31 dezembro 2023

para que o optimismo continue a perdurar entre nós: 2024 está por ser criado!!!

“Diário

Seja o que for


Será bom.

É tudo.”

― Daniel Faria, Poesia

a brincar à política no último dia do ano

Bom ano e cuidado com os protofascistas pós-modernos, que andam por aí a ver se ganham! (JAF)
A melhor forma de isto não correr mal é votar à esquerda, votar à direita pode ser anti piqueniques e votar anti liberdades.
Deixo a ideia tarde votarem no Livre e no Rui Tavares a favor de novas geringonças e evitar  maiorias absolutas.
Não se conhece mais ninguém além dele, mas é importante ter lá quem pense bem no futuro.
Abster-se pode ser dar votos ao fdp do A. Ventura (é mais novo que eu, Deus!).
Bons anos que aí vêm!

MAESTRO


Garantia de bom filme:  mistura sexualidade, amor com música e brilhantismo!

27 dezembro 2023

da amizade!

Ocorreu-me que podíamos ter amigos específicos para diferentes tarefas: os que nos embalam, os que nos alimentam, os que nos abraçam, os que são de uma sinceridade que dói ou os que nos fazem rir. Alguns amigos são isto tudo.
A fortuna
Outra vez os amigos. Reencontrei-me com os mais antigos, aqueles que me dizem: “Porque tu sempre foste assim”, não sabendo eu que coisa é essa. Ou então os outros, espantados, que na sua boa-fé me asseguram que continuo igual. Como posso estar igual depois de tantas vidas arrumadas numa só vida?
Os amigos, reforço sempre, esse amor duradouro que mesmo depois de quebrar pode voltar ao início, parecem-me cada vez mais uma fonte de vida.
Aconteceu-me há dias saber que ia ao encontro de dois deles que me fazem rir, e o riso entre nós durou dias, ficou cá dentro incandescente. Uma magia rara. Ocorreu-me que podíamos ter amigos específicos para diferentes tarefas: os que nos embalam, os que nos alimentam, os que nos abraçam, os que são de uma sinceridade que dói ou os que nos fazem rir. Alguns amigos são isto tudo. Talvez sejam aqueles a quem chamamos “os melhores amigos”. É muito curioso chegar agora aos 52 anos e ainda dizer: “A minha melhor amiga.” Também digo “o meu amigo mais antigo”, como se exibisse a minha certidão de orgulho.
Apareceu há dias diante de mim o Chico, o rapaz mais bonito da escola secundária: muito alto, pernas tão grandes como os passos, os olhos de um verde-mar onde os barcos podiam aportar. Eu pensava que o Chico nunca iria reparar em mim. Eu era mais nova e ainda não estava certa de ter amigos. O Chico era bonito e punk, um moicano audaz muito bem recortado que fazia com que os olhos ainda se vissem melhor. O Chico não passava cartão a ninguém. Escolhia muito bem quem podia ouvir a sua voz grave que trazia a ironia de quem sabe que é bonito. Já não sei como, mas ficámos amigos. Lembro-me de querer ser mais crescida por causa dele. Lembro-me com exactidão desse sentimento de impotência perante algo que não podia mudar: não, eu não podia acelerar a velocidade do tempo e fazer-me da idade do Chico. Ainda assim, tinha a atenção dele. Eu de tranças fininhas a rir com o rapaz mais bonito da escola. O único punk. A única miúda que queria ser da idade dele. No nosso desencontro tão acertado, falávamos de música. Por vezes, o Chico deixava-me os seus desenhos. Guardei tudo durante anos, ciente do meu troféu. Os desenhos que confirmavam a nossa cumplicidade. Eu, o Chico, o Manecas e a Teresa. Depois fomos mais ainda, em cantos certos do polivalente marcando o nosso território. Sabíamos que não queríamos nada ser como os outros. A música empurrava-nos para outras alas. E assim foi até ao fim. O Chico, que foi punk e pintor, é agora avô. A velocidade do tempo manteve-se. Eu nunca o apanhei. Que desenhos deixará ele agora como rasto?
Passei uma noite inteira a rever amigos. Não os amigos da turma, mas os que escolhi ou que me escolheram. Esse sentimento de pertencermos a uma selecção comove-me. Não estamos ali por acaso, mas porque decidimos ficar, continuar a ver nos outros o que sempre nos fascinou: a inteligência, o humor, a generosidade. Ia dizer bondade, mas hesitei: quando somos novos, não percebemos ainda bem o que é isso da bondade. É mais tarde, quando os caminhos se clarificam e seguimos por avenidas diferentes, que vamos decidir se ficamos até quando a bondade não é a qualidade mais evidente daquela pessoa. Já agora, o que é isso da bondade nos amigos e fora deles? É perigoso decidirmos o que é a bondade. Prefiro, sem dúvida alguma, a generosidade.
Quando pertencemos à tal selecção que, afortunadamente, não é a turma do ano x, passamos por cima de muitas coisas, aceitamos outras, esquecemos várias que não nos manteriam assim unidos.
Entre amigos, quando éramos mais novos, ainda não sabíamos que nos podíamos abraçar. Descobrimos com a idade essa verdadeira fortuna.
Eu podia ficar o resto da vida nesse abraço.
O coração ainda bate.

