Conheço um gato e uma gata que são irmãos. A gata odeia o irmão e odeia-me a mim, mas já percebi tudo. São ciúmes. Gosta do irmão e gosta de mim — mas não suporta que eu goste do irmão e que o irmão goste de mim.
Aliás, é por isso que costuma ser mal interpretada a famosa frase de Platão: “Eu só sei que nada sei.” Sócrates não está a dizer que não sabe nada. Está a dizer que sabe uma coisa, com toda a força (e alegria, e alívio) de saber uma coisa. Essa coisa que ele sabe, baseada no que ele veio a saber, é que não sabe nada. Por outras palavras, não está na dúvida: sabe quase de certeza que não sabe nada.
Conheço um gato e uma gata que são irmãos. Conheci primeiro o gato e só passado um ano é que começou a aparecer a irmã. Ao contrário do gato, a gata tem muito mau feitio. Odeia o irmão e odeia-me a mim, tolerando-me só por causa dos petiscos que lhes levo. Nem se limita a soprar. De vez em quando, se me atraso na abertura do envelope do manduco, arranha-me, para eu aprender como é que é.
Mas um dia apanhei-a sozinha e parecia outra gata: ternurenta e paciente, calma e solícita. Concluí que era o irmão que a punha fora dela própria. E assim se confirmou durante os meses seguintes.
Até ontem. Ontem apanhei-a às marradinhas ao irmão e pus-me a observá-los a brincar, com grandes correrias e grandes cumplicidades. Afinal, são muitos amigos.
Hoje de manhã, voltou a assanhar-se quando fui ter com eles e, de repente, percebi tudo.
São ciúmes. Gosta do irmão e gosta de mim — mas não suporta que eu goste do irmão e que o irmão goste de mim.
Os ciúmes põem-nos monstros. Fazem tudo para se disfarçar de outras emoções, como a raiva, a desilusão, o desgosto.
Por isso é que são difíceis de apanhar: parecem outras coisas. Será que as pessoas ainda são piores?
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