Reaprender o espanto
PRECISAMOS DE REENCONTRAR O ESPANTO. “Espanto” deriva do latino expaventare, que descreve a forte impressão originada por uma coisa inesperada e repentina. Se procurarmos sinónimos, encontraremos “assombro”, “admiração”, “surpresa”. É o contacto (consciente, fulgurante, desarmado, rendido) com a vida maior do que nós, a vida em aberto, não predeterminada. No espanto, a nova e surpreendente expressão da vida prende a nossa atenção à maneira de um relâmpago, de um rasgão imprevisível. Não conseguimos encaixá-la no nosso quadro habitual, pois o seu carácter inédito torna inúteis todos os saberes.
Gosto muito da definição de espanto dada por Adorno: “Espanto é um longo e inocente olhar lançado sobre o objeto.” É, de facto, “um olhar longo”, e isso talvez explique porque consideramos hoje tão pouco o espanto, num tempo que nos programa para olhares breves, relances, observações fugidias e utilitárias, cada vez mais simplificadas. E é um “olhar inocente”, isto é, aberto à revelação do próprio objeto, ao que ele pretende de nós e não ao que imediatamente pretendemos dele. O espanto obriga-nos a uma revisão do que sabemos de nós próprios e do mundo. Obriga-nos a recomeçar como se fosse um nascer. O amor, o conhecimento, a poesia ou a santidade principiam com ele.
José Tolentino Mendonça, “O Pequeno Caminho das Grandes Perguntas”
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