Já imaginei ser corredor de hipodrismo nas paraolimpíadas.
Já fui futebolista, é uma boa forma de fazer amigos.
Já fui escritor.
Já ouvi e fui ouvido, conversei.
Carnide já foi um lugar único e mágico no dia a dia em mais um step.
Política social é uma forma ganha de estar na vida.
Já fui dançarino CIMpático, ao vivo tem presença e é outra coisa.
Já estive para ir como voluntário numa ONG para Angola.
Já encornei e fui encornado.
Já tive bom e mau humor.
Passo a maior parte do tempo a brincar, o que nem sempre é bem entendido.
Já fui eficiente e deficiente, nunca fui normal.
Amo e sou amado diariamente.
Já fui emigrante (participar em projetos europeus é próximo).
Já fui boémio, amante do bairro alto, praia das maçãs, Albufeira é muito mau e afins.
Já fui animador e diretor em campo/colónias de férias.
Já fui turista.
Já fui à pinha, roubei uma mesa de matrecos.
Já joguei (mal) snooker, às cartas, paus, rummy, trivial, risco e afins.
Já namorei.
Já fumei e bebi mais do que uma dose habitual.
Já estive em Marrocos, Amesterdão, Barcelona, Paris, Londres, Bélgica, Praga, Auschwitz, Múrcia, Pontevedra e há muito tempo que não vou a nenhum lado.
Já fiz parte de um lobby na Universidade Católica Portuguesa de uma pós graduação on line com o nome de Diálogos e narrativas para a inclusão na deficiência (ou!?) com um grupo muito giro...
Já estive sem poder andar, nem falar de todo: sempre numa cadeira de rodas e apontar letras num alfabeto.
Já estive dois meses em coma.
Já tive terapias em, pelo menos, 10 espaços; de norte a sul, internacional e nacionalmente.
Isto estava a abafar-me o peito: a vida passada e tenho excelentes aliceces para construir futuros
Digo constantemente, ninguém gosta de jogos fáceis.
A vida é um desafio, felizmente, difícil.
Não oiço nunca ninguém dizer: quero outra vida porque esta é muito fácil.
É tudo uma questão de perspetiva, de como olhas para a vida.
Há quem não se preocupe com ela, problematize, suavize, angustie, desabafe, crie lirismos à volta dela; viva sozinho, individual, isolado do mundo; seja do social, crie mundos, precise de pessoas.
Todos tentamos entretê-la para não ficarmos parvos, aborrecidos, chateados.
Todos querem estar nos mais altos campeonatos, entre os melhores e, para isso, temos que vencer as dificuldades.
Desconfio que ninguém passe pela vida sem nada para fazer!
É, pelos vistos, um filme mais nosso contemporâneo do que contemporâneo do Portugal dos anos 1980….
Manuela Serra: Já a minha mãe dizia que eu era demasiado avançada, que era preciso darem-me para trás…
Trailer (versão restaurada)
O Movimento das Coisas, de Manuela Serra (Links para entrevista UMe DOIS, entrevista em duas partes).
A entrevista dá para sentir um pouco do vivido no filme, é forte esta Vida, percebendo a magia individual de Ser, individual mas abrindo sempre um olhar sobre o social, os outros!
O Filme, ficamos todo o tempo preso como quem entra num museu e se concede o privilégio de sentir/de assistir: é totalmente sensorial!
Sentes cheiros, texturas e sabores apenas induzido pelas imagens que vês associadas aos sons que ouves.
É uma poesia, fui observador de um espaço de que tive saudades por ternuras, a espaços sem nunca lá ter estado e que invejo pela vida mais prática e ativa, mais vivida e inspirada.
