Andamos cada vez mais distraídos, a saltar de tarefa em tarefa e a
reagir a estímulos de forma impulsiva. Mas quais são as consequências
deste "zapping" mental? E como trabalhar a atenção?
- Atenção, distração e dopamina. Como desenrolar este novelo?
- Falta de foco: como isto nos afeta
- Vale a pena treinar a atenção plena?
- Multitasking: amigo ou inimigo?
Um e-mail acabado de chegar, um telefonema inesperado e um chat,
de Facebook ou de Whatsapp, que volta e meia dá de si. Para onde quer
que olhe, é provável que haja focos de distracção, e também é provável
que não chegue ao fim deste artigo sem se distrair uma única vez —
afinal, a caixa de e-mail está no separador do lado, o telemóvel no seu
campo de visão e as redes sociais… bem, as redes sociais parecem estar
em toda a parte.
Atenção, distracção e dopamina. Como desenrolar este novelo?
Estamos cada vez mais impulsivos a reagir a estímulos e o nosso cérebro processa a informação de forma cada vez mais rápida, mas não retém a memória toda. As palavras são do neuropsicólogo clínico Fernando Rodrigues.
É ele
quem assegura que o olho humano (e os mecanismos visuais) estão mais
rápidos e mais sensíveis a estímulos luminosos, realidade que pode advir
do bombardeamento de informação de que somos alvo diariamente. “Há 10
anos não tínhamos o número de estímulos visuais que temos hoje”,
continua, explicando que a luz é um forte captador de atenção e que o
limiar de atenção está cada vez mais curto.
“A internet está projetada para ser um sistema de interrupção, uma máquina voltada para dividir a atenção”, disse ao The New York Times, em novembro de 2015, Nicholas Carr, autor do livro Os Superficiais — O que a internet está a fazer aos nossos cérebros, publicado em Portugal pela Gradiva. À data, Carr afirmou que estamos
dispostos a aceitar a perda de concentração e de foco em detrimento das
informações atraentes e/ou divertidas que circulam online. E, já agora, estar sempre conectado não é propriamente bom, pelo menos para o cérebro. Um estudo
da Universidade de Londres descobriu que estar-se continuamente ligado
pode ter tanto impacto no nosso QI como perder uma noite de sono ou
consumir marijuana.
"O ser humano, por natureza, não tem a capacidade de se concentrar."
No entanto, é importante não cair no erro clássico de olhar para as
novas tecnologias como a grande culpada, até porque, tal como diz Pedro
Ferreira Alves, o “ser humano por natureza não tem a capacidade de se concentrar”.
Ao Observador, o neuropsicólogo no Instituto Terapêutico Analítico
Psicologia Aveiro (ITAPA) explica que a educação, a socialização e até a
aquisição da linguagem são fatores importantes para se alcançar a
atenção voluntária que é, preto no branco, a nossa capacidade de
controlar a atenção. As novas tecnologias podem, no entanto, ser
encaradas como um novo desafio para a exigência da nossa atenção.
A
isso acrescenta-se que a atenção não é igual para todos e que esta é,
para surpresa ou não de muitos, limitada. Dito isto, importa tentar
esclarecer que a atenção está associada aos circuitos de recompensa, que
são mediados pelos circuitos dopaminérgicos (mas não só). A dopamina,
recordamos, é um dos neurotrasmissores mais polémicos na comunidade
científica e é também uma “substância gulosa”, tal como refere Fernando
Rodrigues. “A surpresa é a forma mais interessante para ocorrer o
disparo de dopamina”, esclarece. Ou seja, por norma a surpresa
atencional tem um privilégio maior sobre a tarefa anterior — e, já
agora, ter um novo estímulo vai degradar a qualidade de atenção prestada
ao estímulo anterior.
Imagine que está a conduzir um carro e que recebe uma
SMS. Pega no telefone para ver ou responder à mensagem, mas consegue
continuar atento/a à condução. No entanto, já não vai prestar atenção
caso surja um estímulo novo, que pode ser uma criança a atravessar
a estrada.
