02 novembro 2008

jp ALMA

Jorge Palma escreve sobre "Norte"

Quando ouvi o José Saramago, numa entrevista televisiva, tecer considerações sobre optimismo céptico e cepticismo optimista, a questão despertou-me interesse e ficou a burilar na minha cabeça. Entretanto, o David Ferreira ia-me perguntando se já tinha escrito a "tal" canção sobre a guerra e quando eu respondia ao Paulo Junqueiro (a propósito dum possível disco de originais para este ano) que estava tudo bem, ele dizia-me que queria era ouvir canções novas e o resto era conversa. No Verão passado, na praia dos Alteirinhos (Zambujeira do Mar), entre 2 mergulhos e 2 parágrafos do "Equador" do Miguel Sousa Tavares, deitado na areia ao lado da Rita, foi-me surgindo insistentemente uma melodia parecida com centenas de outras escritas por tipos como Cole Porter ou Duke Ellington no século passado, afeiçoei-me a ela e fui-lhe adaptando letras em que entravam crocodilos, arqueólogos, oásis, poetas, detectives, etc. Só este ano é que me decidi pela que consta na "TAMA-RA".

Por outro lado, o Alex convidou-me no final do ano para participar no projecto "WORDSONG" sobre o Al Berto, obrigando-me assim a musicar finalmente o "ACORDAR TARDE". Na Primavera era tudo o que tinha de novo, para além de imensas ideias e uma excelente disposição para gravar 1 disco. Quando soube que o Mário Barreiros não só estava disposto a produzir o meu CD., como teria muito gosto em fazê-lo, percebi que era altura de meter mãos à obra. Agosto foi o mês escolhido, 'bora p'ró Norte! O Elvis Costello tinha-se antecipado na ideia do título, mas acho que ninguém se vai ralar muito com isso. E as coisas foram saindo, houve algumas sessões de aquecimento durante o Euro 2004, pelo que tive de recorrer à proverbial hospitalidade da Regina Castro e do João Lóio, que me acolheram no seu simpático ninho de Matosinhos (hotéis nessa altura, nem pensar). A Regina até achou melhor levar o seu computador para outra sala, dados os horários imprevisíveis da minha veia inspiradora – as letras de "BRINCAR COM O FOGO" e "HÁ TANTO TEMPO" foram paridas numa dessas noites de insónia, deitado no confortável "fouton" (?) onde me instalaram. Entretanto, os músicos "residentes" – Marco (BLIND ZERO), André e Miguel (ZEN), Miguel Ferreira (CLÃ) e, claro, M.B., foram-se familiarizando com a meia-dúzia de músicas que eu já tinha nessa altura.

Ah, em Janeiro tinha escrito "D. QUIXOTE FOI-SE EMBORA" para 1 peça de teatro de Chris Thorpe: "SALVAÇÃO – o sangue é mais real a preto e branco", encenada pela Ana Nave para o Colectivo "O GRUPO" (Incrível Almadense). Nessa altura contei com o habitual apoio do Flak para a gravação desse e dos outros temas para a peça. Com a aproximação dos 30 anos do 25 de Abril, a Ilda Féteira resolveu gravar "25 RAZÕES DE ESPERANÇA", poemas escolhidos e ditos por ela e eu construí o fundo musical. Aí, para além do Flak, contei também com a generosidade e o saber do Tó Pinheiro da Silva (nestas coisas mata-se saudades) e criei um tema recorrente que associei logo à "CORLEONE' S WALTZ" do Nino Rotta para o "GODFATHER" de Coppola. Não é plágio, mas quando ouço "HÁ TANTO TEMPO" imagino sempre um mafioso morto, numa carreta funerária puxada por um burro ao longo dalguma paisagem siciliana, num plácido final de dia. As letras de "NORTE" e "OS DEMITIDOS" foram escritas ao volante, a caminho de Gaia – quer dizer, quando a memória (e a bexiga) ficavam cheias parava na área de serviço seguinte para escreve, etc. Os arranjos dos sopros de "DEMÓNIOS INTERIORES" também foram feitos assim (a ouvir Van Morrison). Claro que depois tinha de se dar um jeitinho no estúdio, o M.B. ajudava. A propósito, as letras do Carlos Tê parecem já virem com música – é só lê-las, cantá-las e gravá-las. O Tê, o M.B., o Mário Delgado, fizeram-me ouvir discos que talvez ajudassem a soltar ideias, às vezes resulta. As orquestrações para cordas foram escritas no Hotel Casa Branca – Praia de Lavadores, onde fiquei instalado durante todo o tempo de gravação – 1 grande abraço para todo o pessoal que me fez sentir em casa – cafés triplos, colas e tónicas muita simpatia. Comecei a escrever as partituras às 2 da manhã, fiz mal as contas e o pessoal da corda lá teve de esperar uma horita pelos papéis – o departamento de Produção da EMI-Valentim de Carvalho não é suposto ter conhecimento disto. O Carlos Bica estava "willing, able and ready", entrou no barco e fez muito mais do que cimentar a nossa amizade.

