"Eu quero acompanhar o meu cantar vagabundo de todos aqueles que velam pela alegria no mundo" (caetano veloso)
13 novembro 2025
O aleatório é mágico...
09 novembro 2025
- Os primeiros laços no ser -
A Verónica era uma mulher inteligente, forte, boa, realista, velhota e com uma alma cheia de força feminina nos seus 75 anos de idade, pedia mais. Funcionária de uma antiga escola secundária renovada e profícua de juventude e de novidades.
As durezas da vida tinham-na
tornado algo bruta e com longos momentos masculinos.
Cada Ano Letivo Novo lhe dava
brilho no olhar sentir que a escola se rejuvenescia, mas essa energia ia-se ao
longo do ano passar com as épocas festivas. Passagem de ano, Páscoa, Carnaval, Verão,
fins de semana motivavam o ritmo oscilante em que vivia.
Sentia-se envelhecer, o corpo
emperrar, ganhar sons ferrugentos e melancolia no olhar, cada dia pior; às
vezes, porque de vez em quando era melhor; mais míope; os ouvidos ensurdeciam;
o sabor e gosto perdiam-se; o faro passou a ser cada vez mais unicamente uma
cidade capital no Algarve e o tato parecia ter ganho novas credenciais pela
perda dos outros sentidos: via, ouvia, cheirava e saboreava pela ponta dos
dedos e pela palma das mãos. Mas a alma jovem parecia contrária a esse corpo
antigo: desabrochava.
Estava a envelhecer e gostava que os jovens do liceu alimentassem a curiosidade nela nas horas vagas, transbordava experiência que enriquecia com as novas brincadeiras sorridentes, energéticas, alegres e contagiavam.
Era bom um professor faltar, mas
contrária à sua profissão e missão; só auxiliava porque havia necessidade, mas as
ausências cada vez mais comuns, davam-lhe alimento ao sabor, davam-lhe alunos e
dotavam de vida as horas mortas.
Pontuava o seu ser nas horas
quando faltava um professor e que insistia em dar alguma alma contrariando a
frase inicial deste conto ‘A Verónica era uma mulher boa, realista’, tornando-a
algo mágica, longe da realidade.
Inês era uma caloira de 15 anos,
baixinha, tinha a alcunha de ‘anã’, era mimada, muito magrinha, quase enfezada,
branquinha, olhar esperto e muito desenrascada que já aprendera que tinha mais
a ganhar em passar as horas soltas e iniciais da manhã que nas aulas. Passava,
primeiro, célere pelo bar, madrugando para comprar algo a partilhar com a
amiga velhota Verónica.
Com quem partilhava amigos, conversas
e curiosidades: isto do mundo é muito curioso, todos sabemos que é bom comer
e descansar, mas quando abusamos há logo uma alma carinhosa que nos apelida de
Preguiçosos. E o Amor? Passamos sempre mais tempo a trabalhar: coisa suja e
cansativa, que dizes disto meu velho?
Verónica ri e responde: não
sei se é tão verdade como isso, como se diz. Comer e descansar é bom, mas não
em excesso, depende muito do momento, da idade, da altura do ano. Quando temos
algo para fazer não há fome, nem cansaço que nos demova. O amor é das coisas
mais mal-amadas nesta vida, sem razão, tens razão; falo do amor na amizade,
entre nós dois por exemplo, o palmier e o sumo que nos trazes a partilhar…
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- As Verónicas são corajosas e têm muita qualidade - |
Após o primeiro período, após as
férias, Matilde e Xavier e Matias também começaram a aparecer, mas só nas horas
livres por convite de Inês; a Matilde era gordinha, de cor e com a boca cheia
de asneiras e sorriso fácil; o Matias era beto, feinho, aloirado, animado, alto
e encorpado; Xavier era o bonacheirão, bonito e gordinho.
Verónica surpresa: tantos? Inês,
podias ter avisado que melhorava o estabelecimento para receber convidados
deste nível. Verónica: acho que está muito acima do requerido, esperado
e perspetivado pelo nosso humilde público e convidados. Somos só três, quatro
contigo… e sem cerimónias, somos simples ora essa.
Matilde: sentimo-nos honrados
por nos receberem no vosso simpático e cordial esconderijo.
Matias: claro, a Inês tem
publicitado muito as horas que passa em convívio consigo, ficamos com pena de
não termos tido a honra antes. Verónica: o problema foi vosso, da vossa
falta de organização, já podiam ter aparecido antes… Matilde: não somos
baldas como certas pessoas diz fingindo olhar para o céu a assobiar. E
não tínhamos noção que a Verónica tinha um sorriso tão bom e bonito. Verónica:
não quero que faltem às aulas para partilhar vida comigo, vocês vêm à escola
para aprender. Mas ainda não se apresentaram, quem são vocês?
Inês: bem eu sou a Inês,
diz sorrindo… Verónica: de ti, já estou farto de saber, mas e os
outros!? Matias: first the ladies e faz sinal com a mão ‘avança’.
Matilde: eu!?
Opaaaa, o meu nome é Matilde e não gosto de ser chamada por Lady, prefiro
Madame ou em tuga: dama!
Xavier a rir: eu,
sou o damo dela, o Xavier pa… Matilde interrompe: seu parvo, sou nada
dele, eu aqui e tu aí e aponta com as mãos.
Matias: sou
eu que educo estas 4 crianças, sou o Matias e ainda vem que encontro uma voz
mais serena, saudável e adulta para me ajudar, prazer!