Para tentar deixar as coisas mais claras, o neuropsicólogo introduz
mais um termo científico, “cegueira cognitiva”. Imagine que está a
conduzir um carro e que, num instante, recebe uma SMS. Pega no telefone
para ver ou responder à mensagem, mas consegue continuar atento/a à
condução. Disto isto, já não vai prestar atenção caso surja um estímulo
novo, este que pode ser uma criança a atravessar a estrada.
Mais, a distracção pode ser encarada como um mecanismo de recentração
atencional, tal como o neuropsicólogo Fernando Rodrigues lhe chama.
Vamos a outro exemplo: talvez seja mais fácil para si estar mais focado
num trabalho num ambiente com mais estímulos do que o contrário. Imagine
que vai para um café fazer um trabalho, os estímulos à sua volta passam
a ser secundários e ajudam-no a recentrar a sua atenção (e não
concentração, uma vez que esta implica estar-se atento a uma única
tarefa). Pelo contrário, um ambiente sem estímulos é capaz de prejudicar
a criatividade. É que há dois tipos de estímulos diferentes: os que
exigem o nosso processamento cognitivo ou emocional, como receber uma
SMS, e os que não exigem, como um desconhecido entrar no café onde
estamos a trabalhar.
Falta de foco: como isto nos afecta
Fernando Rodrigues, que também é professor universitário, diz que observa um facto irrefutável, isto é, que as pessoas têm uma atenção cada vez mais curta.
É isso que atesta dentro da sala de aula, quando os alunos sacam do
telemóvel para responder a uma mensagem como se nada fosse. “O telemóvel é hoje uma espécie de extensão do corpo humano”,
diz, para depois atirar: “Já não conseguimos controlar os nossos
impulsos.” É por esse motivo que se apressa a argumentar que o modelo de
aulas deveria ser alterado — duas horas é muito tempo para se
permanecer atento e reter toda a informação dada. “Os alunos têm
períodos de atenção muito curtos e os conteúdos dados de forma doseada
têm mais impacto.”
Da sala de aula para o escritório, Fernando Rodrigues defende
que, em consequência da cada vez menor capacidade de atenção e do
impulso em reagir a estímulos, está-se a assistir a quebras de produtividade no mercado de trabalho. O fenómeno é relativamente recente e, se antes as empresas bloqueavam o acesso a determinados sites ou chats, agora os telemóveis estão dotados de todas essas tecnologias. Nem de propósito, o típico funcionário de um escritório é capaz de trabalhar apenas 11 minutos entre cada interrupção, sendo que demora em média 25 minutos a regressar à tarefa original.
Estes são, pelos menos, os dados recolhidos por Gloria Mark, da
Universidade da Califórnia. A falta de atenção está por toda a parte:
num escritório perto de si, mas também em casa.
"As pessoas estão menos inteiras nas relações com os
outros e isto acontece de pais para filhos, de maridos para mulheres."
É a psicóloga clínica Filipa Jardim Silva que escolhe falar da atenção distribuída versus atenção mais focada. Se a primeira, seja por via dos vários estímulos que nos afetam diariamente ou pelo modo multitasking
que tendemos a assumir, tende a afetar as dinâmicas familiares, a
segunda é a opção preferível e menos recorrente. “As pessoas estão menos
inteiras nas relações com os outros e isto acontece de pais para
filhos, de maridos para mulheres”, argumenta a profissional da Oficina
de Psicologia. É o velho cliché: o corpo está aqui, a mente nem por
isso.
A falta de presença (ou de atenção) é responsável por uma
cada vez menor tolerância ao desconforto e à frustração. Mas não só: nas
relações assiste-se, de um modo geral e empírico, à fraca capacidade de
ouvir realmente o outro. Para solucionar essas tensões, a proposta da
psicóloga passa por dirigir a nossa atenção consciente a apenas um estímulo, mas também reduzir os vários estímulos à nossa volta — talvez esteja na hora de fazer um detox tecnológico. Deixar o telefone à porta de casa, combinar a hora em que vão finalmente pegar nos smartphones
ou privilegiar a interação familiar em detrimento dos equipamentos
tecnológicos são algumas ideias. Até para evitar aquilo a que Filipa
Jardim Silva chama de solidão acompanhada nas famílias: “Falamos sobre
muita coisa, mas não falamos sobre nós.”
