03 maio 2009

isto é cultura, massas

Ana Sousa Dias
Os homens são seres mais egoístas do que as mulheres, mais racionais, mais destemidos no que diz respeito à sua integridade física - no resto, são mais cobardes do que nós. Não estão preparados para ter contrariedades. São muito óbvios. Mentem e não percebem que mostram que estão a mentir. Quando se insinuam são completamente óbvios, não sabem estar calados. Às vezes, aparece um homem que nos faz sentir umas borboletas cá por dentro mas, mal abre a boca, acaba a Primavera.
São seres menos completos do que as mulheres. Nós temos aquela capacidade fantástica de resolver vários assuntos ao mesmo tempo, sabemos pôr-nos na pele do outro. Temos de ser mães, enfermeiras, costureiras, empregadas da limpeza, e ainda temos uma vida profissional.
A minha percepção mudou imenso ao longo do tempo. Os primeiros homens da minha vida adulta não eram pessoas correctas nem honestas. E agora tenho vindo a descobrir pessoas muitíssimo agradáveis. Foi uma evolução interior minha.
Não podemos queixar-nos de que os filhos são egoístas se fomos nós a educá-los. Tenho três filhos, a Maria, o Gonçalo e a Francisca. Há dois anos, ele foi passar um fim-de-semana com os amigos, 17 rapazes e 14 raparigas, com 17 ou 18 anos. Ele era o único que sabia cozinhar. Faz parte da minha função de mãe abrir-lhes os olhos para o mundo e ensinar-lhe uma série de competências, para poderem ser independentes e livres, porque se não forem independentes não são livres.
Há poucos dias, estávamos a conversar com os meus pais e o Gonçalo disse: tenho de agradecer à minha mãe porque foi a pessoa mais importante e que mais me influenciou a vida toda, porque me abriu os olhos, porque me explicou caminhos e porque respeitou os meus.
Fomos educadas para casar e não esperar de um homem mais do que o ganha-pão. Ele teria a vida dele e nós seríamos as fadas do lar, abelhinhas diligentes. Não tínhamos exemplos diferentes. Abri os olhos depois de casar e só depois de me divorciar descobri que havia imensos homens muito diferentes.
O que me atrai num homem é o que também me atrai numa mulher: uma cabeça arejada, que pense por si e não pela cabeça dos outros. A lealdade é fundamental, bem como a honestidade intelectual. Sou mais atraída por isso do que pelo físico. Os homens que aconteceram na minha vida não são fisicamente parecidos.
Tenho imenso orgulho nos genes do nosso bisavô**. Trilhou a vida dele e lutou pelo que queria e eu, à minha maneira, luto por aquilo que quero. Não consigo aceitar viver num país sem auto-estima, tendo eu consciência disso e não fazendo nada para mudar. A Alma Lusa faz dez anos e hoje, noutras cidades do país, encontras lojas que são cópias, pelo menos nalgumas facetas, do que estou a fazer. E é fantástico porque o país precisa imenso. Recebo muitos cartões e emails. Guardei o primeiro, era do vice-presidente de um banco em Miami, um americano de origem portuguesa. "Parabéns pela sua obra." O último é de uma rapariga de 24 anos que vive em Londres: "Passei pela sua loja do aeroporto, sinto-me orgulhosa de ser portuguesa."
Trabalhei muitos anos sozinha e detestei, gosto de trabalhar com. Gosto de ouvir a opinião de outra pessoa, aprendo sempre qualquer coisa, leva-me para outros caminhos. Quando contrato alguém, não o faço por ser homem ou mulher. Vejo a experiência profissional, o perfil pessoal, na entrevista percebo o que diz e não diz.
Trabalhei numa multinacional alemã e gostei muito, são muito racionais, perseguem os objectivos. Cheguei a ser a única mulher nos quadros superiores. Mas quando fiquei grávida do meu segundo filho contrataram logo outra pessoa para me substituir. Há 11 ou 12 anos, respondi a um anúncio do Lidl e até me perguntaram se tinha dores menstruais.
Recordo os avós com imenso carinho, eles tinham tempo para nós. Lembras-te de uns bombons de chocolate com um creme branco por dentro, embrulhados em celofane colorido? O avô ensinava-nos a pôr o celofane, lavado, no vidro de uma janela para ver o mundo todo amarelo ou todo vermelho...
Preciso de continuar a aprender, não poderia ficar em casa sem ter vida profissional. Um filho é um braço ou uma perna, posso sofrer imenso por eles, mas o meu projecto de vida sou eu, enquanto pessoa. Há uma parte da massa cinzenta que estagna se não a utilizares. Do que eu gostava mesmo, e vou fazer tudo por isso, era de só morrer aos 120. Ainda me falta mais de metade da minha vida. Há tanto mundo, tanta coisa que quero fazer.

* Criadora das lojas Alma Lusa, exclusivamente com design português
** General Adalberto Sousa Dias, comandou as primeiras revoltas contra a Ditadura 1926 (Porto) e 1931 (Madeira)
anasdias@netcabo.pt

A partir de uma conversa
com a empresária, prima da autora do texto

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