Os protestos do
público à provocação fazem-se ouvir… buuuuuu!
Verónica ainda a rir: muito
prazer juventude, espero que se sintam à vontade para vir cá dar sem a Inês e
que as horas lives sejam passadas com maior gosto aqui
Verónica:
quem sou eu com 75 anos de idade, sou experiência por sentir, sorriso por
fortalecer e muito ainda por descobrir.
Sou contínua
ou auxiliar da ação educativa para os doutores e uma boa companhia.
Já pouco
oiço, vejo, cheiro e saboreio, mas tenho imensa curiosidade no mundo por
tatear.
O mundo real está muito por criar e imaginar, venha ele...
Burlões
Há um
mundo ficcional dentro de cada um de nós, um mundo habitual de espaços e
passos, momentos movimentos emoções e palavras. Temos pessoas em nós
mesmos que inventar e ficcionar, pessoas que existem. Os sonhos são criados com
alusões ao passado e despertares de futuros em aberto, por fechar e concluir.
Temos a responsabilidade
(parecia tudo muito bonito não era!?) de criar mundos melhores para nós e para
os outros. E (é engraçado) inventar, fazer acreditar na viagem; sermos
realizadores ou escritores burlões: caraterizar para onde queremos ir e voar em
novos amanhãs por inventar.
Temos,
à nossa disposição um leque de atores com quem estamos habituados a ser movidos
e ideias a pensar a serem estimuladas.
A principal luta é entre Nós e os outros, o egoísmo e o altruísmo.
Eu: tenho sentido crescer o
egoísmo em mim e não gosto, é que vejo, oiço, sinto, cheiro e gosto sempre por
mim e não consigo abstrair-me disso, como é convosco?
Tu: tenho o problema
oposto, contrário, sou demasiado virado para o outro, para fora, raramente penso
em mim, tenho uma fraca autoestima.
Ele: o problema dele é um
misto dos vossos dois, parece que sou um misto dos dois, nunca sou eu, nem o
outro. Sou sempre algo que nunca está aqui e agora; estou sempre noutro lugar
ou tempo. Lá longe, ontem ou amanhã, é horrível.
Nós: vocês não vêm? Até nos
fazem soltar preconceitos numerários ‘lá estão eles nas individualidades’. Eu:
calma, vocês têm mesmo a mania das grandezas, não temos de esperar pelos nomes?
Vós: esperai, esperai que eles são
muitos e muito dados a individualidades, são muito singulares. Eles: não sei se
é inteligente esperar por todos ELES, vêm aos magotes e roubam-nos as melhores
mesas, sou muito altruísta, mas a funcionalidade do grupo primeiro. Para
ajudarmos uns não podemos prejudicar o todo. Vós: já sou de um tempo passado
onde não havia tanta literatura e a modos que já me sinto meio deslocado entre
vós com o meu linguajar meio ancestral. Desculpem, mas vou-me isolar, prefiro
ir entrando se não vos incomodares?
Ele: Ora essa VÓS não devíeis
ter vindo, pelo menos, trajado com esse jeito de ancião clássico, faz-te muita
falta quem te componha, uma Vossa, talvez.
Vós: tendes razão, mas na
malta nossa já ninguém acompanha minhas valsas, agora é só tunx, tunx a dançar
sozinhos e a abanar o capacete.
RIEM-SE TODOS!
PASSADO: esta geração já
não é como as de antigamente, em que o grupo era mais valorizado.
PRESENTE: pareces um velho
do restelo, na atualidade, já não há lutas entre gerações.
FUTURO: o grupo é feito de
vários indivíduos e é nisso valorizado, no futuro. Mas não alimento
rivalidades.
EGOÍSMO: não faz sentido
haver guerras entre pessoas, entre espaços e tempos, faz parte da vida e de
quem escreve estes textos escolher como mais gostam e sentem, é a vida!
O grupo aumenta e o
burburinho também, começam a chegar as primeiras carrinhas com nomes. O NÓS:
vamos entrando, vamos entrando, bora, bora, vão-se acomodando e apresentando,
diz para os mais anónimos.
O ELES aparecem e dizem
‘que balbúrdia, ainda bem que o livro de cheques é nosso amigo e a máquina do
multibanco está bloqueada pelo Futuro’.
Eu: isto da literatura e da
escrita é uma forma de nos tirar daqui para ali e de agora para ontem e/ou
amanhã, é genial o que nos faz viajar e voar, viver, imaginar, sonhar, é passar
a vida do 8 para 800000, para escrever um número que saibas ler.
Tu: As letras e os números
são um bocadinho contrários uns aos outros, não é? Há contactos ténues, acho
que a escrita está mais à frente.
Ele: ora, isso é
incalculável, não estão numa corrida e isso é escrito por um indivíduo de
letras, tu. Se soubesses o mundo como está os números, nem sei se podemos
competir, está tudo embrulhado numa coisa maior que é o mundo.
Eu: pois, têm razão, esta
forma de pensar é pequena. Não é tudo um combate, devemos pensar muito mais em
comunicação que em adversários. não somos todos oponentes, devemos funcionar
como partes da mesma equipa.
NÓS: que discurso beato, somos todos irmãos e
amigos e queremos todos o mesmo…
EU: que mentira, sou
contrário ao grupo?
TU: que mentira, isto é bem
mais complicado, o Grupo é feito de muitos EU’s diferentes.
ELE: o ego não está oposto
ao grupo, ao NÓS.
NÓS: proponho que vamos entrando e discutimos isso à mesa.