Uma coisa é (in)certa: o
neuropsicólogo Fernando Rodrigues não sabe dizer o que está em causa, se
o défice de atenção está subdiagnosticado, se esta é uma mutação
geracional ou, então, uma patologia.
Vale a pena treinar a atenção plena?
Para falar da importância e do poder da concentração, o The New York
Times chegou a evocar a figura de Sherlock Holmes, tido como um dos
detetives mais “inativamente ativos” por ficar simplesmente quieto,
sentado e de cachimbo na boca, a pensar na melhor forma de resolver mais
um enigma. Isto tudo para falar de mindfulness. No artigo de opinião datado de dezembro de 2012, a publicação abordou o facto de o mindfulness
originar do budismo e argumentou que, no contexto da psicologia
experimental, o conceito está mais voltado para a concentração do que
para a espiritualidade.
“A tecnologia é excelente mas provoca uma
série de solicitações e interrupções que não aconteciam antes. Há mais
dificuldade em manter o foco e a atenção”, alega também Luís Carvalho, professor certificado de minduflness desde 2008, que cita vários estudos que mostram uma mesma realidade: cerca de metade do tempo em que estamos acordados é passado em distração.
É aqui que a meditação associada ao mindfulness
entra — esta é tida como a forma de praticar a habilidade de estar
presente e de ir ganhando foco, seja através de práticas formais
(meditação em si) ou informais (como passear no jardim e sentir o vento
no corpo e/ou o sol na cara). Tanto num caso como no outro é importante
perceber quando perdemos o foco e, sem culpa, trazer a atenção de volta.
Nem de propósito, no artigo que o Observador dedicou ao mindfulness, o especialista Vasco Gaspar, autor do livro Aqui e Agora, explicou que apesar da prática do minfulness estar associada à meditação, esta não implica necessariamente o estar-se focado, mas antes fazer o esforço da atenção plena. “A meditação é como ir ao ginásio. São práticas artificiais, para cultivar, coisas que não fazemos no nosso dia a dia”, garantiu à data. Vale a pena repetir: o minfulness
é a capacidade de estar presente, de estar consciente do que se passa à
nossa volta, das nossas emoções e do nosso próprio corpo. Talvez por
isso seja algo a considerar num mundo que cada vez mais distrai e cada
vez anda mais distraído.
"Quando estamos com atenção num momento presente, temos toda a atenção do que está a acontecer e isso permite-nos tomar as decisões mais adequadas."
Mas porque é tão importante estarmos presentes? “Quando estamos com
atenção num momento presente, temos toda a atenção do que está a
acontecer e isso permite-nos tomar as decisões mais adequadas. Quando
estamos distraídos, há muitas coisas que nos podem escapar e podemos ter
reações baseadas em hábitos e perceções incompletas ou interpretações
erradas”, responde Luís Carvalho. Outro exemplo? É como ir no carro e
virar no sítio errado porque aquele é, na verdade, o nosso caminho
habitual. “Isso acontece porque houve um momento de distração e quando
estamos distraídos a tendência é para seguirmos os nossos hábitos.”
Multitasking: amigo ou inimigo?
No artigo de opinião acima referido lê-se ainda que o mindfulness pode ajudar contra “a praga da existência moderna”, entenda-se o multitasking. “Gostaríamos de acreditar que a nossa atenção é infinita, mas não é. Multitasking é um mito persistente. O que realmente fazemos é mudar rapidamente a nossa atenção de tarefa em tarefa”, escreveu Maria Konnikova, autora do livro Mastermid: How to Think Like Sherlock Holmes.
Multitasking, esse estrangeirismo que é utilizado para
descrever a capacidade de fazer mais do que uma tarefa ao mesmo tempo,
pode estar a perder terreno para o monotasking, já considerado o termo do século XXI para prestar atenção. De acordo com um estudo
publicado em 2014 no Journal of Experimental Psychology, interrupções
de apenas dois ou três segundos eram o suficiente para os participantes
duplicarem os erros cometidos durante determinada tarefa. A isso
acrescenta-se a investigação da Universidade da Califórnia, que mostrou que as pessoas chegam a trocar de tarefas cerca de 400 vezes por dia, daí estarem tão cansadas à noite.
