Quando os clubes de futebol decidem que vão jogar no dia das
eleições, as elites políticas desbarataram já a autoridade moral que
lhes permitiria corrigir esta situação.
Quando um primeiro-ministro no fim do seu
mandato evita ao máximo dar entrevistas no período pré-eleitoral,
incorre numa desvalorização da escolha democrática, e assim prejudica a
todos os portugueses. Quando a coligação governativa inventa desculpas
para não ir a debates eleitorais, ajuda a minar a lei de cobertura de
campanha por ela aprovada ainda há poucos meses, e é toda a política que
sai descredibilizada.
Moral da
história: quando os clubes de futebol decidem que vão jogar no dia das
eleições, as elites políticas desbarataram já a autoridade moral que
lhes permitiria corrigir esta situação. Dificilmente conseguirão manter o
respeito por um ato eleitoral que desvalorizaram.
Por
outro lado, quando a imprensa se deixa enredar por esta cultura do
aviltamento democrático, também dificilmente poderá cumprir com o papel
de controle do poder político que lhes cabe. Já nem falo do levantamento
pela liberdade de informar, aqui há uns meses, a que se seguiu o mais
completo rebaixamento (pelo menos nas televisões) às vontades e
caprichos dos partidos instalados. De
pouco vale já notá-lo, de tal forma essa atitude está entranhada nos
hábitos redatoriais. Mas o problema já há muito deixou de ser quando os
jornalistas são parte passiva. Quando todos os canais televisivos só
interrompem a sua dieta "informativa" de comentário político e futebol
para se apinharem em frente à porta do prédio onde está José Sócrates e
nos dizerem quais são os ingredientes da pizza que ele terá encomendado.
Quando só interrompem essa pseudo-cobertura para relatar uma qualquer
falsa controvérsia política sem conteúdo político. Quando Portugal é o
primeiro país a atirar a crise dos refugiados para terceiro lugar na
lista de prioridades jornalísticas –
bem, quando tudo isso acontece, pouco ou nenhum espaço resta à imprensa
para cumprir com a sua missão de defesa e elevação da democracia.
Poder-se-ia
dizer que, numa situação destas, competiria ao Presidente da República
apelar à exigência cívica e política num momento crucial para as
escolhas dos portugueses. Mas quando ele próprio gastou os seus créditos
a dar recados sobre o tipo de resultados eleitorais e de entendimentos
políticos que prefere para o futuro, também ele diminuiu a possibilidade
de que tal apelo seja eficaz.
O falhanço da democracia – e do
estado de direito – em qualquer país do mundo é sempre o falhanço de
todos aqueles a quem compete defendê-la. Em Portugal, infelizmente, já
estivemos mais longe do momento em que ao cidadão comum não seja dada
possibilidade de, com alguma facilidade, usufruir de uma esfera cívica
saudável. A consideração minimamente séria dos problemas do país e dos
desafios do mundo será nesse dia uma tarefa praticamente clandestina.
E
sim, até uma crónica destas participa desse ambiente geral. Chega um
momento em que não se pode mais fingir que não se vê aquilo que nos
entra pelos olhos adentro: uma democracia só vale aquilo que todos os
seus componentes quiserem que ela valha. E neste momento há quem queira
em Portugal que ela valha demasiado pouco, porque só no meio do lixo
podem luzir.
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