26 dezembro 2023

25 dezembro 2023

Para os outros!!!

Natal é uma festa do outro: do tu, do você, do ele, deles.

Bom Natal para todos os outros!

 

Devemos tentar aproveitar para fazer ficções.

Ficções limitadas que não dão filmes em Hollywood.

Como é acordar como a Maria ou o Jorge.

Deitar como a Sylvia o Eduardo.

Ir às compras no resto do ano como toda a gente vai.

Comer como a Luísa ou o Augusto.

Trabalhar como a Beatriz ou o Tiago.

Conversar como estrangeiros que não falam a mesma língua

Brincar como a Raquel ou o Zé Maria.

Repousar como a Gabriela ou o José.

Tomar banhos no mar como os que não me lembro.

Escrever como a Teresa ou o Luís.

Ler no comboio como a Leonor ou o Miguel.

Inventar como os que ainda não disse.

Estudar como a Matilde ou o Jacinto.

Dolce fare niente como tu que lês isto!

Começar esta frase sem saber como irá terminar como…

Para todos os que o seu posto no mundo é aqui por enquanto

Viver como a Mariana ou o António.

 Nota importante: os nomes encontrados foram casuais, não se referem a ninguém em particular

12 dezembro 2023

1) Como surgiu o teu gosto pela escrita?


Ia ali pela rua paralela à escola do primária Mucifal com 6 anos, 3ª classe quando o gosto pela escrita estava de cócoras a rir, e foi paixão à primeira vista!

Agachei-me para lhe dar um abraço, agarrámo-nos um ao outro e foi energético, nunca mais nos largámos, nos perdemos de vista, daqueles infantis, de criança.

E fundiu-se em mim, anda sempre comigo nas mais variadas formas em que ele surge, cada vez há mais formas diversas de escrever e escritores; costumo dizer que não saber escrever é uma forma de deficiência.

Tudo terá surgido do privilégio de ter nascido num ninho único, tive muita sorte onde e com quem me cruzei; não sei se o gosto, é diferente de qualquer outro gosto; o gosto pela escrita.

Também não sei como surgiram o gosto pela feijoada, pelas tostas mistas, pelos carapaus assados, pelas sopas diversas, por um estilo de música, pelo futebol, pelas animações, pelas ciências sociais ou terão várias razões, é a vida!

Escrever não é sempre igual, terá várias formas e tempos.

Nem sei se é estanque, há alturas em que gostamos mais de escrever, do que outras; há alturas em que o quadro das experiências é largo, profundo, outras é mais plano e superficial.

O quadro que pintamos terá vastas experiências, traços, tons, climas, densidades, levezas e cores a pintar/escrever.

O tempo para escrever e repousar na escrita também tem influência.

O meu? Terá obrigatoriamente de ter vindo dos meus pais, esses gostos passam no dia a dia. São herdados e vêm por hábitos.  Por exemplo, o meu pai fazia um jogo para passar o tempo no trânsito, encontrar palavras para as letras do carro da frente.

Toda a gente, tem escritas muito variadas; personalidades diferentes; mas escrever tem várias personalidades e até não escrever diz muito sobre quem não o faz, normalmente é mais expansiva noutros lados.

É uma maneira importante de seres Comunicador, de te dares aos outros quando o fazes bem.

Vêm quase geneticamente e com a convivência com eles, os teus pais.

Gostos similares, passam pela experiência. No estar habituado a ler, saborear ideias por escrito.

Embora, nos últimos tempos tenha lido menos que escrito, é a vida!

Tenho ideia de que o bem-dito acidente e a perda da capacidade de falar facilitou e aprimorou o uso desta alternativa, a terapia da fala ressente-se disso ou talvez não.

Não surge e é importante ir-se trabalhando esse gosto quando parece adormecido.



10 dezembro 2023

vários donos da bola

São de outro nível: o Sr. Roger Schmidt e Rui Costa!

Foi a melhor contratação que o Benfica fez desde que me conheço!