Escreve a Harvard Business Review que o multitasking
permite-nos fazer mais coisas, mas também nos deixa mais vulneráveis a
cometer erros, ao passar ao lado de informação ou de pistas
interessantes e a reter menos informação. Já Fernando Rodrigues associa o multitasking à memória de trabalho e às funções executivas, nas quais se inclui o shifting,
isto é, a capacidade de alternar entre tarefas. Refere ainda que o
período atencional é muito forte nos primeiros cinco minutos e nos
últimos cinco minutos de uma determinada tarefa. “A memória de trabalho
vai identificar o que é ou não importante. O que estamos a observar é
que a atenção é cada vez mais curta, inclusive nestes mecanismos de
trabalho. As próximas gerações podem vir a ser mais voláteis, ainda que
com melhores avaliações ao nível da inteligência.”
“Hoje em dia os
jovens conseguem fazer mais coisas ao mesmo tempo, mas perdem qualidade
de tarefa em tarefa. As gerações anteriores eram mais focadas nas
tarefas e retiravam mais pormenores e riqueza de estímulo. Agora, as
gerações mais novas detetam mais rapidamente os estímulos mas perdem
essa riqueza”, diz Fernando Rodrigues, sem conseguir confirmar qual das
situações é preferível. No entanto, faz ainda outra observação com um
ponto de interrogação no final: o que será da criança que não consegue captar assim tantos estímulos?
"Hoje em dia os jovens conseguem fazer mais coisas ao
mesmo tempo, mas perdem qualidade de tarefa em tarefa. As gerações
anteriores eram mais focadas nas tarefas e retiravam mais pormenores e
riqueza de estímulo. Agora, as gerações mais novas detetam mais
rapidamente os estímulos mas perdem essa riqueza."
Álvaro Carvalho, diretor do Programa Nacional para a Saúde
Mental/DGS, confirma que atualmente existem mais solicitações do que há
uns anos, dada a tecnologia que nos acompanha no dia a dia, mas assegura
que este não é um fenómeno novo e relembra que também Napoleão
Bonaparte era capaz de fazer cinco coisas ao mesmo tempo. A isso
acrescenta que as crianças rápida e facilmente passam de uma ocupação
para outra, sendo esta uma forma de estar numa sociedade que valoriza a
novidade.
Há uma tendência cada vez maior para que as crianças se
portem simplesmente bem, atira Conceição Tavares, psicóloga e
psicanalista. A também assessora do Programa Nacional para a Saúde
Mental da DGS refere que o tipo de aprendizagem mais tradicional não tem em conta a criatividade e os ritmos diferentes das crianças, o que pode estar relacionado com a hiperatividade.
“A uniformização da educação traz consequências. Porque os bebés têm de
dormir todos aos mesmo tempo e trocar de fraldas também ao mesmo
tempo”, assegura. E que consequências são essas? “Distração, défice de
atenção…”
No entanto, importa também referir o que disse o pediatra Pedro Gomes à agência Lusa em março de 2015, quando afirmou
que a hiperatividade está mal diagonisticada em Portugal: “Estas
doenças e expressões [Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA)]
aparecem porque o pessoal de saúde está mais sensível, mais atento às
perturbações de comportamento do que há uns anos. (…) Há crianças
hiperdiagnosticadas e outras crianças hipodiagnosticadas”.
Por
outro lado, assiste-se à massificação da informação. Não descurando as
“vantagens fantásticas” da internet, o excesso de informação que esta
proporciona não ajuda à seleção pelo que, hoje em dia, somos menos
seletivos e também menos pacientes. “Hoje é tudo muito
automático [rápido e fácil], e isso pode dificultar o facto de os jovens
se focarem num só objetivo. Há uma tolerância diferente à frustração”,
continua Conceição Tavares, fazendo uma última anotação pessoal como
contraponto do que hoje se assiste nas gerações mais novas: “Ainda me
lembro de esperar pela época dos morangos”.
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