Quando pela manhã (manhã igual de todos os dias) O olhar quebra a rotina da rota Ergues-te vermelha trepadeira No jardim ao meu encontro Com o
afeto de um amor solto Solto sem dor flores do teu corpo E com o cuidado que a alma Sempre guarda o bom segredo Caminhamos juntos para Oriente Onde o rio cresce para o mar Entre Anjos, Olaias e a chegada (num Metro vivo imaginário o livro cala o ruído à lagarta) Vibram as pétalas floridas Ao encontro da sua morada Pousam secas como gelosias Entre folhas de poemas lidos Guardam a dor das linhas escritas Marcadores de ocultas cifras Nas teias bordadas pelas aporias
Caminhava pela rua da Junqueira, longe de pensar em invasão de propriedade privada, quando passei à porta do defunto. É como lhe chamo: ancorou como pequeno palácio frente ao Tejo no século XVIII, com aqueles torreões acastelados, e entretanto o rio recuou por causa dos aterros, dando ao defunto espaço para crescer – foi casa de Verão dos patriarcas e depois andou por aí meio vendido, a ir com todos, até ser agarrado por Henrique Burnay em 1880.
Este, de tanto gostar dele, deu-lhe novas alas, um teatro, estufas e aquecimento central; mas o defunto, ingrato, vendeu-se ao Estado nos anos quarenta, e com esse proprietário ficou até hoje. E acabou sem ninguém, porque está abandonado.
Fica no 86, embora os cento e cinquenta metros de fachada sejam demasiado grandes para um número apenas.
Eu não pensava visitá-lo mas uma janela aberta encontrou-me. E disse-me muito seriamente que visitar os necessitados é uma obra de caridade. Espreitei, vi um átrio de pedra de tal modo vazio que já era um tanto meu.
Pareceu-me que visitar sozinho o defunto tirava-lhe metade do encanto, e metia um bocado de medo. A invasão pareceu-me interessar a um escritor. Telefonei ao meu amigo Hugo Mezena, que acedeu de imediato, decerto prevendo alguma literatura. «Mas traz um colete amarelo», disse-lhe. Lembrava-me de ler sobre um ladrão que usava os coletes amarelos para resolver quase todos os obstáculos: muito à vista mas camuflado, assim vestido ninguém questionava que partisse janelas e arrombasse portas.
Entrámos pela minha janela com calma e sem disfarçar, enquanto eu dizia: «O cliente nunca está satisfeito com a vistoria, já é a terceira vez que voltamos ao local», e o Hugo repetia: «Nunca satisfeito, nunca satisfeito».
Por dentro, o defunto estava mesmo morto: na entrada de pedra já não havia nenhum Burnay, nem um dos nove filhos do primeiro Henrique; outro tanto para os patriarcas de Verão e para os professores e alunos que ocuparam o edifício a partir da segunda metade do século XX. Devem ter assistido ao degredo da casa, os frescos agarrando-se frágeis aos tectos, e foram-se todos embora. É muita ingratidão para tanto palácio.
Embora abandonado, hoje a desenvencilhar-se sozinho, o meu defunto, o meu palácio, ainda não deu completamente de si. Vai tentando tapar a incúria com as mãos. Algumas partes já estão bastante ao léu: as duas estufas quebradas pela testa e alguns salões de portas abertas para o jardim onde, em 1907, os Burnay deram um garden party de abanar Lisboa. E há partes que se aguentam pela força do hábito: o salão de jantar, o hall da escadaria principal.
Os nossos quatro passos fariam eco se as tábuas não suassem humidade, se os veludos e as tapeçarias e essas coisas com que, no século XIX, se revestiam as casas não cobrissem as paredes. «Isto é inacreditável», dizia o Hugo enquanto percorríamos as divisões, espécie de jogo de Tétris onde se encaixou a opulência e a incúria. «É inacreditável», dizia eu.
Nas alas à esquerda e à direita do maciço principal, vimos as muitas marquises que faziam de salas de aula da Universidade de Lisboa. Um poster indicava a data mais recente do defunto, 2016.
