09 novembro 2025

- Os primeiros laços no ser -

 


A Verónica era uma mulher inteligente, forte, boa, realista, velhota e com uma alma cheia de força feminina nos seus 75 anos de idade, pedia mais. Funcionária de uma antiga escola secundária renovada e profícua de juventude e de novidades.

As durezas da vida tinham-na tornado algo bruta e com longos momentos masculinos.

Cada Ano Letivo Novo lhe dava brilho no olhar sentir que a escola se rejuvenescia, mas essa energia ia-se ao longo do ano passar com as épocas festivas. Passagem de ano, Páscoa, Carnaval, Verão, fins de semana motivavam o ritmo oscilante em que vivia.

Sentia-se envelhecer, o corpo emperrar, ganhar sons ferrugentos e melancolia no olhar, cada dia pior; às vezes, porque de vez em quando era melhor; mais míope; os ouvidos ensurdeciam; o sabor e gosto perdiam-se; o faro passou a ser cada vez mais unicamente uma cidade capital no Algarve e o tato parecia ter ganho novas credenciais pela perda dos outros sentidos: via, ouvia, cheirava e saboreava pela ponta dos dedos e pela palma das mãos. Mas a alma jovem parecia contrária a esse corpo antigo: desabrochava.

Estava a envelhecer e gostava que os jovens do liceu alimentassem a curiosidade nela nas horas vagas, transbordava experiência que enriquecia com as novas brincadeiras sorridentes, energéticas, alegres e contagiavam.


Era bom um professor faltar, mas contrária à sua profissão e missão; só auxiliava porque havia necessidade, mas as ausências cada vez mais comuns, davam-lhe alimento ao sabor, davam-lhe alunos e dotavam de vida as horas mortas.

Pontuava o seu ser nas horas quando faltava um professor e que insistia em dar alguma alma contrariando a frase inicial deste conto ‘A Verónica era uma mulher boa, realista’, tornando-a algo mágica, longe da realidade.

Inês era uma caloira de 15 anos, baixinha, tinha a alcunha de ‘anã’, era mimada, muito magrinha, quase enfezada, branquinha, olhar esperto e muito desenrascada que já aprendera que tinha mais a ganhar em passar as horas soltas e iniciais da manhã que nas aulas. Passava, primeiro, célere pelo bar, madrugando para comprar algo a partilhar com a amiga velhota Verónica.

Com quem partilhava amigos, conversas e curiosidades: isto do mundo é muito curioso, todos sabemos que é bom comer e descansar, mas quando abusamos há logo uma alma carinhosa que nos apelida de Preguiçosos. E o Amor? Passamos sempre mais tempo a trabalhar: coisa suja e cansativa, que dizes disto meu velho?

Verónica ri e responde: não sei se é tão verdade como isso, como se diz. Comer e descansar é bom, mas não em excesso, depende muito do momento, da idade, da altura do ano. Quando temos algo para fazer não há fome, nem cansaço que nos demova. O amor é das coisas mais mal-amadas nesta vida, sem razão, tens razão; falo do amor na amizade, entre nós dois por exemplo, o palmier e o sumo que nos trazes a partilhar…



- As Verónicas são corajosas e têm muita qualidade -

Após o primeiro período, após as férias, Matilde e Xavier e Matias também começaram a aparecer, mas só nas horas livres por convite de Inês; a Matilde era gordinha, de cor e com a boca cheia de asneiras e sorriso fácil; o Matias era beto, feinho, aloirado, animado, alto e encorpado; Xavier era o bonacheirão, bonito e gordinho.

Verónica surpresa: tantos? Inês, podias ter avisado que melhorava o estabelecimento para receber convidados deste nível. Verónica: acho que está muito acima do requerido, esperado e perspetivado pelo nosso humilde público e convidados. Somos só três, quatro contigo… e sem cerimónias, somos simples ora essa.

Matilde: sentimo-nos honrados por nos receberem no vosso simpático e cordial esconderijo.

Matias: claro, a Inês tem publicitado muito as horas que passa em convívio consigo, ficamos com pena de não termos tido a honra antes. Verónica: o problema foi vosso, da vossa falta de organização, já podiam ter aparecido antes… Matilde: não somos baldas como certas pessoas diz fingindo olhar para o céu a assobiar. E não tínhamos noção que a Verónica tinha um sorriso tão bom e bonito. Verónica: não quero que faltem às aulas para partilhar vida comigo, vocês vêm à escola para aprender. Mas ainda não se apresentaram, quem são vocês?

Inês: bem eu sou a Inês, diz sorrindoVerónica: de ti, já estou farto de saber, mas e os outros!? Matias: first the ladies e faz sinal com a mão ‘avança’.

Matilde: eu!? Opaaaa, o meu nome é Matilde e não gosto de ser chamada por Lady, prefiro Madame ou em tuga: dama!

Xavier a rir: eu, sou o damo dela, o Xavier pa… Matilde interrompe: seu parvo, sou nada dele, eu aqui e tu aí e aponta com as mãos.

Matias: sou eu que educo estas 4 crianças, sou o Matias e ainda vem que encontro uma voz mais serena, saudável e adulta para me ajudar, prazer!

Os protestos do público à provocação fazem-se ouvir… buuuuuu!

Verónica ainda a rir: muito prazer juventude, espero que se sintam à vontade para vir cá dar sem a Inês e que as horas lives sejam passadas com maior gosto aqui

Verónica: quem sou eu com 75 anos de idade, sou experiência por sentir, sorriso por fortalecer e muito ainda por descobrir.

Sou contínua ou auxiliar da ação educativa para os doutores e uma boa companhia.

Já pouco oiço, vejo, cheiro e saboreio, mas tenho imensa curiosidade no mundo por tatear.

O mundo real está muito por criar e imaginar, venha ele...

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