Polvos ou Covfefe – o gerador de patetice
Há várias razões para achar que Donald Trump não está muito bem da cabeça.
O presidente Trump publicou uma nota no Twitter que começa a atacar a
comunicação social e depois acaba abruptamente com uma palavra que
ninguém sabe o que significa, ninguém sabe como se pronuncia e ninguém
sabe, sequer, se é uma palavra: “Covfefe.” Há uma explicação simples
para o que aconteceu, mas com Trump não há explicações simples, só
simplistas ou irracionais, ou seja, não-explicações. A explicação
simples é que ele se enganou e queria escrever outra palavra qualquer e
como era de noite e devia estar cansado ou adormeceu ou mandou para o
éter o tweet sem o verificar e foi à sua vida, cuja eu não
quero de todo saber qual foi. Erros de ortografia, lexicais e outros são
comuns nos seus tweets, por isso não é novidade a falta de cuidado com que os escreve.
Acontece que, quando toda a gente se interrogava sobre o que é que
significava “covfefe”, com literalmente centenas de milhares de
mensagens, consultas a dicionários, procuras na Internet, e perplexidade
geral, ele, de novo a horas impróprias, retirou o tweet
original e substituiu-o por outro: “Quem é que é capaz de descobrir qual
o verdadeiro significado de ‘covfefe’??? Divirtam-se!!” Na versão do
tradutor do Google, tão apropriada na asneira que é o ideal para
“traduzir” Trump, fica assim: “Quem pode descobrir o verdadeiro
significado de “covore”??? Apreciar!” “Covore”? O que é “covore”? Agora
já temos duas “palavras” enigmáticas. A Google está feita com o Trump.
Claro
que eu me interrogo sobre quanto tempo Trump nos faz gastar para
perceber o que é “covfefe”, que ele reafirma ser uma palavra com
“significado” e o pobre do Sean Spicer teve de explicar que o
“Presidente e o seu círculo mais próximo” sabiam muito bem o que era
“covfefe���. Ele, apesar de ser o porta-voz do Presidente, não sabe o
que é, visto que teve de fugir de cena com os gritos dos jornalistas a
perguntar-lhe o que é que significava. Sim, tenho imensa sensação de
tempo perdido — e de artigo perdido, visto que estou a escrever sobre
isso — com este “covfefe”, que é uma espécie de gerador de patetice que
nos faz também ser patetas. Mas, que raio, ou à Trump, QUE RAIO!!!, ele é
Presidente dos EUA e o que diz e o que escreve tem sempre enorme
importância, visto que o faz com os mesmos dedinhos com que pode digitar
os códigos nucleares. E se ele estiver doido?
Há várias razões para achar que ele não está muito bem da cabeça,
como, aliás, vários chefes de governo europeus e do G7 suspeitaram
depois de estarem três dias metidos em salas com ele. Tiveram
literalmente que aturar um homem que diz que nunca se engana, e, pior
ainda, que acha que nunca se engana, que nunca é responsável pelos seus
actos quando eles correm mal, que está convencido que a sua própria
presença induz um magnetismo de tal ordem que o torna num “negociador”
genial (parece que não resultou com o conflito israelo-palestiniano),
que, pela sua mera existência, gera “acontecimentos históricos” uns
atrás dos outros (“vários”, disse Spicer, aconteceram na sua recente
viagem), que “acerta” em tudo com “golos” atrás uns dos outros (ele usou
a linguagem do basebol, mas em “futebolês” é assim) e por aí adiante.
Sabemos ainda outra coisa, no contexto do “covfefe”, que é um mago com
as palavras, como ele próprio afirmou na campanha eleitoral: “Escolho
sempre as melhores palavras.” Disse-o numa frase em que elogiou o poder
da palavra “estúpido”. Também acho que é uma palavra poderosa.
Bom,
podemos considerar que estamos perante um megalómano, mitómano,
narcisista, ignorante, preguiçoso, bruto, mentiroso, amoral, desprovido
de qualquer percepção de que o mundo exterior aos seus desejos existe e é
de natureza distinta, ou seja, cuja relação com a realidade é quase
nula, o que tem um nome bastante parecido com doido. Poder imaginar
podemos. Basta ler os tweets para perceber que esta descrição é
tão rigorosa como exacta e que, se pecar por alguma coisa, é por
defeito, mas pode dizer-se que daí a doido vai alguma diferença. Talvez,
mas esta diferença está a reduzir-se, até porque o homem se sente
acossado, pelas “fake news”, pelas “traições” no interior da Casa Branca, pelas fugas de informação, pelo “deep state”
deixado por Obama, pelas “regras” do Congresso e do Senado que o
impedem de governar só com ordens executivas, pelos alemães, pelos
mexicanos, pelos norte-coreanos, pelos iranianos, pelos cómicos das
televisões, pelo FBI, pela CIA, pelos tribunais, pelos democratas.
São
alguns marxistas os que encontram em Trump mais racionalidade, o que
não deixa de ser irónico. Eles acham que Trump tem um moinho e leva a
água ao seu moinho, sejam quais forem as “distracções”. O moinho são os
seus interesses e os dos seus amigos bilionários que trouxe para o
Governo, e os defensores desta tese na esquerda marxista vêem todas as
acções de Trump como paradigmáticas do carácter selvagem do capitalismo
americano, de que ele seria o principal instrumento. Há dias, como o de
hoje, em que os célebres “mercados” parecem validar estas teses, dando
às mais absurdas medidas de Trump a racionalidade da Bolsa. E ele corre
feliz para o Twitter a escrever aqueles fabulosos auto-elogios e a citar
o seu eco, a Fox News: “Wall Street atinge recordes depois de Trump
sair do Acordo de Paris.” Isto implica que há quem esteja a ganhar muito
dinheiro com Trump, por muito conspiratórias que sejam as teorias que
explicam as suas acções. E esses não são doidos.
O problema é que o
barco onde Trump navega à vista é um lugar perigoso. É-o para nós, mas é
também para ele e para os que com ele vão, como os republicanos começam
a perceber. É verdade que Trump tem ajudado a impulsionar a agenda mais
radical da direita (a deles e a nossa), mas há uma profunda
inconsistência e um impulso autodestrutivo — o melhor exemplo é o
Twitter de Trump — que mantém a democracia americana debaixo de uma
tensão sem precedentes. E aí Trump está a perder, como se vê em todas as
sondagens, mesmo as da Fox News. A perder substantivamente em matérias
em que estava a ganhar, como a segurança social e o sistema de saúde dos
americanos mais pobres, muitos dos quais foram seus eleitores. E, como a
criação de emprego e as melhorias económicas estão longe de lhe poderem
ser atribuídas — vinham já da Administração Obama —, os efeitos
destrutivos acabam por se impor quer internamente, quer num mundo em
que, com excepção dos seus ditadores preferidos e dos sauditas de espada
desembainhada, Trump é uma espécie de pária, tão perigoso como
ridículo.
Têm a certeza que ele não se veste de Napoleão, mete a
mão na jaqueta e se olha ao espelho no meio dos torcidos e tremidos
dourados de Mar-a-Lago? Ou de Putin? Ou de Erdogan? Ou até desse “rapaz”
Kim Jong-un, com cujo “peso” de responsabilidades juvenis ele sentiu
uma genuína empatia dizendo que ficaria “honrado” em encontrar-se com
ele? Eu não tenho. E já agora “covfefe” para Trump!
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