tinham sempre uma autoridade irrecusável. O João foi sempre um ativista da mudança das estruturas e das vidas. Sempre pelos de baixo. Juntando conhecimento, elegância e ambição de radicalidade da transformação.
Quando se fizer a História das conquistas de uma democracia avançada em Portugal, o nome do João Semedo estará lá, como referência maior. Sei disso. Mas a mim fica o vazio de ter perdido o meu maior amigo.»
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