Mas em cima, no torreão principal, uma agenda de 1997 marcava para as 15h30 do dia 23 de Junho um «Conselho Administrativo (Extraordinário)», seguido de «Lembrar à Guidinha daquele assunto com o sacana do João».
Depois da estufa ocidental, rebentou-se-nos no olhar um teatro de cem lugares. Nos frescos do tecto, os querubins de Malhoa dançavam e divertiam-se e faziam as seis artes. À entrada, os visitantes como nós deixam mensagens num quadro de escola. Foge foge foge foge, escreveu alguém a giz.
A morte é que não consegue fugir: enterrou-se demasiado neste abandono, vive só e em desgaste. Nem sequer abriga um pedinte. E não tarda o telhado começará a abater e o palácio morrerá como muita gente: pela cabeça.
Visitávamo-lo havia uma hora quando senti a falta de fantasmas. De espectros e outras aparições. Uma casa destas não é uma casa destas sem uma taxa mínima de sobrenatural. Como não tenho jeito para essas histórias, pensava que os roll-ups com fotografias dos antigos Burnay eram fantasmas suficientes quando me lembrei de que o Hugo Mezena é escritor. Calha bem, ter um escritor à mão.
Pedi-lhe um fantasma, e ele inventou este:
«– Ei, por aqui! – ouvimos. E uma brisa suave, quase imperceptível, agitou os nossos coletes. – Por aqui! Vamos!
Não tínhamos ainda percebido os contornos da exígua divisão na qual nos encontrávamos quando, por baixo de uma das clarabóias pelas quais entrava uma luz a que os nossos olhos se demoravam a acostumar, a ténue figura se materializou. O ar era distinto. O ar de quem não gostava, já em vida, de ser importunado. E agora, com tantos anos daquela recatada existência, tinha mais que fazer do que aturar curiosos, malandros que se dedicam a vasculhar casas alheias, tratantes que se pavoneiam de remexer as coisas dos outros, convencidos de que estes já não se encontram lá. Mas havia que aguentar o frete.
– Por aqui! Vamos! – continuou o espectro. – Vou levar-vos àquilo que realmente vos trouxe cá. Algo reservado aos curiosos, aos temerários, aos que seguem a sua aventura até ao fim. Isto desde que prometam deixar-me em paz logo de seguida.
– Prometemos – dissemos num ápice.
– E de uma vez por todas.
– Tem a nossa palavra.»
Seguimos os três para o pináculo do torreão, a única parte do palácio que nos faltava mapear. Acede-se por uma escada em caracol a partir do sótão: e, quando nada indica, estamos numa sala ampla, no meio da qual nova escada em caracol permite subir para o pináculo. Permite ou não permite, consoante a madeira apodrecida se desfaça sob os pés.
Lá de cima, num único ponto rodeado de janelas, Lisboa foi mesmo minha. Às rédeas de um palácio que eu conquistara, a cidade rolava com deferência. Rolava para mim, toda ao ritmo da minha música.
Mas tive de descer rapidamente, porque os passos do Hugo (que não deve pesar mais de oitenta quilos) faziam tremer a escadaria. Os passos do fantasma não se sentiam. A estrutura de madeira desmoronar-se comigo de arrasto seria uma boa vingança do defunto, mesmo que não lhe tivéssemos feito mal.
O fantasma riu-se, disse «Isto está assim há muito tempo, não é agora que desaba», e foi assombrar outros metros quadrados.
Saímos do palácio Burnay sob a alçada do colete amarelo. Fizéramos mais uma vez o levantamento que o cliente pedia, não repetíamos a empreitada. Obrigarem-nos a entrar de novo naquela espelunca já era abuso.
No fim, passámos de mota por uma esquadra da PSP. Não resisti. Parei: «Desculpe lá, senhor agente, mas aquele palácio abandonado na Junqueira tem uma janela aberta ao nível da rua.» Disse o agente que volta e meia há quem invada, mas eles – que azar do caraças – nunca conseguiram apanhar ninguém. E eu só pude concordar e lamentar-me: «Naquele estado, qualquer idiota entra!»