O Frank Môbus, que toca com o Bica no projecto "AZUL", em Berlim e não só, veio tocar a Paredes de Coura com o seu grupo "DER ROTE BEREICH" e foi ouro sobre azul para a minha balada "OUTONO", que eu compus a sonhar com Chet Baker. Também fez umas malhas na "ESCURIDÃO", se bem que a guitarra principal desse tema seja do Flak. O Mário Delgado levou a sua guitarra eléctrica e o dobro até ao estúdio, tinha feito trabalho de casa e foi o que se pode ouvir. Para o Ricardo Dias bastou aquela hora que separa Coimbra de Canelas e acariciar o acordeão como só ele sabe. "PASSEIO DOS PRODÍGIOS" foi escrito e gravado em 3 horas, já no fim de tudo. Alguém achou que faltava qualquer coisa para abrir o disco. Estou a lembrar-me de tanta coisa, mas vou só salientar a visita dos "DIXIE GANG", que foi uma alegria, uma verdadeira festa! Escusado será dizer que adorei trabalhar com toda esta gente, os que já conhecia e os outros, como os saxofonistas da ESCOLA DE JAZZ DO PORTO, ou o Ant6nio Augusto de Aguiar, que dirigiu a secção de cordas, o entendimento telepático com o Mário Barreiros, a sua mestria. Depois entraram em acção a Andrea (EMI), a Isabel Pinto e o Tó Trips para tratarem da capa, e a fita contínua. Qualquer semelhança entre tudo isto e a realidade não é pura coincidência. Obrigado a todos.

Jorge Palma, Lisboa, Setembro 2004







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Ficha Técnica
Músicos:

Jorge Palma – voz, piano, guitarra acústica
Marco Nunes – guitarra eléctrica, slide-guitar, guitarra acústica
Miguel Ferreira – teclados, metalofone
Miguel Barros – baixo eléctrico
André Hollanda – bateria
Flak – guitarra eléctrica
Frank Möbus – guitarra eléctrica
Mário Delgado – guitarra eléctrica, dobro
Carlos Bica – contrabaixo
Mário Barreiros – bateria, pandeireta, guitarra acústica
Ricardo Dias – acordeão
José Luis Rêgo – saxofone alto
Mário Santos – saxofone tenor
Mário Brito – saxofone barítono

Dixie Gang:
Silas Oliveira – banjo
João Viana – cornetim
Claus Nymark – trombone
Paulo Gaspar – clarinete
Jacinto Santos – tuba
Rui Alves – bateria
David Rodrigues – piano (não colaborou no disco)


secção de cordas dirigida por António Augusto de Aguiar:
Reyes Gallardo, Marta Eufrasio e Carlos Costa – violinos I
Luis Trigo, Maria João Silva e Gaspar Santos – violinos II
Trevor Mac Tait, Luis Norberto, Jorge Alves – violas
Filipe Quaresma, Vanessa Pires e Daniela Brito Gonçalves – violoncelos



‘Norte' foi gravado e misturado no MB Estúdios, em Canelas, Vila Nova de Gaia, em Agosto de 2004, por Mário Barreiros.

Produção: Mário Barreiros

Gravações adicionais por Mário Pereira

Masterizado em Nova Iorque nos estúdios Sterling Sound por George Marino.

Fotografia: Isabel Pinto

Capa: Mackintóxico

Todas as letras e músicas da autoria de Jorge Palma, com excepção de ‘Acordar Tarde', um poema de Al Berto do livro ‘Horto de Incêndio', e de ‘Valsa dum Homem Carente' e ‘Demónios Interiores', letras de Carlos Tê.

Partituras para sopros e cordas escritas por Jorge Palma.


F
Se alguma vez te parecer
Dm
Ouvir coisas sem sentido
F#m
Não ligues, sou eu a dizer
Dm
Que quero ficar contigo
F
E apenas obedeço
C
Com as artes que conheço
B
Ao princípio activo
C
Que rege desde o começo
F
E mantém o mundo vivo


F
Se alguma vez me vires fazer
Dm
Figuras teatrais
F#m
Dignas d'um palhaço pobre
Dm
Sou eu a dançar a mais nobre
F
Das danças nupciais
C
Vê minhas plumas cardeais
B
Em todo o meu esplendor
C
Sou eu, sou eu, nem mais
F
A suplicar o teu amor


B
É a dança mais pungente
C
Mão atrás e outra à frente
F
Valsa de um homem carente
F C
Mão atrás e outra à frente
F
Valsa de um homem carente

F C B C F...

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