Empate Técnico no clássico do Bloco Central: Isto vai a penaltis
(Rui Cardoso Martins)
Prognósticos só no fim do défice. Ou da venda do BES com lucro. Ou no
dia em que as galinhas tiverem dentes. A eliminatória para a conquista
da taça do Bloco Central (PàF contra PS) está empatada. Num estádio com
grandes clareiras abstencionistas, a segunda mão da campanha — e a final
marcada para daqui a uma semana — promete levar ao rubro ?o campeonato
da demagogia.
Nem mão na bola nem bola na mão, isto
continua a jogar-se muito mal e com os pés. A primeira mão do clássico
do “centrão” foi um jogo viril, com ocasionais momentos de violência,
mas é notório que o “jogo jogado” continua muito mastigado ali no miolo.
Esta semana, a coligação PàF surpreendeu ao entrar em campo com uma estratégia nova — aliás não assumida no briefing
habitual com a imprensa — de “falsa social-democracia + falsa
democracia-cristã”. Mas foi evidente no relvado que Passos Coelho
lançava no ataque um ponta-de-lança supostamente especialista no
“combate às desigualdades”. Isto depois de quatro épocas de tácticas
neoliberais a apostar em cortes na educação, nas pensões e na saúde,
substituídas pela entrega da bola aos grupos privados e
superprivatizações dados a preço zero aos maiores clubes internacionais,
com resultados muito discutíveis para as tesourarias. Além disso, os
espectadores assistiram a uma verdadeira sangria no plantel dos jovens
com talento formados nas academias portuguesas, que foram “chutados” a
tentar a sua sorte em campeonatos lá fora, mais competitivos.
Não contente com o espectáculo, o mister
da Pàf e os adjuntos Paulo Portas e Maria Luís (fizeram as pazes depois
da chicotada psicológica de Vítor Gaspar, que foi treinar os americanos
do FMI) reforçaram a táctica do “autocarro em frente da baliza”, a par
de aumentos brutais no preço dos bilhetes. O resultado foram duras
entradas de carrinho e pés em riste sobre os portugueses, não
sancionadas pelo árbitro Aníbal Cavaco Silva, de Boliqueime, que não viu
os lances ou fez que não viu.
O jogo arrastou-se pelo lado
esquerdo e só animou depois de saltar do banco José Sócrates (n.º 44 em
Évora e 33 em Lisboa). Não sendo titular absoluto de Passos Coelho, este
falso líbero apareceu mais magro e com pitons novos nas chuteiras Prada, mas logo escorregou ao pisar pepperoni
e extraqueijo. A substituição também falhou porque António Costa
conseguiu anular momentaneamente um adversário que tão bem conhece
(jogaram juntos no Rato) isolando-o à entrada da área. Passos Coelho
enviou Sócrates mais cedo para o balneário, decisão que não agradou ao
irascível atleta, que pontapeou o banco dos suplentes e até pôs uma
fotografia no Twitter numa pândega com o retirado José Lello, antiga
glória do jogo sarrafeiro. Mas é provável que Sócrates volte para
disputar a segunda mão, pelo menos continua na lista dos pré-convocados
das eleições.
A segunda parte foi bastante diferente, um filme com
outras cores e com várias oportunidades para ambos os lados. Logo nos
primeiros minutos, Passos Coelho ameaçou com o inesperado regresso da
“bancarrota do PS” e lançou-se numa “alteração à lei do aborto”, jogada
cometida em claro fora-de-jogo ideológico, mas que o juiz algarvio, mais
uma vez, não castigou. Em campo entraram então, num decalque habitual
da ficha de jogo, os avançados de esquerda Jerónimo de Sousa (do
Atlético PCP) e Catarina Martins (do Bloco de Esquerda Vitória Clube)
que somaram minutos de grande entrega contra a PàF. Até que, a meio do
segundo tempo, se viraram desta vez contra o PS, tentando encostá-lo ao
último reduto contrário. Costa tentou chutar para canto, mas os
jogadores à sua esquerda lutaram como bravos contra a alternância no
“centrão de direita” e a bipolarização do desporto-rei.
Ao minuto
64 entrou em campo uma mulher nua e grávida, de cara bonita e uma
bandeira da Agir, obrigando à interrupção temporária da partida, para
divertimento dos espectadores.
Depois, a surpresa Tsipras, mais um
grego que dá cartas nos campeonatos europeus por ser ao mesmo tempo
avançado, médio, defesa, extremo, lateral-esquerdo, lateral-direito,
guarda-redes, árbitro, espectador e vendedor de queijadas de Sintra, sem
nunca abandonar as quatro linhas.
O momento crucial da partida
veio logo a seguir. Ferido por um vendaval de cartões amarelos das
sondagens, que lhe enfraqueceram as defesas, António Costa arranjou
forças para reagir à investida do adversário. Passos Coelho, de repente,
já não tinha pernas para o défice real de 2014, (trocou o número 2,7
pelo 7,2%, um “mero reporte contabilístico”) e, ao cair do pano, Costa
apontou a “armada” de submarinos alemães (as mais caras contratações de
sempre no campeonato) para mandar a privatização do BES ao fundo. Com
isto, o “olheiro” Paulo Portas, tão atrevido até então, sempre à espera
do erro do adversário, encolheu-se um pouco nas covas.
Em resumo,
um clássico incaracterístico e muito mal jogado, com os dois adversários
alheados da partida e a meter autogolos caricatos. Por exemplo, o
minuto em que se perderam mil milhões de euros em “condições de recurso”
na Segurança Social (uma “rosca” de António Costa) e o instante em que
Passos Coelho rompeu o menisco ao confundir pagamentos de dívida antigos
com pagamentos antecipados ao FMI. Momentos indignos até para a Divisão
de Honra ou para um jogo solteiros-casados. Mas esta é a I Liga que
temos.
Como dizia o mestre Dinis Machado*: “O futebol tem uma
grande vocação dos movimentos imprevisíveis, dos lances incomuns e da
escolha do acaso que o retiram, inexoravelmente, do universo da lógica.”
Já
a política tem a vocação dos movimentos estafados, dos lances do
costume e da escolha das demagogias que a retiram, inexoravelmente, do
universo da lógica, da verdade e do bom senso.
A bola é redonda, a política quadrada.
Numa coisa são iguais, mestre Dinis: a mortalidade.
Quanto ao futuro campeão e patrão da equipa de Portugal, só a final do próximo domingo tirará as dúvidas. Passos? Costa? Não, o mister de sempre: Angela Merkel.
* A Liberdade do Drible, Crónicas de Futebol (Quetzal, 2015)
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