Não saberei exprimir a sensação... é muito sentida: foi Lindíssimo!!!
Calígula é uma peça escrita por Albert Camus iniciada em 1938 e publicada em 1944.
Foi reescrito por Cláudia Cedó (Espanha), encenado por Marco Paiva e produzido pela companhia portuguesa Terra Amarela formando outra peça mas assente na passada e é uma experiência ir assistir a esta peça.
Põe em causa todas as noções do tempo e espaço habituais que possas ter, é um espetáculo feito, maioritariamente, com gente deficiente; o que já de si é, não deveria ser mas ainda é, um desafio NOTÁVEL.
8 Atores: trissomia XXI, uma pessoa muda. outra com os membros usados de outra forma, mais eficiente, entre outros; legendado automaticamente em português: o castelhano e o português.
Dá outra qualidade humana as várias limitações (capacidades/qualidades) a interagirem e superarem-se entre si num espetáculo produzido em conjunto.
Uma necessidade de libertação.
Pode tratar-se o despotismo de várias formas. São também muitas as possibilidades de o erradicar. Mas, na verdade, o despotismo é um vírus que se espalha desenfreadamente e sobre o qual não se tem nenhum controlo. Funciona como um enorme incêndio que se propaga rapidamente e transforma tudo em cinza.
Em Calígula morreu. Eu não, por um lado, pensa-se na ação despótica como um impulso. Um impulso cíclico que responde a uma necessidade de libertação, de esvaziamento, de autossatisfação. Por outro lado, tenta-se agir no sentido de erradicar esse mesmo despotismo. A proposta é a de resolver uma situação ficcional, recorrendo a outra situação ficcional. Calígula não morreu! É preciso perceber porquê. É preciso revistar a história, voltar a contá-la, entender onde errámos e tentar que ele finalmente morra.
Para isso, Marco Paiva dirige um elenco que reúne intérpretes com e sem deficiência e surdos, num espetáculo composto por uma equipa mista, portuguesa e espanhola, que junta dois teatros nacionais da península, o D. Maria II e o Centro Dramático Nacional de Madrid.
Na passada sexta feira, fui ao teatro ver esta peça, (Calígula morreu, Eu não) com a mera garantia de qualidade a ser dada por ter conhecido o encenador Marco Paiva num cursoonline ("Diálogo(s) e Deficiência(s): A construção de narrativas para a inclusão") em quatro sábados das 10h às 13h em que ele era formador.
Parece irrelevante (12 horas cativantes e enriquecedoras) mas não é: é um comunicador a desmistificar a deficiência e fá-lo bem, muito bem!
É um sedutor, que alicia com o olhar e seduz!
Tinha a certeza que o trabalho dele como encenador (sem pisar o palco) ia ser bom, espalhei publicidade o melhor que sei e pude; vai estar pouco tempo; e foi melhor do que o esperado, as expectativas eram altas mas o trabalho com o mundo deficiente é sublime e liberta energias.
O mundo admirável que nos mostraste: OBRIGADO!
Saímos todos da sala mais leves, contentes, melhores; enchíamos duas filas (13 pessoas) do lado direito da fila central, com acentos a separar porque há para aí um vírus.
Consegui juntar ali, como num piquenique, pessoas de várias zonas da vida: Ex colegas de licenciatura e workshops, filósofas, familiares cúmplices num fim de tarde solarengo e bonito lisboeta.
Esta peça devia ser obrigatória para toda a gente ver e dar valor à sua existência: os atores são todos muito bons, fantásticos!
E gostei dos pensamentos que me provocou!
A distinção entre eficiente e deficiente já era mal entendida e depois de ver a peça faz pensar que cada um de nós tem imenso para dar ao mundo...
Faz-nos entrar noutra dimensão e pensar e pensar e sonhar!