02 novembro 2008

el jozésito

Ontem abri um livro. Folheei as páginas desnumeradas. Contava a estória de um menino. Menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado. O menino abriu a boca. Da boca do menino de feitio enfeitiçado, sairam palavras grandes e gordas: “a lua é redonda e cor de prata e chove pétalas brancas. As palavras deviam ser servidas num tabuleiro de prata”.
O menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado, com as palavras grandes e gordas que lhe saíam da boca, dizia que à noite comia as estrelas. Queria a lua sózinha a brilhar lá do alto. À noite abria a boca e bebia as pétalas brancas que a lua redonda cor de prata chovia. Queria o brilho da lua nos sonhos que não sonhava.
O menino tinhas olhos negros como o escuro da noite tinha.
À noite, o menino deitava-se no tabuleiro de prata onde julgava que as palavras se serviam. Punha-se a contar as letras como quem conta carneiros em noite não dormida.
O menino esfregava os olhos em jeito de acordado. Então, o corpo do menino, que em não dormir insistia, meteu-se em cima dos pés que ficavam ao fundo das pernas que o menino no corpo tinha e andou toda a noite com os pés descalços e frios na areia granulada que era branca e fina. Nas horas que à noite andou com os pés descalços e frios que tem no fim das pernas, o menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado, encontrou um livro grande e velho de capa empoeirada e páginas desnumeradas. Abriu o livro. Dentro do livro viu palavras grandes e gordas como aquelas que saíam da sua boca.
Ao ver tantas palavras grandes e gordas, o menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado, arrancou as páginas do velho e grande livro de capa empoeirada e páginas desnumerdas, rasgou-as numa grande correria, amachucou-as em bolinhas pequeninas como se fossem berlindes e meteu-as na boca. O menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado comeu as palavras grandes e gordas todas. As palavras eram muitas, tantas que o menino olhava para a noite escura lá no alto toda enfeitada de estrelas brilhantes, e o menino não sabia se havia mais estrelas no céu da noite escura ou se mais palavras no livro grande e velho de capa empoeirada e páginas sem números.
E o menino comia as palavras, continuava a comer as palavras, queria as palavras só para ele, queria guardá-las na barriga, dentro dele, para que quando abrisse a boca todas as palavras grandes e gordas saissem da boca dele. O menino queria as palavras a sairem-lhe da boca como a água que corre quando se abre a torneira.
Quando o menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado acabou de comer as palavras, encostou-se na areia granulada que era branca e fina e barriga inchada de palavras virada para o alto da noite escura que tinha a lua redonda cor de prata lá no cimo. No rosto deslavado, o menino delgadinho, de cabelo despenteado e feitio enfeitiçado, desenhou um sorriso e devagarinho começou a abrir a boca só para de lá deixar sair as palavras grandes e gordas. Elas saiam, uma a uma, como bolas de sabão e subiam pelo céu que a noite escura cobria, subiam em direcção à lua redonda cor de prata que a noite lá no alto tinha. E a lua redonda cor de prata chovia as palavras grandes e gordas em pétalas brancas que o menino à noite bebia. E o menino bebia e a lua chovia. E o menino delgadinho, de cabelo despenteado, rosto deslavado e feitio enfeitiçado que à noite não dormia, deitava-se no tabuleiro em que julgava que as palavras deviam ser servidas, de barriga inchada de palavras grandes e gordas virada para cima a brincar com a lua na hora dos sonhos que a e doirava até aloirar o cabelo ondulado que vibrava muito com o vento e em gotas de água fervilhava azul esverdeado: um belo acordou e fez vénia para um imaginado público!

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