Como o Benfica estava quando ele chegou e como está; fala de futebol em inglês o alemão, dá gosto ouvir!

Mais que os sócios a apupar e assobiar; não querem puxar pela equipa que fiquem casa; comprar bilhete para denegrir quem já está chateado por errar é que não, um adepto deve ajudar/apoiar a equipa, o treinador deve defender os seus jogadores, com quem trabalha o ano inteiro que são menos e estiveram a sofrer no calor do jogo.

Entre os muitos sócios desconhecidos e que vê de semana a semana e os poucos jogadores com quem trabalha e conhece intimamente quem há-de ele defender.

A posição de Rui Costa é inteligente: ele sabe como é  estar no relvado e fala com o R. Schmidt diariamente!!!

Estão juntos nos bons e nos maus momentos!

Que venha o Salzburgo e depois o Braga que o Benfica tem menos pressão fora de casa!





08 dezembro 2023

incluem-se surdos que estão como dentro de uma bolha...

A história do árbitro a quem a surdez não impede de apitar

A carreira de David Santos é uma demanda por igualdade, ética, inclusão e quebra de preconceitos no desporto. Ser árbitro surdo é espinhoso, mas nem tudo é mau – pelo menos, não ouve os insultos.

RG Rui Gaudêncio - 02 Dezembro 2023 -  David Santos, árbitro surdo mudo, apita o jogo de futsal entre o Caxias e o  Liberdade. Caxias. Portugal. Público
Fotogaleria
RG Rui Gaudêncio - 02 Dezembro 2023 -  David Santos, árbitro surdo mudo, apita o jogo de futsal entre o Caxias e o  Liberdade. Caxias. Portugal. Público
RG Rui Gaudêncio - 02 Dezembro 2023 -  David Santos, árbitro surdo mudo, apita o jogo de futsal entre o Caxias e o  Liberdade. Caxias. Portugal. Público

Depois, trata-se de correr de um lado ao outro da quadra de futsal, de apito na mão. Usá-lo para apitos diversos: umas vezes fortes, outras nem tanto – no caso de David, a gestão do jogo e a comunicação dependem ainda mais do uso claro e diferenciado do apito.

Trata-se ainda de ser insultado, mas não ouvir. Comunicar, mas sem verbalizar frases facilmente perceptíveis. Acalmar a ira dos jogadores, mas sem diálogos complexos. Um “tenha calma, senhor jogador. Concentre-se no seu jogo, que eu trato da arbitragem” não faz parte dos predicados de David Santos na gestão de um jogo.

“Eu consigo comunicar verbalmente. Há quem me entenda e há quem não me entenda, devido ao meu sotaque de surdo. Eu sou surdo de nascença, a minha língua materna é a língua gestual portuguesa. Com as mãos também consigo falar, mas há quem me perceba e há quem não me perceba”, explica ao PÚBLICO este técnico de backoffice de farmácia, numa conversa mantida em registo escrito.

Temos, portanto, um árbitro que tenta comunicar verbalmente, mas com dificuldade para ser entendido por todos. E temos jogadores e treinadores que, em geral, não dominam a linguagem gestual. “É comum os jogadores perguntarem o motivo das faltas que os árbitros assinalam. No meu caso, explico através da mímica para eles saberem o motivo”.

Sem audição e sem ser entendido verbalmente por toda a gente, David Santos faz uso de outras ferramentas, nomeadamente a mímica e a visão mais apurada. E assim continuará, na demanda pela igualdade, ética, inclusão e quebra de preconceitos no desporto.

“Um mudo e uma gaja”

No momento da saudação inicial, o PÚBLICO anotou os três primeiros comentários na bancada de um jogo de futsal, sobre a equipa composta por David Santos – que é surdo – e uma árbitra – que ouve e fala sem dificuldades, mas que, para alguns adeptos, tem a desagradável e muito limitadora desvantagem de ser mulher.

- Ehhh hoje é o mudo...

- Um mudo e uma gaja…

- Mas podemos insultá-lo na mesma?

- Poder podemos, mas ele não vai ouvir…

Mais tarde, a coisa ficou mais cáustica, depois de uma jogada que um adepto queria que fosse punida com infracção.

- Este tipo não fala, não ouve e pelos vistos também não vê…

Pouco depois, mais um enxovalho:

- Olha a gaja lá do outro lado a gritar “sem falta”...

- Pelo menos já falou mais do que o mudo…

Soltam-se risos na bancada – de quem disse a piada, com riso auto-elogioso, mas também de quem a ouviu. Lá dentro, David Santos não faz ideia do que lhe vão dizendo. Ou talvez faça, mas não ouve.

Surdo de nascença, este árbitro de 36 anos arbitra jogos de futsal numa certa “redoma auditiva”. É difícil? Em muitos aspectos, sim. Mas nem tudo é mau. “É como se estivesse dentro de uma bolha, totalmente concentrado no que acontece em campo. Nesse sentido é uma vantagem, sim, porque o papel de árbitro é difícil. É necessário muito rigor e o facto de não ouvir permite que não me distraia com coisas que acontecem à minha volta. E a concentração é máxima”, explica ao PÚBLICO.

Desmistificar preconceitos

Lá dentro, no rectângulo, David tinha uma "amiga" – a árbitra que o acompanhou. Uma amiga “contra” dez jogadores que, não sendo inimigos, estão longe de se predisporem a ajudar o árbitro a ser feliz naquela hora e meia de futsal.

Há os que querem enganá-lo, os que se calam quando ele se engana e os que estão de “faca afiada” para o rodearem nas decisões mais dúbias. Muitos árbitros dizem que, apesar de terem colegas consigo, esta é uma tarefa solitária. Para David, sê-lo-á mais ainda, por actuar na tal redoma auditiva.

Porquê prestar-se a isto? “Eu sou apaixonado pela bola desde pequeno. Desde criança que sou apaixonado por futebol, futsal e tudo o que tenha bola. Escolhi o futsal por sentir que há mais união: é tudo dentro de uma sala, basicamente”.

Para David, um jogo de futsal não é apenas isso. É como um grito por igualdade, inclusão e tolerância, como o próprio define por outras palavras. “A ver jogos fiquei interessado em tirar o curso de arbitragem e cá estou. A estrutura acolheu-me e deu-me condições para desempenhar esta função tão intrigante como a de gerir um jogo. No fundo, cumpro um sonho em cada jogo que vou apitar, pois dessa forma desmistifico preconceitos”.

Não ouve, mas vê

Observar um jogo arbitrado por David Santos é um exercício interessante, porque provoca dinâmicas diferentes das habituais.

Numa jogada que queria punida com infracção do adversário, um jogador dirigiu-se para David Santos, em protesto. No segundo seguinte, lembrou-se de que não iria obter nada em troca e virou costas.

Mais tarde no jogo, o mesmo jogador, após algumas cargas de adversários em poucos minutos, foi tomado pela ira. Virou-se novamente a David Santos, o árbitro mais próximo, mas, uma vez mais, foi rápido a lembrar-se de que seria em vão. Saiu “disparado” até ao lado oposto do campo, na direcção da árbitra que actuava com David Santos – dessa poderia receber “troco” verbal.

Também por causa da surdez completa o árbitro fica, em alguns momentos, um pouco para trás – quando a colega apita e David não ouve, precisa de um segundo a mais para entender que o jogo parou. Ou quando um conflito entre jogadores requer boa capacidade comunicacional por parte do árbitro. Ou quando a prevenção de infracções pode e deve ser feita com recurso a presença verbal e não apenas física – e David não tem isso para oferecer. Ou até quando precisa de mostrar valências comunicacionais e posturais que fazem parte da avaliação de desempenho de um árbitro. Nesse prisma avaliativo é difícil enquadrar David Santos.

Como avaliar um árbitro surdo?

O sistema de avaliação de desempenho dos árbitros pressupõe categorias de comunicação e contenção de gestos, por exemplo, nas quais David não consegue, por limitações incontornáveis, cumprir com distinção – a mímica é, muitas vezes, um recurso fundamental para este árbitro.

Um observador de árbitros argumenta ao PÚBLICO que não pode simplesmente escrever, em tábua rasa, que o árbitro não comunica ou que usa os gestos de forma excessiva. Reflecte que ignorar as dificuldades de David é fazer uma avaliação errada e prejudicar os outros árbitros, mas acrescenta: “Avaliá-lo na mesma bitola dos outros também não é justo, porque ele não é igual aos outros. Não quer dizer que como árbitro seja melhor ou pior, mas é evidente que não parte do mesmo patamar e enfrenta dificuldades diferentes. É um compromisso difícil de encontrar”.

Para David, esse compromisso tem sido possível – crê que não é tratado de forma diferente pelos observadores.

Assim sendo, o que falta? Aparentemente, nada. David chega ao pavilhão, equipa-se, entra na quadra, corre, vê, analisa, apita, exibe cartões, ignora insultos, faz cumprir as leis, é avaliado, toma banho, vai para casa e é pago pelo que trabalhou – como qualquer outro. Nessa medida, David até pode precisar da arbitragem, mas a arbitragem – e o desporto em geral – também precisam de David. E de outros Davides.

