25 setembro 2020

ESPETACULAR

O que mudou com o meu AP?
A 18 de novembro de 2006 (há mais de 13 anos, outra vida, hrumpf!), o Zé Maria
teve um TCE (Traumatismo Crânio Encefálico) grave devido a um acidente de
viação causado por sonolência ao volante. Foi a entrada num mundo novo de
reaprendizagens e novidades, um desafio que se fosse fácil não tinha piada.

Vai falando e andando melhor com subidas e descidas numa progressão algo
inconstante mas sempre positiva num processo longo, qual maratona.
A assistência pessoal sempre sentira como um projeto muito à frente, arrojado
mas que não precisava, não queria: genial mas como ir à lua.

Sempre achou que tornar-se mais dependente de outros era algo que não queria
(coisa de miúdo, como o vírus tem demonstrado: somos todos interdependentes),
não fala e não anda mas vai cantar e brincar ao pé coxinho, é um brincalhão!

De facto, percebo agora que é dar dois passos atrás para dar um à frente,
qualquer pessoa é um misto de órgãos, sensações, sentires, muita coisa; não
se percebendo bem o que é o todo, por vezes. E sendo eu um ser que precisa
muito de pessoas, adapta-se a mim este projeto como uma mãe a um filho.
Já não sei bem (ou sei mas não interessa para aqui) como surgiu o primeiro passo
e ia receoso e confiante, receoso porque tinha medo de perder intimidade; confiante
porque tinha visto como funcionava bem com um grande amigo meu e funcionava
muito bem: dava-lhe vida, nem sabia o quanto isto seria importante para mim.

Como todas as novidades só sabes se é bom depois de experimentares e a uma
reunião via zoom com o F., seguiu-se uma reunião presencial, ficara acordado
avançar com o projeto: o próximo passo seríamos só nós dois.

O F. era brasileiro (fala mais vocálica, o que é bom para mim), moreno, paulista,
entroncado, mais novo que eu e bem disposto, sorriso fácil: começou bem, não
roubava espaço, extremamente humilde, bastante recetivo e tão prestável que me
deixa pouco à vontade: você vai ter que ter paciência para eu não o entender,
pensava: já estou habituado. A Fala como é bito tem-se desenvolvido bem pelo
contacto com ele.

Várias indicações tinha tido: de ser preciso manter alguma distância não confundido
afetos com o lado profissional, manter alguma formalidade, não querendo criar amizades.

Quem me conhece sabe como é infrutífero este pedido, não tenho jeito para ser patrão,
dizia eu.
Minha fonte de confiança neste projeto dizia-me: quero alertar-te para a necessidade de
seres patrão à tua maneira em certas circunstancias.

O meu AP F. tem sido um rever, de novo, minha vida de privilégios por outros olhos
(passeios, família e amigos), um constante falar de acabar o dia cansado, um rir até
não conseguir falar, tem sido autonomia.

O F melhorou a minha vida, é (exageradamente) calmo, da paz e dá gosto
apresentar-lhe amigos de quem gosta e é gostado.

Tenho ganho mobilidade na cadeira de rodas (tripé e fala não combinam e não quero
desperdiçar a companhia...) e treinado a fala acabando o dia cansado; a fala tem
melhorado muito pelo constante uso.

Prevejo (ou talvez não…) que também no andar vou passar para outras fases após
cimentar sua presença.

Tenho tido companheiros, familiares, ao longo destes 14 anos, mais íntimos e para
quem a minha vida não é uma novidade; agora, tenho que estar mais atento, ativo
ao trânsito para indicar (e ser patrão à minha maneira) e mostrar, descobrir gostos
em comum. 
Tenho estado como anestesiado, apaixonado, pelo F., a minha vida ganhou ânimo,
 só quero que esta sensação/relação se prolongue.


É bonita essa relação, seria também interessante falares dos maiores desafios, o que corre menos bem, ou o que ainda te frustra nessa relação com o teu AP..


Tens razão: parece, realmente, um sonho e quando estamos apaixonados exageramos as coisas boas e esquecemos as más mas:

- tirando as terapias físicas, excepto a fala, tenho me tornado demasiado dependente e trabalho pouco o andar; de notar, que as terapias voltaram todas, também, agora;

- tenho poucas horas semanais, dando valor a tê-lo por ser raro; 2 dias (3s e 5fs) das 9h às 18h

- dificuldade na escolha de um filme, por exemplo, ou de um espaço: museus, exposições, jardins; ele não é exigente mas eu não nos quero dar má qualidade; acaba às 18h... e começa cedo, 9h por causa das terapias, dá-me uma ideia do tempo enorme como as férias de 3 meses no verão;

- ter medo que este sentimento acabe; ou quando acabar que se transforme em algo que eu não goste mas é um medo infundado: está-se a tornar um belíssimo amigo;

- sensação que ele me ajuda em demasia como alguém rico é usado com os empregados;

Sem comentários: