Por António
Guerreiro no dia 20 de Junho de 2014
Os Intelectuais de Direita Estão
a Sair do Armário é o título de uma reportagem de Paulo Moura publicada na
revista 2, do PÚBLICO, no passado domingo. Tal título veicula a suposição de
que o pensamento de direita foi reprimido ou levado a um regime de auto-limitação,
tendo finalmente chegado o momento da sua libertação e afirmação pública.
Pensar assim é um equívoco. A direita apresentada na reportagem não coincide
com a direita dura, tradicional, que se sucedeu sob várias formas ao longo do
século XX (essa nem precisou de se esconder no armário porque morreu de morte
natural). Trata-se de uma nova direita, que emergiu publicamente em Portugal
apenas um pouco mais tarde do que noutros sítios, como acontece geralmente com
muitas outras coisas, mas sem ter de transpor quaisquer obstáculos. A sua
emergência dá-se sobre as ruínas da esquerda, quando todo o Ocidente virou à
direita e se tornou óbvio que a maior parte dos objetivos da esquerda não se
conseguiram impor e muitas das suas laboriosas conquistas recuam a grande
velocidade, como mostrou um dos primeiros analisadores desta Neodestra, o
italiano Raffaele Simone, num livro que teve um enorme eco, mesmo fora de
Itália: Il mostro mite. Perché l’Occidente non va a sinistra (“O monstro
brando. Porque é que o Ocidente não segue para a esquerda”). A tese de Raffaele
Simone — retomando, aliás, ideias que vêm de longe — é a de que o mundo é
naturalmente de direita e, por isso, esta, para existir, só precisa de
preservar uma posição “naturalista”, enquanto a esquerda é um artifício, uma
construção abstracta. As esperanças que ela anuncia representam um resultado
contra natura, por isso têm de ser objeto de laboriosa construção política e
teórica, projectando-se num horizonte utópico. A esquerda está sempre do lado
do devir, da criação de um direito; a direita naturalista preserva direitos
constituídos e responde a determinações realistas. Esta nova direita é, pura e
simplesmente, um realismo. Por isso é que não precisa de grandes elaborações
teóricas e a sua afirmação, como mostra muito bem a reportagem de Paulo Moura e
os depoimentos que recolhe (nomeadamente, os de António Araújo), faz-se
privilegiadamente nos media. Esse é o seu ambiente “natural”: o da comunicação,
o do divertimento, o da burguesia como classe universal. Ela não precisa de
construir um pensamento, só precisa de seguir uma cultura difusa e dispersa, de
não interromper o entretenimento, de alimentar o conformismo dos media, de
seguir com eficácia a estratégia da sedução, de aproveitar a onda de desculturalização
da política que a esquerda superlight decidiu surfar. Em suma, esta nova
direita é a subjectividade desse “monstro brando” (como lhe chama Simone), tal
como a soberania era, para Hobbes, a alma do Leviathan. Esta nova direita
confunde-se de tal modo com um realismo que um dos seus representantes com
grande destaque na reportagem de Paulo Moura é alguém como Henrique Raposo. Ele
é mais do que realista, é hiperrealista; é mais do que naturalista, é a
ausência de qualquer pensamento para não impedir o naturalismo; não precisa de
ter um discurso, basta-lhe exibir um estilo, uma caricatura. Hoje, a questão
verdadeiramente pertinente não é verificar, com algum equívoco, que os
intelectuais de direita saíram do armário; é perceber que muito dos intelectuais
que se afirmam de esquerda e falam em nome dela se converteram a essa cultura
difusa da nova direita e aceitaram preencher as quotas de mediatização que esta
lhe concede, aceitando um papel protocolar de “representação”. Também eles
glorificam o novo realismo.
Não às Utopias, o mundo não é cor de rosa. Acreditar que outro mundo melhor é possível é utopia da esquerda. 'A esquerda actual é gente de direita camuflada', parece dizer, não concordo mas sou muito novo e sem experiência.
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