O MAVI


Muitas pessoas, hoje em dia, estão a viver a 50% as suas vidas, por limitações físicas e intelectuais! Porque vivemos todos juntos e somos interdependentes o nascimento até à morte o MAVI é o futuro, pensar à frente. 

Liberta muita gente que sem este projeto viveria mais presa, diminuída...

O MAVI é um projeto muito à frente que pensa que todos somos limitados e que ajudar ajuda, pôr as pessoas a viver a pares e unidas revela Amor Social  num espírito de solidariedade:

  1. Cooperação mútua entre duas ou mais pessoas;
  2. Identidade entre seres;
  3. Interdependência de sentimentos, de ideias, de doutrinas.

Se não é esse o objetivo, deveria ser; porque vivemos para melhorar a vida do todo social e o Amor faz falta!

03 dezembro 2023

ENTREVISTA A GAROTA NÃO.

Há muito que a música portuguesa precisava de uma voz assim, que (nos) toca nos botões certos com verdade, profundidade e generosidade desarmantes. Cátia Mazzari Oliveira, A Garota Não, distingue-se porque nos convoca para uma Beleza e uma justiça que julgávamos perdidas algures nos ideais das grandes revoluções. Esta Garota somos todos nós.




Podem dizer o que quiserem, mas não há outra garota assim na música nacional. Temos boas vozes, mas nenhuma com esta honestidade e delicadeza nas canções, a cantar o estado do mundo, dos temas urgentes de todos nós às aparentes insignificâncias que sentimos nos dias. Com simplicidade e grandeza raras, ela canta as sombras e a luz, "mesmo que te assuste a minha claridade".

Estreou-se em 2019, com Rua das Marimbas 7, uma rua inventada (mas que existe, no Brasil), um disco difundido digitalmente antes de nos chegar um CD com acabamento artesanal, porque ela queria que cada disco fosse um objeto único. O ano passado lançou 2 de abril onde a sua escrita enxuta e inteligente ainda se torna mais evidente quando dedica temas a humanistas como José Mário Branco, ou aos seus contrários em A sede do Xega; quando canta o desalento da gentrificação com Chullage, chora os naufrágios dos migrantes com Ohmonizciente, chama Ana Deus e Francisca Camelo para cantar o amor desavindo: "Saber cair é uma ciência" ou Luca Argel para cantar a paz, ou denunciar a violência doméstica ao lado dos Orelha Negra. Toda a gente quer a Garota Não que esgota matinés no Lux, muitas horas antes de as portas abrirem, e arrebata a festa dos Globos de Ouro num discurso que foi um poema. Ela não é moda passageira, aterrou-nos no colo para ficar e falar por todos nós no lado certo da vida. Que sorte a nossa ou, como diria Mário de Cesariny em A Cidade Queimada: "A realidade comovida agradece."

Foto: Nuno Batista

O que querias ser quando fosses crescida?

Eu queria ser muitas coisas ao mesmo tempo, isso foi um problema. Tinha um fascínio pelo Egito e por isso queria ser arqueóloga, adorava desporto e imaginava-me a jogar basquetebol, ténis, futebol e outros desportos a vida inteira. Depois quando fui crescendo, e por causa de um trabalho que fiz na escola, em Educação Visual e Tecnológica, cujo desafio era criar um logotipo e uma mensagem promocional para uma garrafa de água, descobri que gostava muito de pensar na forma como se comunica algo. Como se defende e amplifica uma mensagem. Depois sei lá… como cresci num bairro tão cheio de vulnerabilidades do ponto de vista familiar, social, económico, e sempre fui muito calada e observadora (porque tinha o privilégio de sair do bairro e apreender outras realidades, por andar na natação e em determinada altura estar a aprender piano), percebi que regressava aos "verdes e brancos" (como o bairro era conhecido) com uma mala que ninguém ali mais tinha. E isso não me fazia sentir especial no bom sentido. Era como se eu tivesse acesso a espaços que eram vedados aos outros miúdos com quem eu brincava na rua. E esse trânsito pendular de sair do bairro para o centro da cidade (onde havia as escolas de música, os equipamentos desportivos, os serviços concentrados) trouxe-me o amargo de boca que foi perceber que as oportunidades são brutalmente diferentes de território para território, mesmo tratando-se de uma só cidade. E esta aquisição, esta tomada de consciência, foi-se adensando em muitos outros episódios da vida e, nesse caminho, vamos percebendo se o lugar do qual queremos fazer parte é o dos privilegiados ou dos que lutam para que estar vivo seja em si o privilégio. Um privilégio universal. Onde miúdo nenhum vai para a escola de barriga vazia, por não haver o que comer em casa.

