Há uma variável na equação dos incêndios em Portugal que nós podemos mudar: desenvolvermo-nos mais
É solitário não se ser especialista instantâneo em incêndios por
estes dias. Eu não sabia que vocês eram tantos na nossa vida: às vezes
parece que por detrás de cada telemóvel e de cada teclado, de cada
microfone e página de jornal, de cada câmara e em cada estúdio, há um
especialista instantâneo em incêndios. A convicção de cada um é grande,
as certezas fulminantes. Às vezes gostaria de fazer uma troca: ouvir-vos
menos agora para ouvir mais os especialistas não-instantâneos (também
conhecidos por "aqueles e aquelas que se deram mesmo ao trabalho de
estudar e pensar prolongadamente sobre um determinado tema") durante o
resto do ano.
Mas não. Nós sabemos as regras do jogo. A sazonalidade dos fogos
determina a dilatação do perímetro de especialistas e a multiplicação
dos espécimes opinativos. São eles o preço a pagar por podermos ouvir
também os especialistas não-instantâneos (ou, como eu lhes prefiro
chamar, "aqueles e aquelas com quem se aprende qualquer coisa") que
estão cada vez melhores. Distingo-os à maneira possível aos pobres
não-especialistas como eu: aquelas e aqueles com quem se aprende alguma
coisa, além de não costumarem aparecer no resto do ano, são menos
definitivos nas suas respostas, repetem muitas vezes que "é complicado"
(para desespero dos entrevistadores) e têm, em geral, um ângulo ou
abordagem que perseguem há anos, metodicamente: sabem que proteção civil
não é idêntica a proteção ambiental, que o ângulo da desertificação não
é o mesmo das alterações climáticas, que a prevenção e o combate não
têm os mesmos princípios nem os mesmos objetivos, etc. Sabem que
precisam uns dos outros para avançar no conhecimento e nos resultados.
Já
o especialista instantâneo não precisa de mais ninguém. Fala ou escreve
como se a sua torrente de opiniões apagasse os fogos. Quem dera. Mas a
torrente de opinião muda de rumo todos os dias. No primeiro dia, choque e
consternação. No segundo dia, escândalo e indignação. Ao terceiro dia, a
sentença: nada vai mudar a não ser para pior, vai continuar a haver
incêndios e mortes, o país é uma esterqueira. É aí que estamos agora.
Esta profecia tem a vantagem, para quem a profere, de não poder
falhar. E, no entanto, eu acho que, na sua certeza, ela está errada.
Porquê? Como não-especialista que sou, procedo por analogia.
Em
tempos Portugal tinha altíssimos níveis de sinistralidade rodoviária.
Sou suficientemente velho para me lembrar de quando os cintos de
segurança se tornaram obrigatórios, de quando os testes de alcoolemia se
tornaram banais, de quando as rotundas começaram a pipocar nas vilas e
cidades do país. Em cada um destes momentos houve especialistas
instantâneos que proclamaram instantaneamente a inutilidade destas e
outras medidas semelhantes. Não pensem que exagero: lembro-me de um
colunista importante e definitivo que, então nas páginas deste jornal,
jurava que continuaria a guiar em excesso de velocidade porque a culpa
dos acidentes era dos outros condutores piores do que ele. Mas a verdade
é que, por virtude de muitas pequenas boas medidas, a sinistralidade
rodoviária em Portugal diminuiu e muito. Fala-se pouco disso hoje:
deixámos de ser uma mancha negra nas estatísticas. Desenvolvemo-nos.
Pois
bem. Há uma variável na equação dos incêndios em Portugal que nós
podemos mudar: desenvolvermo-nos mais. E, contra a torrente opinativa,
acredito que queremos mudar essa variável, e que o vamos fazer. Um dia
haverá menos fogos incontrolados (sim, apesar das alterações climáticas:
é uma questão de nos prepararmos melhor para elas) e muito menos mortes
em incêndios em Portugal. Esse dia será devidamente anotado pelas
estatísticas e talvez passe no fim de um noticiário, dando um nó na
garganta a quem perdeu os seus amados nos fogos e nunca os esquecerá.
Sei disto porque os especialistas não-instantâneos (ou, como lhes
deveríamos chamar, os especialistas) têm dito muitas coisas sensatas e
implementáveis. Quanto aos especialistas instantâneos (ou, para ser
preciso, não-especialistas) deveriam talvez ouvir mais. Para não dizer,
como é costume deles, que podem sempre ir limpar matas.
Ando há uns dias para escrever este post correndo o risco de parecer insensível mas quanto mais se fala (tornando-nos especialistas instantâneos em incêndios) nos incêndios de Góis mais aumentamos/agravamos um problema já de si Enorme!
Não resolve nada e não melhora a vida de ninguém mostrares que estás muito atento falando dos 1000 casos dramáticos que daí resultaram...
Das ruínas nasce vida, todos nós nascemos em sangue e confusão: e também aqui como no incêndio de Londres nasceram correntes de solidariedade com FORÇA Humana!
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