O que estamos a falar é de um sistema muito
profissionalmente montado pelos próprios clubes, que se traduz na
produção de insultos, no lançamento de cortinas de fumo e em ataques bem
planeado.
Não deixa de ser tristemente irónico que no preciso momento em que Portugal é campeão europeu de futebol, Cristiano Ronaldo colecciona Bolas de Ouro e os futebolistas e treinadores portugueses acumulam por esse mundo fora um prestígio que nunca tiveram até hoje, o ambiente do futebol em Portugal esteja ao nível mais reles de que há memória. Os maiores clubes bateram no fundo, e todas as semanas assistimos a cenas capazes de fazer corar as vendedoras do mercado do Bolhão. Nunca se viu isto em lugar algum do mundo civilizado, e do incivilizado acho que também não – temos as três instituições do país com maior capacidade para mobilizar pessoas e paixões totalmente alheadas das suas responsabilidades públicas; completamente envolvidas em polémicas rascas, acusações descabeladas e ofensas gratuitas; e que por sua vez são constantemente alimentadas por presidentes, por comentadores e por essa cada vez mais patética figura que é o director de comunicação.
O que é trágico nisto – e verdadeiramente preocupante – é que não estamos a falar apenas de indivíduos mais ou menos caricatos, que passeiam o seu admirável talento para a desconversa e para a desonestidade intelectual pelos canais de televisão. Não. O que estamos a falar é de um sistema muito profissionalmente montado pelos próprios clubes, que se traduz na produção de insultos, no lançamento de cortinas de fumo e em ataques bem planeados, que envolvem toda a cúpula do futebol de Benfica, Porto e Sporting. Pedro Guerra – só para referir o exemplo mais vergonhoso, oriundo do meu próprio clube – poderia ser apenas uma figura pitoresca e de mau gosto. Mas não: ele é simultaneamente alto funcionário do Benfica e a suprema pérola que o sistema produziu, tetracampeão do mais puro e revoltante fanatismo.
Infelizmente,
apesar dos três jornais desportivos diários, dos infinitos programas de
desporto e das generosas páginas dedicadas ao futebol em jornais de
referência, faltam boas explicações para tudo isto. Precisamos de
jornalistas capazes de nos explicar como e porquê chegámos aqui, a um
tempo em que o jogo jogado se tornou uma quase insignificância, e
jogadores e treinadores têm cada vez menos protagonismo, enquanto
presidentes, árbitros e comentadores dominam uma fatia cada vez mais
alargada da atenção mediática. Nada disto é inocente – é como se a queda
sucessiva da qualidade das equipas portuguesas e do futebol que
praticam tivesse de ser sobrecompensada com o protagonismo mais
descabelado dos dirigentes e o crescimento das conspirações.
Isto polui todo o ambiente em que vivemos, afectando a qualidade do
nosso espaço público, com milhões de portugueses inoculados com uma
forma totalmente infecciosa de gerir a dissensão e administrar os
conflitos. O futebol envenena tudo, a começar pela minha própria
profissão. Ver jornalistas que em tempos respeitei, como Francisco J.
Marques ou Nuno Saraiva, a desempenhar hoje os papéis de caceteiros dos
seus clubes, transformados subitamente em serviçais do patrão e com
linguagem de peixeira é uma coisa que dá a volta à tripa a quem valoriza
a integridade pessoal e coloca a reputação profissional acima das
paixões futebolísticas. Eu sei que toda esta gritaria ocupa tempo de
antena, vende jornais e dá audiências televisivas. Mas estou
profundamente convencido que, aos poucos, começa a afastar as pessoas
decentes do futebol. Está a acontecer comigo. Está com certeza a
acontecer a muitos mais.
O que me parece estranho é que haja cada vez mais programas destes de comentários políticos a aparecer e, portanto, é sinal que têm sucesso... mas quem vê aquelas tretas!?
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