Então, um pouco mais tarde, e porque se foi desenvolvendo cá dentro um gosto particular por ir a concertos de Música, ver Cinema, algum Teatro, animou-me a ideia de criar e produzir eventos culturais que fossem consequentes do ponto de vista de uma mudança positiva das comunidades. Admiro muito gente como o José Pinho [da Ler Devagar], que transpõe a sua paixão (por livros, no caso), para um plano coletivo. Em que passa a ser uma paixão partilhada, potencialmente aprendida, ensinada. Na firme convicção de que espalhar o que de mais precioso se tem é terreno aberto para um lugar mais fértil e horizontal para outros.

"As oportunidades são brutalmente diferentes de território para território"
Foto: Nuno Batista

A música entra na tua vida pela porta principal, pela entrada de serviço ou por um alçapão mágico no teu quarto de adolescente?

Entra por várias portas. Fiz "canções" (e chamá-las assim é abusar da boa vontade) desde muito cedo, antes mesmo de tocar algum tipo de instrumento. A minha professora da primária (Georgina de Oliveira e Silva!) era muito alegre e cantávamos muitas vezes nas aulas. Músicas de outros ou com poemas inventados por nós. E à distância, vejo que essas brincadeiras não só me divertiam muito como foram potenciando uma certa predisposição que eu pudesse ter para me pôr a escrever e cantar por cima disso. As mulheres da minha família, à exceção da minha irmã, a quem nunca ouvi cantar, tinham todas este movimento muito espontâneo de se porem a acompanhar tarefas ou a ocupar tempos livres com cantorias. Cantavam na lida e cantavam a vida. Acho mesmo que era uma forma de tornarem os dias mais leves. Um pouco o princípio do "quem canta seus males espanta". Na verdade não espantavam os trabalhos duríssimos que tinham, e também não lhes crescia no bolso o dinheiro básico que faltava ainda o mês ia a meio, mas há qualquer coisa no canto que apazigua dores e sofrimentos. Eu tomo boas doses de música por isso mesmo. Às vezes é como encontrar uma fonte límpida e fresca no meio de uma convulsão interna. É que a vida, às vezes, pode ser um lugar muito violento e inóspito.

Depois havia também o meu pai e o meu irmão, que sempre gostaram muito de música. O meu pai cantava-me a Maria Faia em loop quando eu ainda fazia sestas depois de almoço. E comprava cassetes que ouvimos até gastar a fita. Lembro-me também do meu irmão, já adolescente (e três anos mais velho) ficar meses a juntar dinheiro para comprar discos. É um mau canário, dá cabo das canções, mas é muito curioso e interessado. E ter um irmão mais velho que nos guia na descoberta de novos planetas musicais foi uma grande pérola no meu caminho. De resto… houve a Solange e outros amigos. Vê-los pegar em violas fazendo serões desgarrados (muitas vezes com composições suas) sempre me rendeu grande gozo, sempre me deu muita vontade de desatar, também eu, a fazer canções.

"É que a vida, às vezes, pode ser um lugar muito violento e inóspito."
Foto: Nuno Batista

Estudaste na Faculdade de Letras, o teu amor às palavras é antigo, foram uma alma mater? Eras daquelas crianças agarradas aos livros, que títulos te marcaram? O que têm as palavras de tão mágico?

Eu gostava de ler. Tinha alguns livros em casa – daquelas coleções de literatura e livros mais ou menos generalistas das Seleções do Reader’s Digest. E requisitava amiúde livros das bibliotecas. Nem sempre os lia, não tinha tempo. Porque o mundo tinha tantas janelas para abrir! Mas lia. Sempre adorei fábulas. E depois ia pegando em livros aleatórios na estante e foi assim que dei, por exemplo, com a Florbela Espanca. Era muito miúda, mas lembro-me de chorar comovida com vários sonetos dela. E de os decorar por me dizerem muito (sei-os até hoje, ao contrário de algumas letras das minhas canções. Títulos que me marcaram? Os Meus Amores, de Trindade Coelho, os Esteiros do Soeiro Pereira Gomes. O que têm as palavras de tão mágico? A possibilidade de criarmos Beleza onde quer que se vá, onde quer que se esteja. Elas dão-nos a oportunidade de sermos melhores.

Encaixas numa linhagem de cantautores, como José Afonso e Fausto ou Sérgio Godinho, que depois misturas com uma certa tropicalidade. A Música também pode ser política?

