01 fevereiro 2018

cuidado contigo, cuidador!

Vamos levantar-nos? Vamos virar-nos? Vamos almoçar? Vamos vestir-nos? É assim que as nossas cuidadoras e cuidadores se dirigem normalmente a nós dependentes.

Costumo, em tom de brincadeira responder que quem se vai levantar, vestir, ou virar sou eu e não eles. Alguns, também a brincar, respondem que sem o seu apoio não realizo nenhuma dessas atividades, que a coisa é feita em conjunto, daí o vamos a isto e aquilo.

Têm razão. Sem eles não seríamos nada. Eles fazem parte de nós. Sem o seu apoio não funcionamos. É assustador pensar e sentir que não somos donos das nossas vidas. Que dependemos de alguém para praticamente tudo. E quando estou a referir tudo, sei do que falo. Refiro-me às tarefas mais básicas como por exemplo beber água, abrir uma porta, virar-me na cama, proteger-me do frio…

E não damos pouco trabalho. Veja o meu exemplo de me levantarem da cama:
-Desviar a roupa da cama para trás;
-Tirar-me a almofada de posicionamento do meio das pernas e a calcanheira;
-Virar-me de costas e posicionar-me no centro do colchão;
-Realizar-me a higiene íntima e desinfetar o orifício da suprapúbica e o cistocateter;
-Despejar o saco coletor de urina;
-Acomodar o saco coletor de urina no corpo;
-Vestir-me peça a peça de roupa;
-Encostar a cadeira de rodas ao lado da cama;
-Transferir-me para a cadeira;
-Calçar-me;
-Encaixar as peças de segurança na cadeira de rodas;
-Colocar água nas garrafas;
E na maioria das vezes executo algumas tarefas, como por exemplo vestir algumas peças no tronco, lavar o rosto, escovar os dentes, pentear-me, perfumar-me, desfazer a barba com máquina de barbear…

Leram bem. Muita coisa. E só me estou a referir a uma das tarefas diárias. Tanto trabalho a cargo de quem escolheu ou não nos apoiar. Dia de banho e treino intestinal (geralmente dia sim, dia não) o trabalho é a dobrar. E não são tarefas fáceis. Damos muito trabalhinho e eu sei disso. Dependemos deles e pedimos-lhes muita coisa. Mas não tudo o que precisamos.

Depender dos outros. Até hoje foi um problema que não consegui resolver dentro de mim. É algo que me incomoda muito. Faz-me mal sentir que dependo de alguém para tudo. O pedir isto, depois pedir aquilo, e de seguida outra coisa. E como escrevi acima, não pedimos tudo que precisamos.

Exemplo: quando nos deitamos e caso estejamos com frio, pedimos para nos colocarem roupa que achamos ser suficiente para nos aquecer, mas horas depois acordo cheio de calor. Claro que não vou acordar alguém para me retirar roupa da cama! Sou incapaz de o fazer.

Quem nos rodeia costuma dizer com frequência. Se precisares de mim é só avisar. Mas claro que no geral evito ocupar as pessoas. Mas se verifico que a oferta é de coração e genuína, não deixo de pedir apoio. Nesse caso faço-o não porque gosto, mas porque vejo nos olhos da pessoa que está a fazer algo com prazer. É a única circunstância que consigo pedir algo sem grandes rodeios.

Seja num lar, ou nas nossas casas, cuidar de nós não é tarefa fácil. Admiro muito quem o faz de coração, e de uma maneira descomprometida. Eu penso que não seria capaz de ser assistente de alguém nas minhas circunstâncias.

Urge iniciar a filosofia de Vida Independente. Só assim teremos alguém que nos auxilie de corpo e alma, e não por favor. Alguém que possamos sentir como sendo nosso apêndice, nossas pernas e braços, e pago de acordo com as suas funções, e munido de Produtos de Apoio, que lhes permita auxiliar-nos de maneira adequada, e sem pôr em risco a sua saúde.

Foi publicado em outubro último, o Decreto Lei nº 129/2017 que cria o Modelo de Apoio à Vida Independente no nosso país. Consiste na disponibilização de assistentes pessoais por parte do Estado, a pessoas dependentes, e definiu o seu vencimento mensal em 900€ por 8 horas diárias de trabalho.

Mas como a maioria das respostas sociais para pessoas com deficiência, também este apoio continua a ser uma intenção. De outubro para cá pouco ou nada aconteceu. Continuamos a depender do favor de quem nos cuida em lares, nossas casas, etc. Só com um assistente pessoal, remunerado conforme a sua categoria, poderei olhar para quem me auxilia, como alguém que está ali por opção e por gosto e não por obrigação.

Enquanto o Estado continuar a optar pela nossa institucionalização, e a obrigar as nossas famílias a cuidar de nós, não nos deixaremos de sentir um peso e uma cruz nas suas vidas.

Ass: Eduardo Jorge (tetraplegicos@gmail.com)



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