A Verónica era uma mulher inteligente, forte, boa, realista, velhota e com uma alma cheia de força feminina nos seus 75 anos de idade, pedia mais. Funcionária de uma antiga escola secundária renovada e profícua de juventude e de novidades.
As durezas da vida tinham-na
tornado algo bruta e com longos momentos masculinos.
Cada Ano Letivo Novo lhe dava
brilho no olhar sentir que a escola se rejuvenescia, mas essa energia ia-se ao
longo do ano passar com as épocas festivas. Passagem de ano, Páscoa, Carnaval, Verão,
fins de semana motivavam o ritmo oscilante em que vivia.
Sentia-se envelhecer, o corpo
emperrar, ganhar sons ferrugentos e melancolia no olhar, cada dia pior; às
vezes, porque de vez em quando era melhor; mais míope; os ouvidos ensurdeciam;
o sabor e gosto perdiam-se; o faro passou a ser cada vez mais unicamente uma
cidade capital no Algarve e o tato parecia ter ganho novas credenciais pela
perda dos outros sentidos: via, ouvia, cheirava e saboreava pela ponta dos
dedos e pela palma das mãos. Mas a alma jovem parecia contrária a esse corpo
antigo: desabrochava.
Estava a envelhecer e gostava que os jovens do liceu alimentassem a curiosidade nela nas horas vagas, transbordava experiência que enriquecia com as novas brincadeiras sorridentes, energéticas, alegres e contagiavam.
Era bom um professor faltar, mas
contrária à sua profissão e missão; só auxiliava porque havia necessidade, mas as
ausências cada vez mais comuns, davam-lhe alimento ao sabor, davam-lhe alunos e
dotavam de vida as horas mortas.
Pontuava o seu ser nas horas
quando faltava um professor e que insistia em dar alguma alma contrariando a
frase inicial deste conto ‘A Verónica era uma mulher boa, realista’, tornando-a
algo mágica, longe da realidade.
Inês era uma caloira de 15 anos,
baixinha, tinha a alcunha de ‘anã’, era mimada, muito magrinha, quase enfezada,
branquinha, olhar esperto e muito desenrascada que já aprendera que tinha mais
a ganhar em passar as horas soltas e iniciais da manhã que nas aulas. Passava,
primeiro, célere pelo bar, madrugando para comprar algo a partilhar com a
amiga velhota Verónica.
Com quem partilhava amigos, conversas
e curiosidades: isto do mundo é muito curioso, todos sabemos que é bom comer
e descansar, mas quando abusamos há logo uma alma carinhosa que nos apelida de
Preguiçosos. E o Amor? Passamos sempre mais tempo a trabalhar: coisa suja e
cansativa, que dizes disto meu velho?
Verónica ri e responde: não
sei se é tão verdade como isso, como se diz. Comer e descansar é bom, mas não
em excesso, depende muito do momento, da idade, da altura do ano. Quando temos
algo para fazer não há fome, nem cansaço que nos demova. O amor é das coisas
mais mal-amadas nesta vida, sem razão, tens razão; falo do amor na amizade,
entre nós dois por exemplo, o palmier e o sumo que nos trazes a partilhar…
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- As Verónicas são corajosas e têm muita qualidade - |
Após o primeiro período, após as
férias, Matilde e Xavier e Matias também começaram a aparecer, mas só nas horas
livres por convite de Inês; a Matilde era gordinha, de cor e com a boca cheia
de asneiras e sorriso fácil; o Matias era beto, feinho, aloirado, animado, alto
e encorpado; Xavier era o bonacheirão, bonito e gordinho.
Verónica surpresa: tantos? Inês,
podias ter avisado que melhorava o estabelecimento para receber convidados
deste nível. Verónica: acho que está muito acima do requerido, esperado
e perspetivado pelo nosso humilde público e convidados. Somos só três, quatro
contigo… e sem cerimónias, somos simples ora essa.
Matilde: sentimo-nos honrados
por nos receberem no vosso simpático e cordial esconderijo.
Matias: claro, a Inês tem
publicitado muito as horas que passa em convívio consigo, ficamos com pena de
não termos tido a honra antes. Verónica: o problema foi vosso, da vossa
falta de organização, já podiam ter aparecido antes… Matilde: não somos
baldas como certas pessoas diz fingindo olhar para o céu a assobiar. E
não tínhamos noção que a Verónica tinha um sorriso tão bom e bonito. Verónica:
não quero que faltem às aulas para partilhar vida comigo, vocês vêm à escola
para aprender. Mas ainda não se apresentaram, quem são vocês?
Inês: bem eu sou a Inês,
diz sorrindo… Verónica: de ti, já estou farto de saber, mas e os
outros!? Matias: first the ladies e faz sinal com a mão ‘avança’.
Matilde: eu!?
Opaaaa, o meu nome é Matilde e não gosto de ser chamada por Lady, prefiro
Madame ou em tuga: dama!
Xavier a rir: eu,
sou o damo dela, o Xavier pa… Matilde interrompe: seu parvo, sou nada
dele, eu aqui e tu aí e aponta com as mãos.
Matias: sou
eu que educo estas 4 crianças, sou o Matias e ainda vem que encontro uma voz
mais serena, saudável e adulta para me ajudar, prazer!
Os protestos do
público à provocação fazem-se ouvir… buuuuuu!
Verónica ainda a rir: muito
prazer juventude, espero que se sintam à vontade para vir cá dar sem a Inês e
que as horas lives sejam passadas com maior gosto aqui
Verónica:
quem sou eu com 75 anos de idade, sou experiência por sentir, sorriso por
fortalecer e muito ainda por descobrir.
Sou contínua
ou auxiliar da ação educativa para os doutores e uma boa companhia.
Já pouco
oiço, vejo, cheiro e saboreio, mas tenho imensa curiosidade no mundo por
tatear.
O mundo real está muito por criar e imaginar, venha ele...


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