Tudo pode ser política. As lojas onde entramos, a forma como usamos a água e a luz em casa. Como se define que uma criança pode estar sentada à mesa – e por sistema – com um tablet à frente. Para mim, tem a ver com escolhas, com cidadania. A música pode ser política no conteúdo e na sua forma. Quando eu escolho produzir discos cosidos à mão e sem usar plástico, ou produzir vinis na única fábrica portuguesa que existe a fazer este tipo de cena (mesmo que isso encareça preços e me retire margens de lucro), eu estou a fazer um caminho político. Não sou melhor por isso, mas se posso escolher, escolho o que me parece bem. No conteúdo… é o que cada um de nós sente que tem para entregar.

Cresceste num bairro social em Setúbal – de que forma é que esse detalhe te moveu e levou a escreveres canções?

Tive a sorte de conhecer duas realidades, a do bairro, e a que lhe era exterior. Tudo era diferente. A forma de vestir, o asseio das mãos, a maneira de falar, os assuntos, como se passavam as férias, como era o Natal. E fui ganhando raiva de nos ver a todos tão pequenos, mas com círculos de proteção e oportunidades tão diferentes. O que seria cada um de nós se tivesse nascido noutro lugar? E, no fundo, é este o novelo – o da observação da vida – que uso para fazer as minhas rendas… :)

"Tive a sorte de conhecer duas realidades, a do bairro, e a que lhe era exterior"
Foto: Nuno Batista

Que temas quiseste trazer, desde o primeiro momento, para a tua música – que, já disseste, não é de intervenção, mas de inconformismo porque te magoam certas realidades?

O da violência doméstica, por exemplo, mas acho que não tinha encontrado as palavras para o fazer antes da parceria com Orelha Negra. Tinha este tema aqui muito recalcado. Conheci casos muito brutais. A morte acaba por ser um tema recorrente. A morte física e emocional de alguém, a rejeição dessa condição e a mágoa que fica quando sentimos que há mortes adiáveis se houver cuidados médicos adequados. Se houver investimento e gestão criteriosa de recursos de saúde. E depois há a corrupção, que é uma outra forma de morte – metafórica – da ética, da honestidade, dos valores de democracia.

Uma das qualidades bonitas da tua música é a sensibilidade e a profundidade, a intimidade que transmite. Não achas que o mundo se superficializa cada vez mais e talvez nos falte mais desta proximidade entre as pessoas?

O que eu sinto, por experiência própria e em algumas conversas que vou tendo, é que o advento dos telemóveis e da Internet móvel, que trouxe a possibilidade de estarmos todos ligados e contactáveis 24 horas por dia, foi uma revolução para a qual não estávamos preparados. Imprimiu alterações tremendas de hábitos e de comportamentos. E se, num primeiro momento, (falamos de duas décadas essencialmente) nos pareceu tudo muito fascinante – porque, de repente, se abriu uma comporta para o mundo, o mundo estava logo ali – então a vizinha do lado perdeu importância, porque nos tornámos todos amigos digitais de pessoas que mal conhecemos, e a quem nunca poderemos pedir que nos dispense a cebola ou os coentros que nos esquecemos de comprar. Noutro plano, os campos de jogos dos bairros perderam os miúdos porque eles agora jogam em casa. Até podem jogar uns com os outros – mas cada um em sua casa! Que coisa mais perversa!

Mas o que sinto, e voltando ao início, é que há muita gente que começa a ficar cansada de estar sempre contactável. Desta obrigatoriedade de estarmos presentes e imediatamente responder. De termos tantos "amigos" de quem nem nos lembramos, se não forem as suas publicações nas redes sociais a entrarem-nos olhos adentro. E em parte essa superficialização que referes, na minha opinião, deriva muito da forma como reorganizámos as nossas relações nestas décadas de supremacia digital. Mas OK! Está bom, já vimos como é. E acho mesmo que estamos a entrar num momento diferente, de reequilibrar forças, de preservarmos mais o espaço privado, de nos deixarmos invadir menos, de fazermos fatias douradas e irmos oferecer um prato delas à vizinha.

"Há muita gente que começa a ficar cansada de estar sempre contactável"
Foto: Nuno Batista

Temos cada vez mais perspetiva, mais jovens qualificados e acesso à informação, mas parecemos ter cada vez menos horizonte. Se te fosse dado o poder de mudar já um bocadinho do mundo, por onde começavas? E porquê?

Investia na escola. Na educação. Diz-se muito essa frase de "temos a geração mais qualificada e bem preparada de sempre", mas que tipo de qualificação? É por se ter um curso superior que se tem horizontes mais abertos para o outro, para os princípios que regem, por exemplo, a nossa Constituição? E fazer parte desse rol dos mais bem preparados de sempre, o que significa? Que se está preparado para viver em comunidade? Para promover o bem-estar próprio ignorando o resto, ou um bem-estar coletivo? Investia em educação. Questionava o sistema de ensino que temos, as reformas que têm sido feitas, tantas vezes tão inconsequentes e descontinuadas.

