RUI TAVARES, dirigente do Livre, Tempo de Avançar
Assim foi
nesta campanha com a ideia de que estávamos a viver um "empate técnico"
nas sondagens eleitorais. Na realidade, não há empate técnico nenhum. A
direita toda junta encontra-se muito perto dos seus mínimos históricos, e
recolhe em torno de um terço do eleitorado. A esquerda toda junta tem
perto dos restantes dois terços. Num quadro em que nenhum dos maiores
partidos está próximo da maioria absoluta, o que é importante é saber
para que lado pendem a maior parte das vontades eleitorais. Ora, parece
claro que os eleitores que estão contra as políticas dos últimos anos
são o dobro dos que preferem a sua continuação.
A partir deste equívoco gerou-se uma outra subnarrativa, a saber: como puderam Pedro Passos Coelho e Paulo Portas perder os seus debates? A questão é mais o contrário: como poderiam eles ganhá-los? Que tem este governo para apresentar em sua defesa? Os 400 mil portugueses que saíram do país? O risco de pobreza que chega quase a um quinto da população? O desemprego que, mesmo nos números ilusórios do governo, é o quinto mais alto da União Europeia?
A direita está neste momento a falar para o seu reduto ideológico; as pessoas que concordam com o diagnóstico do "viver acima dos seus meios" para a crise e com a austeridade para a sua resolução. Mesmo esses, embora aceitando a validade da receita seguida, têm dificuldades em engolir uma série de outras peripécias do governo.
A esquerda, por outro lado, independentemente das suas próprias peripécias, tem ganho os debates não graças à repetição das suas profissões de fé mas por ter fácil acesso a uma realidade palpável e sentida por parte das pessoas: a das dificuldades financeiras, da precariedade, da ausência de oportunidades e dos obstáculos no acesso aos serviços públicos.
A propósito — é justo deixá-lo escrito — esta realidade não se convoca sozinha, e tanto António Costa como Catarina Martins estiveram muito bem ao recordá-la sustentadamente, deixando os seus interlocutores na necessidade de recorrer a Sócrates e a Tsipras para mudar de assunto. O eleitor de esquerda, mesmo que de outro partido, sentiu-se representado.
A responsabilidade que pesa sobre a esquerda é maior, contudo, do que ganhar debates. Ela transcende até o ganhar eleições. A grande questão é: se há convicções tão fortes nas esquerdas, por que não trabalham elas juntas?
Para o futuro, a esquerda não pode cometer o mesmo erro que cometeu a direita: falar ou governar apenas para o seu reduto ideológico. Será necessário passar da recusa da austeridade ao estabelecimento de um plano alternativo que passe por transformar as relações entre o estado e os cidadãos, no sentido da inclusão social e da autonomização dos indivíduos que dá futuro e desenvolvimento às comunidades.
Esse desafio é o mais difícil, e é crucial que venha a ter resposta. Não há muito tempo. Até lá, regozijemo-nos nós à esquerda com a hora de fecho para este governo, na consciência porém de que isso é excelente mas não suficiente.
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