O combate político é um combate
A lata do homem que mais portugueses atirou para a pobreza não tem limites, a sua falta de vergonha é abissal, o seu decoro inexistente.
É possível amalgamar quase tudo, apresentar
propostas que são mantas de retalhos de ideias contraditórias,
apresentar propostas que nem são propostas mas apenas postas, fazer
discursos que são sopas de pedra onde se juntam ingredientes à medida
das assistências, atirar ao ar frases soltas de efeito fácil para
repetição nos jornais e passagem nas televisões, prometer mundos e
fundos, manipular as estatísticas, mentir descaradamente e jurar pela
virgem Maria que nunca se disse outra coisa, dizer que agora é que é,
que os outros são piores, que os outros são o demo, sorrir para parecer
simpático, fazer ar sério para parecer honesto, acenar para parecer
popular, tirar a gravata para parecer modesto, pôr a gravata para
parecer ponderado. As campanhas e pré-campanhas eleitorais são férteis
nisto. São quase só isto. Quem ouça e veja com atenção o que dizem e
fazem os políticos do costume em campanha e se atenha a algo mais que os
gritos e as bandeiras e os sorrisos e os beijos aos bebés e os olhares
às mamãs corre o sério risco de uma indigestão, de uma congestão, de uma
apoplexia.
Os partidos são
todos assim? Não. Os políticos são todos assim? Não. As campanhas são
todas assim? Não. Mas a campanha eleitoral que vemos na televisão é (com
as intervenções dos membros do Governo à cabeça) e, para a esmagadora
maioria dos portugueses, essa é a campanha eleitoral. A campanha
eleitoral do “arco da governação”, seguindo a lógica da Quadratura do
Círculo, onde o círculo nem sequer é quadrado mas apenas um triângulo
com o PSD, o CDS e o PS como lados. Não houvesse Pacheco Pereira na
Quadratura do Círculo e o programa seria o melhor exemplo de manipulação
da opinião pública desde que a Fox News começou as emissões. E, nas
campanhas eleitorais, não está o Pacheco Pereira.
A campanha das televisões — mesmo com os debates anunciados — será a gigantesca lavagem ao cérebro do Portugal à Frente e o número de equilibrismo da obsessão centrista de António Costa.
As
campanhas eleitorais têm uma perversidade intrínseca. Tem vantagem quem
mais mente e quem tem maior descaramento. Tudo seria diferente se os media fizessem um papel de verdadeira fiscalização dos poderes, mas os media consideram que publicar um texto ou fazer um programa de fact-checking
das aldrabices do PSD e do CDS é uma “reportagem especial” e não a sua
razão de ser.
É como se o Nicola decidisse que servir café é algo para
fazer apenas nos dias feriados.
Um dos problemas da falta de
escrúpulo da campanha do PAF e da navegação prudentíssima da campanha do
PS é que se tornam indistinguíveis. Passos Coelho chegou agora ao
cúmulo de erigir o combate às desigualdades como um dos objectivos de um
futuro governo PAF e de garantir que esse sempre foi uma das
preocupações do actual Governo. A lata do homem que mais portugueses
atirou para a pobreza não tem limites, a sua falta de vergonha é
abissal, o seu decoro inexistente. Mas quem o dirá com a veemência que o
facto exige?
A campanha eleitoral — cirurgicamente podada pelas televisões das intervenções à esquerda do PS —,
que devia ser o local do choque ideológico e do debate de políticas,
torna-se o lugar da amálgama morna, sem confronto de políticas
alternativas, um choque de imagens onde apenas se pode comentar o
sorriso dos oradores, onde cada vez mais se repete que a diferença entre
esquerda e direita é uma coisa antiquada que “deixou de fazer sentido”.
A
declaração é um dos bons exemplos da manipulação ideológica actual. Uma
declaração pretensamente “equidistante dos extremos” que é de facto um
grito de batalha, que visa convencer os eleitores de que a “boa
governação” não tem cor política e convencer as massas a abdicar da luta
de classes e de lutar pelos seus direitos.
Um dos sinais dos
tempos no actual combate político, nesta campanha onde Passos Coelho se
recém-arvorou em campeão da igualdade, é a ausência dos pobres. Os
pobres sempre foram invisíveis mas nunca foram tão invisíveis. Os
desempregados conhecem todos os dias novas indignidades nas bichas dos
centros de emprego, nas lojas onde não podem comprar nada. Os velhos e
doentes nem sequer podem ocupar a rua, o último lugar do poder. Os
remediados degradados para novos pobres aguentam a respiração e tentam
adaptar-se à humilhação, tentando passar despercebidos. A
responsabilidade da política deveria ser destruir este silêncio, que
rouba aos que nada têm a soberania que é sua, devolver a voz aos que não
falam, combater a iniquidade, mas a campanha eleitoral,
desideologizada, higienizada, soundbitizada, receia fazer aparecer a
luta de classes — e isso
acontece mesmo à esquerda. Receia parecer radical, mesmo quando a
direita lança uma guerra sem quartel aos velhos, aos pobres e aos
doentes através dos cortes na saúde e na segurança social. Mas o combate
político não é uma valsa. O combate político é um combate, para o qual
só poderemos mobilizar vontades com clareza nos objectivos e audácia nas
propostas.
Candidato independente às eleições legislativas pela coligação cidadã Livre/Tempo de Avançar
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