Não te parece que o ativismo vive um momento extremado e irracional que pode ensombrar a sua mensagem humanista? O que pensas sobre a cultura do cancelamento?

Acho pavorosa a cultura do cancelamento. E não chamo ativismo a muito do que vejo. Ativismo é fazer a defesa de alguma coisa em que se acredita. Implica protesto, implica manifestação de desagrado, implica disrupção em relação a um modelo. Mas acima de tudo, para mim, implica um sentido honesto de construção e não o seu contrário. Acho que estamos confundidos com o sentido da visibilidade das causas.

"Ativismo é fazer a defesa de alguma coisa em que se acredita"
Foto: Nuno Batista

Pareces ser reservada: gostas de estar em palco ou morres de medo de cada vez que encaras um público com uma luz em cima?

Morro de ansiedade meia hora antes de cada concerto e ressuscito algures pela 5.ª ou 6.ª canção do alinhamento. Vale-me ter muitas vidas de crédito.

A Máxima é uma revista feminista desde a sua fundação, há 35 anos. Já nasceste num mundo muito mais aberto às raparigas, mas o que achas que ainda nos limita? Alguma vez quiseste ser menino, nem que por momentos?

Nunca quis ser menino. A pessoa mais admirável que conheci foi a minha mãe. Foi uma mulher extraordinária. Não digo isto por facilitismo, foi assim mesmo. E sinto que descender de uma pessoa tão valiosa me ensinou a ter muito respeito pela minha condição de mulher. O que nos limita… não trabalharmos mais em conjunto, (profissionalmente e nas redes de apoio, de família e amigas), acharmos que somos fracas se nos apetecer chorar, que somos egoístas se não amamentamos o bebé até aos 4 anos de idade… Ainda nos limita, não obstante toda a conversa que se tem feito sobre comportamentos abusivos, o olhar discriminatório ou babado de quem emite parecer na rua sobre o que levamos vestido. Ainda nos limita o espírito subserviente de dona de casa (é certo, os homens já participam nas tarefas, mas a balança continua muito mais pesada num dos pratos). Ainda nos limita que sejamos mulheres, menstruemos, tenhamos licença de maternidade para parir. E que isto dite cargos, posições, estatutos, vencimentos

Quais são os teus gostos nas que foram sempre designadas de "coisas de rapariga", e que cada vez são mais de todos num tempo em que já se percebeu que Oscar Wilde tinha razão quando dizia que "só as pessoas fúteis acham fúteis as coisas fúteis"? Quais são as tuas "coisas fúteis" preferidas?

Acho que a minha coisa mais fútil é gostar de comprar ténis e casacos. E fútil no sentido em que compro sem estar propriamente a precisar. Não é como se não tivesse mais nada para calçar, mas também não sei se isso entra no catálogo da futilidade. Na verdade acho que se aplica muitas vezes mal esta ideia. Porque fútil é uma coisa sem valor, sem interesse. Mas cuidar da pele, ter as unhas limpas, o cabelo hidratado, uma roupa que nos faça sentir bonitas… isso não é ser fútil, é? A menos que a gente passe três dias por semana no salão de cabeleireiro e outros dois no centro comercial, sem fazer mais nada com a vida.

O que gostas de fazer quando não estás a trabalhar?

Escovar, abraçar e brincar com cães. Dar mergulhos no mar. Comer e beber. Estar com o Miguel. Fazer canções.

"A pessoa mais admirável que conheci foi a minha mãe"
Foto: Nuno Batista

Escreves música também para te sossegar o coração. Que outras coisas te sossegam o coração, para além da música? E o que te (co)move?

Assistir à gentileza espontânea e desinteressada comove-me. Seja num episódio na rua, num filme ou num livro. Seja comigo ou com algum estranho. Sossega-me caminhar com o meu pai pela Serra da Arrábida quando estou desarrumada. Sossega-me ouvir a chuva a cair sobre a claraboia quando estou deitada. Sossega-me limpar a casa enquanto oiço um podcast ou um disco bom. Sossegam-me alguns abraços, fazer festas em animais e sobretudo sossega-me escrever e cantar em mantra até secar as bolsas lacrimais.

Que projetos bonitos, ou coisas malucas, tens em mente para os anos que vêm?

Um projeto muito bonito e desafiador: ter tempo.

Acreditas em algum tipo de magia?

Acredito que o amor é uma forma de magia. Tem muitos poderes.