Silêncio ou Voz? É uma grande dúvida, não saber distinguir quando o silêncio deve ser mais alto do que o som da voz. Ando a tentar aprender, com os erros de ausência ou presença excessiva. Peço desculpa se não consigo afinar, continuarei a tentar dançar no ritmo. Por falar em música...Provavelmente muitos não saberão mas há cerca de 1/2 semanas foi lançada uma música por um grupo de Rap chamado Tekilla. A música, tem a intenção de combater o racismo e começa com a seguinte frase « se não és mongolóide, deves ser autista ». No videoclip aparecem músicos famosos, entre os quais o músico Carlão. Nos dias que se seguiram, assisti a uma onda de indignação, mas analisando friamente, essa onda de indignação e ofensa só partiu de grupos ou pessoas que têm autismo e/ou trissomia 21 (ou que são familiares e amigos). Do resto, silêncio.
O Carlão, numa tentativa generosa, fez uma pedido de desculpa (só no Facebook, no instragram não) dirigido aos familiares e amigos das pessoas « afetados com o Síndrome de Down, autismo ou qualquer doença física ou mental ».
Tenho andado a digerir este episódio...não sei bem o que mais me choca...se a letra (violenta e discriminatória) associada a uma música que pretende chamar a atenção sobre a discriminação...se o silêncio do próprio grupo de música sobre isso...se o pedido de desculpa do Carlão, generoso mas cheio de discriminação e capacitismo...se o silêncio do resto da sociedade (com a exceção de quem vive diariamente discriminação direta e/ ou indiretamente, como é o meu caso).
Naturalmente, lutar contra a discriminação com discriminação anula toda a luta maior pela dignidade de todos os seres humanos. E se o Tekilla não sabe isso, lamento mas não sabe de discriminação e então percebo que esteja em silêncio, como o resto da sociedade. A música, a cultura, são espaços privilegiados para ativismo e chamadas de atenção, são fundamentais. Se, ao ser violenta provoca silêncio na sociedade, os nossos alarmes devem soar. Os direitos humanos não são só para alguns, são para todos. Daí serem universais. A luta antirracismo é minha também e não a consigo diferenciar da luta pela dignidade das pessoas com deficiência. Têm demasiado em comum, são lutas irmãs (aliás, ao longo da história assim foi e é). Este episódio está centrado naquilo que considero mais perigoso em qualquer sociedade: a desumanização de um determinado grupo de pessoas. Num pequeno episódio, percebemos que esta condição de se retirar todas as qualidades humanas de uma pessoa está presente. Aconteceu. Acontece. Até por pessoas que gostamos. A voz das pessoas com deficiência não foi escutada em lado nenhum e nem o pedido de desculpa foi dirigido a elas. Não existem, não interessam. Muito mais do que à violência da música, assisti a uma violência coletiva de permissão e silêncio. Muito mais do que a generosidade do pedido de desculpa, assisti à violência da não existência sobre a autodeterminação, sobre as dores e alegrias das pessoas com deficiência, em específico com síndrome de down e autismo. Assisti a um episódio de violência, consentida no coletivo, pelo silêncio. E por isso quebro o meu silêncio, para manifestar a minha total indignação e vergonha, não apenas na dita música mas, sobretudo, na forma invisível com que este assunto foi tratado. A minha filha, com síndrome de down, não merece este desrespeito, nem todas as pessoas com síndrome de down e autismo. Não podem ser assim violentadas. Convido o Takilla e o Carlão a nos ouvirem durante 10 minutos, tenho a convicção que mudarão o vosso olhar e o vosso coração. A vossa luta é a nossa. As lágrimas são as mesmas. Ouçam as nossas. Não abram trincheiras onde não existem, preferimos abraços. Ser voz, é isto também. Escutem a nossa, por favor, estamos aqui.
(de Joana Mello e Castro)
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